Reportagem atualizada em 6 de outubro, às 16h38, após novas informações sobre o caso.
Na madrugada desta quinta-feira, 5, três criminosos desceram de um carro na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, e atiraram contra quatro clientes do Quiosque do Naná 2. Todos eram médicos e haviam chegado na cidade para participar de um congresso internacional sobre ortopedia no Windsor Hotel, bem em frente ao local do crime. Três morreram e um deles está internado em um hospital da cidade.
No local, após uma perícia feita à noite, a polícia coletou 33 estojos de pistola calibre 9mm de cano curto. A área não está mais isolada e, na tarde de hoje, diversos clientes lotaram o quiosque na hora do almoço – entre eles, participantes do congresso de ortopedia.
A mesma mesa onde os médicos foram executados segue disponível, ainda com as marcas da violência que vitimou três pessoas. Um dos clientes veio a trabalho para o congresso e nos contou que às 6h da manhã o quiosque, que fica aberto 24 horas, já funcionava normalmente.
Quem são as vítimas?
Diego Ralf Bomfim, 35 anos, era ortopedista e traumatologista, especializado em cirurgia do pé e tornozelo, e em reconstrução óssea. Ele chegou a ser levado com vida para o hospital, mas não resistiu. Diego Ralf é irmão da deputada federal Sâmia Bomfim, do PSOL de São Paulo.
Perseu Ribeiro Almeida, 33 anos, cursou medicina na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FTC), na Bahia. Assim como Diego Bomfim, ele também se especializou em cirurgia do pé e tornozelo no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Marcos de Andrade Corsato, 62 anos, era mestre em ortopedia e traumatologia pela Faculdade de Medicina da USP. Ele trabalhava no Hospital das Clínicas, além de fazer parte do corpo clínico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.
Daniel Sonnewend Proença, 32 anos, é formado pela Faculdade de Medicina de Marília. Proença tomou três tiros. Ele é o único sobrevivente do atentado. Segundo um amigo do médico, ele está se recuperando bem das cirurgias e ontem à noite já conversava no quarto.
Qual a principal linha de investigação?
Poucas horas após o crime, a Polícia Civil do Rio informou que a principal linha de investigação é a de que os criminosos confundiram o médico Perseu Ribeiro de Almeida com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa. Taillon é filho de Dalmir Pereira Barbosa, um dos chefes da milícia na zona oeste. A região vive sob intenso confronto entre milicianos nos últimos meses.
A polícia interceptou mensagens trocadas entre traficantes rivais de Dalmir avisando sobre a presença de Taillon no quiosque. Essa informação, por enquanto, é o que leva os investigadores a acreditarem na hipótese de que os criminosos executaram os médicos por engano.
Na noite de quinta-feira, a polícia localizou quatro corpos de suspeitos de terem cometido a chacina. Renato Torres, secretário da Polícia Civil do Rio, informou não haver mais dúvidas em relação à motivação do crime. “Não resta mais dúvidas de que os médicos foram assassinados por engano”, disse.
O ministro da Justiça Flávio Dino informou que há outras três linhas de investigação, mas não revelou quais são elas.
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As investigações vão continuar?
Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, afirmou que o inquérito seguirá. Cappelli informou ainda que a Polícia Federal segue acompanhando o caso, a pedido do presidente Lula.
Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro, confirmou, após reunião com Cappelli, na manhã desta sexta-feira, o prosseguimento das investigações. “As investigações continuam. Não iremos parar por aqui. Não é porque acharam corpos que as investigações vão parar. As investigações vão ser ampliadas, vão continuar. Não retrocederemos um milímetro sequer para essas máfias”, prometeu o governador.”
Ao ser questionado sobre as próximas ações contra os traficantes que ordenaram as mortes dos suspeitos de assassinarem os médicos, Castro mencionou as chacinas no Jacarezinho e na Vila Cruzeiro para exemplificar o que a polícia já tem feito. “É um combate que já viemos fazendo todo dia, fizemos no Jacarezinho, na Vila Cruzeiro, temos a força tarefa contra as milícias, as apreensões que viemos fazendo todos os dias. Esse trabalho de combate a essas facções criminosas já vem acontecendo e não vai retroceder.”
A operação policial no Jacarezinho, em 2021, terminou com 28 mortos – a mais letal da história do estado. Na Vila Cruzeiro, em maio de 2022, foram 23 mortos. O governo de Castro é responsável por três das cinco maiores chacinas policiais da história do estado (ele chegou a essa meta em pouco mais de um ano de mandato).
Castro e Cappelli se encontraram hoje também para falar sobre os possíveis auxílios federais para o combate ao crime no estado fluminense.
Quem são os suspeitos?
A polícia suspeita de quatro traficantes: Bruno Pinto Matias, o Preto Fosco, Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, o BMW, Philip Motta Pereira, o Lesk, e Ryan Nunes de Almeida. Lesk fazia parte da milícia de Gardênia Azul, na zona oeste do Rio, até dezembro do ano passado. Naquele mês, ele orquestrou um golpe, se uniu a traficantes do Complexo da Penha e passou a disputar o domínio da região com os milicianos. Eles são conhecidos como Equipe Sombra.
Em setembro deste ano, Luís Paulo Aragão Furtado, o Vin Diesel, aliado de Lesk, foi assassinado. E o principal suspeito pelo ataque é Taillon – por isso ele se tornou o alvo dos traficantes. No áudio interceptado pela polícia, a voz que indica a localização do alvo é do BMW.
O assassinato dos médicos e a repercussão do caso desagradou a cúpula do Comando Vermelho, que condenou e matou os envolvidos. Na noite desta quinta-feira, a polícia localizou quatro corpos de suspeitos de terem cometido a chacina – Lesk e Ryan estão entre eles. BMW e Preto Fosco não estão na lista de mortos.
Ricardo Cappelli, secretário executivo do Ministério da Justiça, afirmou que o inquérito seguirá.
O que disse a deputada Sâmia Bomfim sobre a chacina que vitimou seu irmão?
Em entrevista, Sâmia cobrou apuração e elucidação do crime. Ela disse ter entrado em contato com o Ministério da Justiça para pedir que a Polícia Federal acompanhe a apuração do crime. “Ele era a pessoa mais linda do mundo, íntegro, inteligente, dedicado, absolutamente carinhoso com todo mundo (…) Foi injusto e cruel”, desabafou.
Ainda pela manhã, o ministro da Justiça Flávio Dino informou por meio de suas redes sociais que a PF acompanharia o caso, pela “hipótese de relação com a atuação de dois parlamentares federais”. Sâmia é casada Glauber Braga, também deputado federal pelo PSOL.
Além da PF, dois delegados e seis investigadores de São Paulo também vieram ao Rio de Janeiro e devem permanecer por tempo indeterminado na cidade. Pela manhã, em suas redes sociais, o governador Tarcísio de Freitas anunciou a viagem da equipe da polícia civil paulista à capital fluminense.
Sâmia Bomfim e seus familiares receberam ameaças?
Na mesma entrevista, a deputada disse já ter sofrido algumas ameaças, mas não recentemente. Em julho, ao Uol, contou sofrer constantes ofensas e promessas de mortes contra ela e seus familiares.
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