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Faustão recebe novo transplante: tire suas dúvidas sobre doação de órgãos

Médico responde a perguntas que se espalharam pelas redes após a inclusão do apresentador Faustão na lista de transplante.

Legenda. Foto: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

O apresentador Faustão sofre de insuficiência cardíaca e aguarda um transplante de coração. Foto: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

(Texto atualizado em 26 de fevereiro de 2024.)

O apresentador Fausto silva passou por um transplante rim em São Paulo. A cirurgia foi realizada na segunda-feira (26) e ocorreu no Hospital Albert Einstein. O transplante foi necessário em função do agravamento de uma doença renal crônica. Segundo o hospital, “o paciente seguirá em observação para acompanhamento da adaptação do órgão e controle clínico.”

Faustão teve o coração transplantado em agosto de 2023. Na época, a notícia de que o apresentador teria prioridade na fila de transplante cardíaco provocou mentiras e ressuscitou velhos mitos sobre o sistema de doação de órgãos no Brasil. Como médico, trabalho há mais de 10 anos diretamente nessa área e vou te explicar como esse processo funciona.

No ano passado, o apresentador de 73 anos esteve internado em São Paulo para tratar insuficiência cardíaca. Fausto Silva passou por um transplante de coração no dia 27 de agosto, segundo boletim médico divulgado pelo Hospital Albert. Ele ocupava o segundo lugar na lista de espera por um coração, segundo a Central de Transplantes do Estado de São Paulo.

Veja a seguir como funciona a lista de e os critérios para transplantes no Brasil:

1) Faustão está furando a fila de transplante?

Não. Para começar, fila é um termo inadequado, justamente por gerar esse tipo de confusão. Lista é mais adequado, porque há uma série de critérios para se fazer um transplante de órgãos, e a gravidade do paciente é o maior deles. Alguém que morrerá eminentemente sem o transplante receberá a doação antes de uma pessoa que está há mais tempo na lista, mas em estado menos grave.

Além disso, há outros fatores para alguém “passar na frente”: o tipo sanguíneo ou o painel de anticorpos do doador pode não ser compatível com quem está esperando há mais tempo, por exemplo. A lista, então, vai ser analisada até um receptor compatível ser encontrado. 

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As condições clínicas do receptor também interferem na possibilidade de doação. O estado de uma pessoa pode ser tão grave que ela não tem condições para suportar a cirurgia. Para pacientes com as mesmas condições, contudo, o tempo de espera é um fator decisivo.

O processo por trás de um transplante é extremamente delicado, e os profissionais envolvidos sofrem um grande desgaste físico e mental para uma única doação acontecer – imaginem como é trabalhar só com isso. Então, por favor, não façam acusações irresponsáveis sobre fura-filas ou atendimento de outros interesses escusos no Sistema Nacional de Transplantes

2) Faustão vai saber quem doou seu coração para ele?

A princípio, não. A doação é anônima para a proteção do receptor, do doador, de sua família e da equipe envolvida. Ou seja, a família que opta por permitir o transplante de órgãos de um parente falecido não sabe para quem eles serão doados, e o receptor não sabe quem doou. É crime divulgar o nome de quem recebe um transplante. 

Existem casos de famílias que conseguiram essa informação, mas isso ocorreu ou por esforço próprio ou por meio de reportagens, por exemplo. Pelo Sistema Nacional de Transplantes, não. 

3) Como acontece a doação de órgãos para transplante?

A única doação que pode ocorrer em vida é a de rins, por ser possível viver com apenas um deles, e a de fígado, já que pode-se tirar uma parte do órgão, que irá se regenerar depois. Esse tipo de transplante pode ser feito por maiores de idade, mediante autorização expressa, para parentes até o quarto grau. Se você quiser doar um órgão para alguém de fora da família, é exigida ainda uma autorização judicial.

Os demais órgãos só podem ser retirados em caso de morte cerebral do doador. Apenas após a confirmação do diagnóstico – feita por meio de um processo rigoroso, que envolve exames especificados por lei – os profissionais de saúde podem fazer a entrevista familiar sobre doação. 

A conversa é um passo necessário porque, no Brasil, o modelo de autorização de doação é o consentido, em que a decisão é dos familiares. Cabe ao cônjuge a palavra final. Quando não há companheiro a ser consultado, a linha decisória segue em linha reta ou colateral pelos parentes maiores de idade, juridicamente capazes, até o segundo grau. 

Mesmo que você diga em vida que quer doar, sua família pode se recusar. O contrário também pode acontecer. O mais comum, contudo, é que a família respeite a decisão de quem faleceu. A nova carteira de identidade que entrou em vigor em março de 2022 permite colocar a opção de doador ou doadora. Essa é uma forma de expressar seu desejo, mas não anula o consentimento familiar. 

Das 1.844 entrevistas familiares realizadas no primeiro trimestre desse ano, 45% resultaram em negativas de doação, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes. Por isso, é muito importante que você converse a fundo sobre sua vontade com seus parentes mais próximos, levando-os a entendê-la melhor e respeitá-la. 

Pessoas sem familiares ou não identificadas – em situação de rua, por exemplo – não podem doar. Em hipótese alguma. (Contradição: os corpos delas podem ser doados para universidades para pesquisa.)

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Se você quer ser doador, converse bastante com sua família a respeito. No final, a decisão é deles – e 45% das entrevistas familiares acabam em recusa de doação no Brasil. Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro.

4) E se meus órgãos forem postos à venda?
Existem muitas lendas urbanas sobre doação de órgãos para transplante. Já ouviu falar em pessoas encontradas mutiladas com órgãos retirados para doação? Eu também. Mas isso não passa de um mito. A doação só tem condições de ocorrer em ambiente hospitalar, porque é necessário manter o suporte hemodinâmico, cardíaco e respiratório do doador até o momento da cirurgia de captação. Só assim os órgãos podem manter-se funcionais após a morte cerebral.

Antes de dizer que se recusa a doar porque soube de um caso de venda de órgãos ou porque não confia no sistema, saiba que a documentação do processo é extremamente rígida. Há cópias das equipes que conversam com familiares e das centrais estaduais e nacionais de transplante. Há testemunhas, cópias de documentos pessoais, etc. A família é colocada a par de tudo.

O Brasil tem o maior sistema de transplante de órgãos do mundo e tudo é feito pelo SUS. Apesar disso, essas acusações infundadas interferem muito no processo de doação, e o número de doadores é muito aquém do necessário. No primeiro trimestre deste ano, 55.386 brasileiros esperavam por um órgão, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes, e a taxa de doadores era de 17,5 a cada um milhão de pessoas. 

Ponha-se no lugar do outro: se fosse você quem precisasse de um transplante de órgão para ficar vivo, tenho certeza absoluta de que esperaria muito o “sim” de alguém à doação.

Vale o registro de que a venda de órgãos é sempre ilegal. Você não pode escolher vender um rim, por exemplo. Sugerir a legalização desse tipo de transplante é simplesmente abjeto. Imagine uma pessoa em situação de fome, vendo seus filhos padecerem, que pensa em vender um rim. Uma decisão tomada nessas circunstâncias não envolve consentimento real.

Também por ser necessário consentimento, não se pode tornar obrigatória a doação de órgãos. A Holanda tornou esse tipo de transplante obrigatório a partir de 2020. Pessoas foram em massa a órgãos do governo para assinar documentos de recusa. A justificativa era justamente que não podiam ser obrigados.

5) Como podemos ajudar quem precisa de um transplante?

Evidências mostram que o treinamento das equipes de saúde sobre o tema e campanhas de estímulo à doação são as formas mais eficazes de aumentar os índices de doações. Quem precisa agir, principalmente, é o estado brasileiro. 

Mas você pode e deve falar com sua família e seu círculo social sobre seu desejo de doar, além de ajudar a combater desinformações e mentiras sobre o Sistema Nacional de Transplantes. Se sua família autorizar o transplante, ele só será descartado em caso de contraindicações clínicas, como infecção por HIV, tuberculose ativa, câncer ou doenças virais em atividade (dengue, zika, covid-19, etc.), Alzheimer ou mal funcionamento dos órgãos, por exemplo.

Em tese, não existe idade máxima para doar. Ná prática, existe uma média. Para transplantes de coração, doadores homens costumam ter até 50 anos, e as mulheres, até 55 – isso porque eles têm mais chance de sofrer de doenças cardíacas do que elas. Para fígado e rins, a média é de 70 a 75 anos. Mas a idade nunca é avaliada de forma isolada, e sim em conjunto com as comorbidades de possíveis doadores. Uma pessoa pode ter 20 anos, por exemplo, mas ser portadora de um doença cardíaca que impeça a doação. 

Para tornar-se doador, você não precisa assinar nenhum documento. Fale com as pessoas com quem você convive e deixe expressa a sua vontade. A vida pode continuar.

Atualização: 28 de agosto, 11h
Este texto foi atualizado com informações do boletim médico do estado de saúde de Fausto Silva após o transplante de coração.

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