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O início da trajetória pública do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, do MDB, está ligada a jornais de bairro. Nunes começou ali: em 1980, então com 18 anos, fundou A hora da ação, veículo que cobria os bairros da zona sul da capital – Interlagos, Grajaú e Capela do Socorro. Mais tarde, não por acaso, a região se tornaria o berço eleitoral do político, primeiro na vereança, por dois mandatos, e depois na prefeitura, assumindo o cargo após a morte de Bruno Covas.
Nesta semana, nós mostramos por aqui que tal segmento continua bastante caro a Nunes. Ao descortinar os gastos do multimilionário contrato da prefeitura de São Paulo com duas agências de publicidade, o repórter Paulo Motoryn descobriu que ao menos R$ 16,5 milhões de dinheiro público foram gastos com jornais de bairro nos últimos três anos.
Mas qual o problema de gastar publicidade da prefeitura em jornais pequenos, você pode se perguntar. Nenhum, se fosse só isso. Afinal, o jornalismo precisa de recursos – e eles, muitas vezes, são públicos. A verba da prefeitura poderia ser uma forma de financiar um serviço público necessário, como os jornais de bairro, dando um foco hiperlocal e descentralizado à cobertura.
A questão é que a gestão de Nunes não detalha que tipo de publicidade foi veiculada, qual é a tiragem do veículo e que critério foi utilizado na escolha desses jornais. Pior: analisando publicações recentes dos veículos que receberam grana da prefeitura, percebemos que a maioria estampava o prefeito na capa ou tinha manchetes bastante elogiosas – funcionando, na prática, como um panfleto pago pela prefeitura. Isso em ano pré-eleitoral. E sem deixar nada explícito.
Foi por isso que, dois dias depois da publicação da nossa reportagem, três políticos entraram com ações pedindo a investigação do uso de verbas da prefeitura nos jornais. O vereador Celso Gianazzi, o deputado estadual Carlos Gianazzi e a deputada federal Luciene Cavalcante, todos do Psol, acionaram o Tribunal de Contas do Município, o Ministério Público Eleitoral e o Ministério Público de São Paulo para que investiguem os gastos públicos com jornais de bairro, com a devida responsabilização dos envolvidos, se forem constatadas violações aos princípios da administração pública.
As petições, baseadas na nossa investigação, também mencionam as ligações e a orientação política dos veículos – que têm, entre sócios e colunistas, aliados de Ricardo Nunes. Elas questionam possíveis violações aos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade nos gastos públicos. Ao Ministério Público Eleitoral, os políticos também pediram a investigação de um possível uso da máquina pública em prol da reeleição do prefeito.
Ao Intercept, a prefeitura disse que as contratações “respeitam critérios técnicos” e que “as campanhas são elaboradas por agências selecionadas por meio de licitação regulamentada”. As duas agências que repassam a grana aos jornais negam que tenha havido qualquer tipo de orientação editorial na escolha dos veículos.
É preciso lembrar que, neste caso, estamos falando de R$ 16,5 milhões. É muito. Mas a prefeitura de São Paulo tem contratos de R$ 400 milhões com as agências de publicidade. É uma montanha de dinheiro que só agora começa a ser escrutinada. Nós já mostramos a contratação de publieditoriais disfarçados na Folha, caso que se repetiu no Estadão – os dois maiores jornais do estado e que constam entre os três maiores do país.
Continuamos mergulhados nos gastos e, correndo o risco de dar spoiler, posso dizer: a prefeitura está pagando para muito mais gente, de modo pulverizado. A gente vai contar mais detalhes em breve. Por enquanto, aguardamos as manifestações dos órgãos responsáveis por fiscalizar o dinheiro dos paulistanos depois das ações movidas após nossa reportagem. Se houver real interesse em investigar, não vai faltar trabalho para eles. E nem para nós.
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