Na noite de 11 de setembro de 2001, eu sentei na varanda do meu prédio em Greenwich Village com meus vizinhos e bebi alguns coolers de vinho com um sabor horrível. Eu havia comprado a bebida em uma loja próxima, que já havia começado a lucrar loucamente e cobrava três vezes o preço normal. Estávamos três quilômetros ao norte de onde ficava o World Trade Center. A vizinhança tinha um cheiro pungente de fumaça, o que era preferível ao fedor de corpos queimados e em deterioração que subia no final daquela semana.
Agora, de acordo com uma infinidade de opiniões, com os cruéis ataques recentes do Hamas, Israel viveu o seu próprio 11 de setembro. “Este é o nosso 11 de setembro”, disse o embaixador israelense nas Nações Unidas. “Este é o nosso 11 de setembro”, disse o porta-voz dos militares israelenses. “Isso é provavelmente o equivalente para Israel ao que aconteceu nos Estados Unidos em 11 de setembro”, disse o governador da Flórida, Ron DeSantis. “Israel enfrenta o 11 de setembro”, disse a página de opinião do Wall Street Journal. Se você quiser ver mais 37 mil exemplos, fique à vontade.
O argumento central de todas essas comparações é óbvio. O ex-deputado Joe Walsh expressou isso nessa postagem:
Em outras palavras, Israel, tal como os Estados Unidos, andava inocentemente pelo mundo quando, DE REPENTE, DO NADA, foi inexplicavelmente atacado por bárbaros desumanos. Portanto, Israel, tal como os Estados Unidos, tem o direito de fazer qualquer coisa em resposta. Uma estimativa recente concluiu que a guerra contra o terrorismo dos Estados Unidos causou direta e indiretamente mais de 4,5 milhões de mortes.
Não concordo com a conclusão de Walsh. Mas certamente todos aqui partem da premissa correta – que este é o 11 de Setembro de Israel –, mesmo que não entendam o porquê.
Em primeiro lugar, algo como o ataque do Hamas a Israel, assim como o 11 de setembro, era algo fadado a acontecer. Israel e os Estados Unidos operam constantemente com o uso de ultraviolência em menor escala (Israel) e em grande escala (Estados Unidos). Qualquer pessoa em qualquer país que acreditava que a reação nunca chegaria estava vivendo em um mundo de fantasia.
Da mesma forma, as instituições, tanto de Israel como dos Estados Unidos, estavam bem cientes de que as suas políticas conduziriam inevitavelmente à morte dos seus próprios cidadãos. Richard Shultz, um intelectual de longa data ligado à segurança nacional, escreveu em 2004 que “um oficial de alta graduação [das Forças de Operações Especiais] que serviu no Estado-Maior Conjunto na década de 1990 me disse que mais de uma vez ouviu ataques terroristas caracterizados como ‘um pequeno preço a se pagar por ser uma superpotência.’” Eran Etzion, ex-membro do Conselho Nacional de Segurança de Israel, acabou de explicar que, da perspectiva do governo, “o preço relativamente pequeno que Israel pagou de vez em quando” pela sua política em relação a Gaza foi a morte de dúzias de israelenses.
O que surpreendeu tanto os Estados Unidos como Israel foi que alguém conseguiu brevemente causar danos numa escala que apenas esses países estão habituados a causar. Israel matou mais de 10 mil palestinos de 2000 até o mês passado. Só deus sabe quantas centenas de milhares de pessoas os Estados Unidos mataram no Oriente Médio antes do 11 de Setembro.
Naquela altura, assim como agora, qualquer pessoa capaz de apontar essas obviedades era acusada de “apoiar” ou “justificar” a reação violenta. Isso é frustrante e sugere que é impossível para os seres humanos serem racionais sobre este assunto. Se você disser a alguém que jogar gás em uma pilha de jornal picado e depois jogar um fósforo sobre ela provavelmente fará o jornal pegar fogo, você não está “apoiando o fogo” ou “justificando o fogo”. Pelo contrário, você está tentando reduzir a quantidade de fogo no mundo, descrevendo a realidade.
Outra semelhança é que tanto Israel quanto os Estados Unidos geraram seus próprios inimigos. É notório que os Estados Unidos alimentaram a oposição islâmica fundamentalista à União Soviética no Afeganistão durante a década de 1980. Zbigniew Brzezinski, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, disse numa entrevista em 1998 que essa tinha sido “uma excelente ideia” e que não se arrependia dos “muçulmanos mobilizados”.
Israel fez essencialmente a mesma coisa em menor escala nos territórios ocupados, encorajando o crescimento do Hamas para prejudicar a secular organização Fatah. “O Hamas, para meu grande pesar, é uma criação de Israel”, segundo um dos israelenses que trabalhou neste engenhoso projeto.
Tal como aconteceu com o 11 de setembro, os ataques a Israel só poderiam ter tido sucesso na escala que tiveram devido à monstruosa incompetência de seus líderes mais importantes.
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“Bin Laden está determinado a atacar nos Estados Unidos”, disse a CIA a George W. Bush em agosto de 2001. Bush ignorou. Na verdade, o vice-presidente Dick Cheney rejeitou os muitos avisos da área de inteligência, porque acreditava que a Al Qaeda estava apenas fingindo e tentando fazer com que os Estados Unidos gastassem recursos para evitar algo que nunca aconteceria.
Da mesma forma, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aparentemente foi avisado pelo Egito de que algo ruim estava para acontecer, mas ignorou o alerta. É inevitável que conheçamos em breve detalhes chocantes sobre a indiferença de Netanyahu em relação ao que estava se desenhando no horizonte.
Tudo isso está de acordo com a irrelevância que a vida dos cidadãos tem para líderes como Netanyahu e Bush. Eles rangem os dentes e fazem uma cena para mostrar como estão furiosos com os ataques de estrangeiros, mas, em seus corações, eles não se importam conosco. Imediatamente após o 11 de setembro, a administração Bush mentiu aos nova-iorquinos, dizendo que o ar da cidade era perfeitamente seguro para ser respirado.
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Por fim, a vingança que Israel vai executar agora será hedionda, tal como foi a dos Estados Unidos. Não há nada no mundo similar à fúria dos poderosos quando acreditam terem sido desafiados por seres inferiores.
Isso é algo sobre o que meus vizinhos e eu concordamos enquanto bebíamos aquelas bebidas horríveis no 11 de setembro. Estávamos profundamente assustados com o que havia acontecido naquela manhã. Para quem não estava em Nova Iorque nessa época, deixe-me dizer: a Al Qaeda realmente devolveu o sentido de “terror” ao terrorismo. Mas o que mais nos assustava era o que o nosso próprio governo estava prestes a fazer a seguir. Desde aquele momento, o meu sonho tem sido que algum dia as pessoas normais do mundo – todos nós, de todos os “lados” – formem uma aliança contra os nossos grotescos líderes.
Assista ao documentário que Israel não quer que você veja
Este texto foi originalmente publicado em inglês, em 9 de outubro de 2023.
Tradução: Antenor Savoldi
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