Os ataques do Hamas, partido que governa Gaza desde a última eleição em 2006, não surpreenderam os palestinos. Em pesquisa realizada no mês de julho, do Centro Palestino de Pesquisas em Política e Estudos de Opinião, instituto independente sem fins lucrativos, 51% da população local dsperava pela terceira revolta palestina da história. Meses antes, em março, a expectativa era ainda maior: 61% deles esperavam por uma nova erupção de resistência armada.
Há 75 anos, os palestinos travam uma resistência desigual contra a ocupação militar ilegal de Israel pelo direito à terra e à liberdade. Israel bombardeou instalações de tratamento de água, centrais elétricas, hospitais e escolas de Gaza, fechou as suas fronteiras e portos, proibiu a operação de um aeroporto e destruiu pelo menos um terço das terras agrícolas de Gaza desde 2000, quando evacuou assentamentos israelenses ilegais na área. Organizações de direitos humanos identificaram estas práticas como crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Desde que a extrema-direita consolidou seu poder nas eleições em novembro do ano passado, Israel passou a atacar e provocar ainda mais os palestinos. Justamente por isso, os líderes regionais alertaram sobre uma previsível escalada da violência por lá.
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No último sábado, 7, a operação “Tempestade al-Aqsa” cumpriu o previsto: a ala militante do Hamas lançou 5 mil foguetes na fronteira entre a faixa de Gaza e Israel, além de atacar o território vizinho também por terra e mar. O contra-ataque veio, com bombardeios em áreas civis densamente povoadas. Até agora, pelo menos 1,5 mil pessoas morreram, incluindo pelo menos 140 crianças palestinas.
Os Estados Unidos e a Europa classificam o Hamas como um grupo terrorista – assim, a narrativa dominante costuma dar voz apenas ao lado israelense da história. O instituto de pesquisa palestino ajuda a entender um pouco mais sobre como pensam os outros moradores que convivem com os conflitos. Veja abaixo alguns pontos.
1. Palestinos apoiam o conflito armado contra Israel
A última pesquisa mostrou forte apoio palestino à resistência armada contra Israel: 71% concordam com a formação de grupos armados. Outros 86% não acham que a Autoridade Palestina tem o direito de prender membros de grupos armados e 80% são contrários à ideia de que esses grupos se rendam e entreguem suas armas ao órgão.
A Autoridade Palestina, órgão criado pelos Acordos de Paz de Oslo, administra os setores de educação, segurança e saúde da Cisjordânia palestina, sem autonomia sobre as fronteiras e é liderada pelo partido Fatah, que é secularista. O Hamas, que é islamista e tem uma postura belicosa contra Israel, ganhou as eleições em 2006 e desde então governa a Gaza.
A Autoridade Palestina é vista pela população de forma negativa: 63% veem o órgão como um fardo, cuja existência interessa apenas aos interesses de Israel. A insatisfação com o órgão só tem aumentado desde o início do ano.
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2. A Palestina não confia em Israel, nem em órgãos internacionais
No final de fevereiro, israelenses e a Autoridade Palestina se reuniram na cidade de Aqaba, na Jordânia, para tentar restabelecer a paz na região. Em suas redes sociais, o atual presidente Mahmud Abbas, do partido Fatah, disse, à época, que “a decisão de participar na reunião de Aqaba, apesar da dor e dos massacres sofridos pelo povo palestino, vem de uma vontade de acabar com o derramamento de sangue”.
Porém, o Hamas e todos os outros partidos políticos boicotaram a conferência. Israel está “aproveitando essas cúpulas e reuniões de segurança para lançar mais agressões contra nosso povo”, disseram dois partidos em uma declaração conjunta. O público palestino compartilha essa visão crítica. Em março, 73% disseram ser contra o encontro e outros 84% duvidavam que Israel cumpriria qualquer acordo fechado com a Palestina.
“Uma larga maioria, de 70%, pensa que as contra-medidas israelenses, que almejam punir os membros dos ataques armados e seus familiares, com a destruição ou expulsão de suas casas, ou imposição de pena de morte, apenas levará ao aumento na intensidade de tais ataques”, diz o relatório.
Naquele momento, 69% dos entrevistados não acreditavam que organizações internacionais seriam capazes de impedir as violações de Israel às leis internacionais. Três meses depois, apesar do pessimismo, 56% apoiavam a entrada de órgãos estrangeiros para mediar a situação. Até agosto deste ano, as forças de segurança de Israel assassinaram 34 crianças palestinas nos territórios ocupados da Cisjordânia, o maior número em 15 anos.
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3. Palestinos querem como presidente um membro do Hamas – mas preferem líder preso em Israel
Os posicionamentos e falas de Abbas, presidente da Autoridade Palestina desde 2005 e que tem 87 anos de idade, desagradam a maioria dos palestinos. Enquanto Abbas apoia a solução de dois estados, na qual a Palestina histórica seria dividida em dois Estados que viveriam lado a lado, um predominantemente judeu e o outro predominantemente não-judeu, apenas 28% da população concorda com ele. O restante dos palestinos defende a criação de apenas um estado.
Não à toa, quase todos – 80% – querem a renúncia do mandatário. No entanto, depois que o partido Fatah, de Abbas, perdeu dramaticamente para o Hamas nas eleições parlamentares de 2006, Abbas monocraticamente fez alterações no sistema eleitoral palestino para enfraquecer o Hamas e bloqueou futuras eleições.
O público prefere colocar no poder Ismail Haniyeh, um dos líderes do Hamas, que receberia o voto de 56% da população se disputasse as eleições contra Abbas. Haniyeh perderia só para um nome: Marwan Barghouti, preso em 2002 por Israel e condenado a cinco sentenças de prisão perpétua. Barghouti era um dos principais líderes da primeira revolta palestina (chamada de intifada), em 1987, e a segunda, em 2000, quando comandava o braço armado da Fatah.
Já preso, ele saiu do Fatah, citando sua oposição à corrupção do partido, mas retornou ao partido em uma ala dissidente.
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4. Para os palestinos, em 25 anos Israel não existirá mais
Apesar dos intensos ataques sofridos ao longo das décadas, os palestinos não deixam de acreditar numa resolução positiva dos conflitos. A maioria deles (66%) aposta que Israel não irá comemorar os 100 anos de existência, daqui a 25 anos.
Em 1947, após o horror do Holocausto, a Assembleia das Nações Unidas decidiu criar dois territórios: um árabe e outro judaico. Apenas os judeus toparam o acordo e declararam Israel um estado independente em 14 de maio de 1948. No dia seguinte, suas forças paramilitares iniciaram uma campanha terrorista de limpeza étnica contra os palestinos.
A data é chamada de Nakba pelos palestinos (ou “a catástrofe”, em português). Pelo menos 750 mil palestinos, entre muçulmanos e cristãos, foram forçados a fugir de suas casas enquanto forças determinadas a estabelecer um “Estado Judeu” ocupavam 78 por cento da região onde muitos grupos étnicos, de várias religiões, coabitaram durante milhares de anos.
Cerca de 530 cidades e aldeias palestinas foram atacadas e pelo menos 15 mil palestinos foram mortos na Nakba. Nas ações militares e paramilitares subsequentes, Israel ocupou cada vez mais terras, construindo colônias militarizadas populadas com fanáticos religiosos nascidos em várias partes do mundo e que não têm intenção de desistir de um centímetro dessas terras, pois vêem a sua ocupação da terra como uma profecia bíblica.
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