Vista aérea da terra indígena Apyterewa, que tem sido alvo de pecuarista e garimpeiros no sudoeste do Pará.

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Invasores construíram vila, igreja, garimpo e já são mais numerosos que indígenas em reserva legal no Pará

Terra indígena Apyterewa tem sido alvo de ocupação ilegal de pecuaristas e garimpeiros, se tornando a área protegida mais desmatada da Amazônia desde 2018.

Vista aérea da terra indígena Apyterewa, que tem sido alvo de pecuarista e garimpeiros no sudoeste do Pará.

Reportagem atualizada em 2 de outubro, às 11h17, após operação federal na terra Apyterewa.

Em sete anos, não indígenas ergueram 210 casas, igrejas, lojas de comércio, uma escola e até um posto de gasolina dentro da terra indígena Apyterewa, na cidade de São Félix do Xingu, no sudoeste do Pará. Essa ocupação ilegal deu origem a uma vila, que foi batizada de Renascer e hoje  reúne cerca de mil invasores – eles superam em número os 730 indígenas legalmente instalados na área e donos do território, de acordo com documentação acessada pelo Intercept, que incluem relatórios de órgãos do governo federal e investigações da Polícia Federal.

A perspectiva é ainda de mais crescimento, com novas casas em construção. Tudo isso acontece ao  lado de uma base de operação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai. 

Um dos canais de acesso da vila Renascer alcança outra área invadida: a vila do Piranha, com dez edificações e plantações. Do outro lado da reserva, um sujeito de nome Josemar Alves da Costa, assassinado em 2022, negociou com uma dezena de pessoas pedaços de terra que não lhe pertenciam. Esses e outros quatro povoados ainda vivem ilegalmente dentro dos 773 mil hectares que pertencem ao povo Parakanãs, homologados em 2007, durante o segundo mandato do presidente Lula. 

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Há ainda outros cinco acessos irregulares, entre pistas de pousos, pontes e matas abertas na floresta para a criação de gado – ora em currais fechados, ora soltos.  Além da pecuária, muitos dos invasores possuem interesse no garimpo. Só em maio deste ano, o Ibama desarticulou 20 acampamentos dentro da terra índigena Apyterewa – e o desmatamento caiu 94% no primeiro semestre deste ano, segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas. Apesar da expulsão dos garimpeiros, os sinais de destruição seguem visíveis, com maquinários abandonados dentro de rios amarelados pela intensa atividade de mineração. 

Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, a TI Apyterewa foi a reserva indígena com maior área de floresta derrubada na Amazônia nos últimos quatros anos. Não é coincidência os números crescentes de desmatamento e invasões na região amazônica. O ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL, estimulou a legalização do garimpo em terras indígenas e discursou inúmeras vezes a favor da revogação de reservas às comunidades tradicionais – além de sucatear e desmontar os órgãos de defesa do meio ambiente e proteção aos povos indígenas.

Em nota, a Funai confirmou os recordes de desmatamento na área Apyterewa nos últimos anos e que, para contê-los, foi criado o Comitê de Desintrusão para “garantir a proteção constante e permanente de todos os territórios indígenas”.

Políticos defendem ocupação ilegal da reserva Apyterewa

O município de São Félix do Xingu também concentra políticos contrários às proteções das reservas indígenas. João Cleber de Souza Torres, atual prefeito de São Félix do Xingu, do MDB, e seu irmão, o deputado estadual Francisco Torres de Paula Filho, mais conhecido como Torrinho, do Podemos, acumulam denúncias por tomada de terra e até assassinato.  

Antes de se eleger prefeito, Torres foi denunciado pelo Ministério Público Federal por abrir uma estrada usada por garimpeiros dentro da terra dos Parakanãs. Já eleito, organizou caravanas a Brasília para lutar contra as operações de desintrusão e reuniões para defender a presença de não indígenas em terras já demarcadas. Seu vice, João Batista Alves de Abreu, também liderou resistências contra a desintrusão, em 2016 – ano que a Vila Renascer começaria a ser instalada na terra indígena Apyterewa.

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A primeira operação de desintrusão durou poucos meses. Em 2011, o governo federal criou as duas bases de controle e fluxo dos invasores que permanecem até hoje – base 1, de São Sebastião, e base 2, de São Francisco. As ações naquele ano perduraram apenas de janeiro a março, quando uma decisão judicial garantiu a permanência dos não indígenas na área. 

Quatro anos depois, o Supremo Tribunal Federal derrubou todas as ações que impediam a desintrusão. O governo federal, então, articulou uma espécie de força-tarefa, entre a Funai, os ministérios da Defesa,  da Justiça e do Desenvolvimento Agrário para tirar os invasores de vez das terras dos Parakanãs.

No início de janeiro de 2016, o atual prefeito de São Félix do Xingu, que havia acabado de perder a reeleição municipal, partiu para Brasília. Junto a eles estavam outros dois nomes: Adelson Costa e Antônio Belfort, segundo documentos oficiais acessados pelo Intercept.

O primeiro deles é um pastor evangélico da vila Taboca com uma fazenda chamada Fé em Deus, além de presidente de uma associação local. Em uma de suas empreitadas, juntou-se a posseiros e ameaçou indígenas que pretendiam fundar uma nova aldeia dentro da reserva.  O segundo é um pecuarista afortunado e que já tentou sucessivas vezes ocupar um cargo público – foi candidato três vezes a vereador, mas  nunca se elegeu. 

De acordo com documentos acessados pela reportagem, Belfort também se apossou de terras na Apyterewa. Ambos fazem a ponte do político com uma peça-chave nas manifestações daquele ano: Vicente Paulo Terenço – outro posseiro poderoso, famoso por acumular terras e protegê-las com pistoleiros, além de ser acusado de ordenar assassinatos.

Nenhuma dessas figuras expõem o rosto publicamente para promover ou incentivar atos contrários aos direitos indígenas. Ficam apenas nas articulações e bastidores. Foi ele quem mandou para Brasília, em 2016, um grupo de invasores que defendiam abertamente intervenção militar – os parentes de Belfort compartilharam essas manifestações golpistas em suas redes sociais. 

Enquanto isso, no Pará, sua turma migrou para a base 2 da Funai na TI, onde montou acampamento. E de lá, da Vila Renascer, não saíram até hoje – mais uma vez, as decisões judiciais impediram a completa remoção dos invasores.

Tentamos contato com o prefeito João Cleber de Souza Torres e com o deputado Francisco Torres de Paula Filho, mas nenhum deles nos respondeu. Não conseguimos encontrar Torenço, Adelson Costa e Antônio Belfort. 

*Arquivo* SÃO FÉLIX DO XINGU, PA, 25.01.2022 - Aldeia do povo Parakanã, na terra indígena Apyterewa, no Pará. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress)
Terra indígena Apyterewa, que pertencem aos Parakanãs e tem sido alvo de constantes invasões. Foto: Bruno Santos/ Folhapress

Invasores acuaram Força Nacional na reserva Apyterewa

Ainda naquele ano, a violência e investidas contra os agentes públicos pioraram. Invasores chegaram a acuar policiais da Força Nacional com o uso de coquetel molotov. Passaram a criar estratégias de guerrilha: armadilhas para furar pneus de viaturas, trator para fechar vias de acesso e incêndios em pontes.

Quatro anos depois, com o aumento das invasões em 2017, negociações de conciliação abertas pelo STF, fiscais do Ibama viraram reféns dos invasores. Após autuarem uma área por desmatamento ilegal, manifestantes bloquearam vias e atiraram contra eles, que foram obrigados a buscar abrigo na base 2. Os invasores cercaram a base com barricadas e impediram os servidores de receber alimentos por três dias. Terenço foi indiciado como réu pela Justiça, que também ordenou o imediato desbloqueio das vias.

Governo Lula homologou reserva Apyterewa em 2007

Tamanha adesão de invasores nessa terra indígena vem de uma narrativa difundida pelas lideranças sobre a mudança da extensão da TI Apyterewa. Segundo eles, lá na década de 1990, o governo ampliou a área dos indígenas, que era de 266 mil hectares, para 980 mil hectares, deixando 4,5 mil famílias de não indígenas em situação irregular. Pouco tempo depois, em novo acordo com o governo, a área foi reconfigurada para os atuais 773 mil hectares.

A Funai reconheceu cerca de 1,3 mil famílias que viviam no local e negociou indenizações –  as outras 3,2 famílias não foram reembolsadas. Em alguns casos, o órgão entendeu que havia “má-fé” no pedido de reparação. 

Alguns dos não indígenas indenizados julgaram que receberam um valor muito baixo e começaram as negociações que perdurariam por anos. Em 2005, fecharam um acordo: a homologação das terras só aconteceria após o julgamento “da boa fé dos não indígenas”. Só que o governo Lula se antecipou e, em 2007, antes do julgamento, homologou por meio de um decreto a TI Apyterewa. Os invasores nunca perdoaram a “traição” da justiça e do presidente petista.

Operação federal para expulsar invasores

Na segunda-feira, 2 de outubro, o governo federal iniciou uma operação de desintrusão das terras Apyterewa e também da Trincheira Bacajá, também no Pará. Participam da operação, a Funai, Força Nacional, Incra, Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federa e demais órgãos para afastar os invasores e impedir que retornem às terras indígenas.

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