Um artigo escrito por Andrew Fishman do Intercept apontou 11 distorções comuns na mídia corporativa — especialmente a americana e a brasileira — sobre os últimos episódios envolvendo Israel e a Palestina, todas feitas sob um viés pró-Israel e anti-Palestina. Nos últimos dias, os principais veículos brasileiros de jornalismo deram um show de ‘chapabranquismo’ em relação ao governo isralense. As 11 distorções têm sido gabaritadas com excelência por aqui. Quase tudo o que se publica parece ter saído da assessoria de comunicação do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Os convidados para comentar nos programas de TV — analistas, brasileiros residentes em Israel, pesquisadores — são, na sua grossa maioria, alinhados às posições do governo de extrema direita israelense.
O horror imposto pelo Hamas aos civis israelenses é tratado como um episódio ocorrido no vácuo. Pouco ou nada se fala sobre o terror diário que os palestinos vivem dentro do apartheid imposto pelo governo de Israel. As cenas de terror vistas nos últimos dias contra civis israelenses são injustificáveis e, com isso, todos concordamos. Por outro lado, nos jornais brasileiro sempre encontra-se com facilidade justificativas para o contra-ataque israelense na Faixa de Gaza. O revide terrorista contra civis palestinos é tratado como algo justo e moral nos jornais brasileiros. O regime de apartheid vivido há anos pelo povo palestino é um dado quase que irrevelante no noticiário.
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A impressão que se tem ao acompanhar a cobertura dos jornais da Globo é que os palestinos são selvagens, antidemocráticos e potenciais terroristas. Já os israelenses são os democratas do Oriente Médio que agem em legítima defesa. O maniqueísmo, sempre sob o viés israelense, é o que prevalece na telinha da Globo. Neste aspecto, a GloboNews é o canal que mais se destaca. É possível ver um comentarista ou outro tentando contextualizar os fatos e fugir da lógica do bem contra o mal, mas é raridade. O padrão são notícias dadas sob a ótica do governo isralense sendo comentadas por analistas que ignoram a existência do regime de apartheid imposto há anos pelo governo israelense.
No esgoto das fake news, na qual nada a extrema direita brasileira, o governo brasileiro é uma das principais vítimas. Circula com força nas redes sociais as seguintes notícias: “Hamas é o grupo terrorista ao qual Lula doou R$ 25 milhões” e “Dinheiro dos brasileiros sendo utilizado para financiar o terrorismo”. A imprensa corporativa não ajuda a esclarecer essas mentiras, pelo contrário, contribui para reforçá-las. Apesar de ter repudiado os ataques terroristas que vitimaram civis israelense, o governo brasileiro foi criticado por supostamente ter poupado o Hamas ao omitir o seu nome no comunicado oficial divulgado pelo Itamaraty.
Na GloboNews, a jornalista Mônica Waldvogel se sentiu à vontade para afirmar que “parte do PT tem ligação com o Hamas”. Nunca houve qualquer ligação oficial do partido com o Hamas. Há uma confusão deliberada entre o apoio que parlamentares do partido deram à causa palestina no passado com um endosso aos recentes atos terroristas. Isso se repetiu em outros veículos. Em 2021, vinte parlamentares petistas assinaram um manifesto condenando a classificação do Hamas como organização terrorista. Sabe quem também não o classifica como organização terrorista? A ONU, a Noruega, a Suíça, o governo brasileiro atual e até mesmo sob o comando de Jair Bolsonaro. Seguir as classificações determinadas pela ONU é uma tradição histórica do Itamaraty, e não uma invenção do Lula e do PT.
A impressão que se tem ao acompanhar a cobertura dos jornais da Globo é que os palestinos são selvagens, antidemocráticos e potenciais terroristas. Já os israelenses são os democratas do Oriente Médio que agem em legítima defesa.
O assunto é bastante complexo, mas a superficialidade com que é tratado pela imprensa pró-Israel ajuda a embalar as narrativas mentirosas da extrema direita brasileira. Não se cobra dos bolsonaristas, por exemplo, que classifiquem as ações violentas do governo isralense contra palestisnos como terrorismo de estado. Apenas os petistas e o governo Lula são os que devem ajoelhar no milho e dar explicações para a imprensa alinhada às narrativas oficiais do governo israelense.
Há quase 3 mil brasileiros morando em Israel, mas curiosamente a imprensa brasileira só ouve aqueles que ignoram o regime de apartheid vivido pelos palestinos e tratam o governo israelense como a única vítima. O pastor bolsonarista Felippe Valadão, que organiza uma excursão da igreja Lagoinha em Israel, passou bons minutos na GloboNews dando seu testemunho. A família desse líder fundamentalista é famosa no Brasil por atacar sistematicamente gays e religiões afro-brasileiras e endossar o golpismo dos bolsonaristas. Esse homem é considerado pela Globo um interlocutor válido para relatar sua experiência em Israel.
O jornalista Jorge Pontual, correspondente da Globo News em Nova York, foi outro que se sentiu à vontade para contar outra fake news que fez a cabeça do bolsonarismo. Segundo ele, o Hamas teria decapitado 40 bebês israelenses na fronteira com a Faixa de Gaza. A informação foi divulgada por uma TV de Israel, mas já havia sido negada pelo próprio exército isralense. Mesmo assim, Pontual a divulgou ao vivo para todo o Brasil e ainda fez comparações com o Holocausto. Esse requinte de crueldade fabricado pela mídia corporativa internacional tem como único objetivo justificar a violência do revide israelense contra Gaza. No Brasil, a mentira contribui para atiçar o ódio bolsonarista.
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No geral, a imprensa brasileira consegue ser mais hegemonicamente pró-Israel do que a própria israelense. Em editorial, o jornal Haaretz responsabilizou o primeiro-ministro israelense pelo último ataque terrorista do Hamas. “O desastre que se abateu sobre Israel no feriado de Simchat Torá é de clara responsabilidade de uma pessoa: Benjamin Netanyahu”, afirma o editorial. O jornal responsabiliza Netanyahu por não conseguir “identificar os perigos para os quais estava conscientemente conduzindo Israel ao estabelecer um governo de anexação e desapropriação” e por “adotar uma política externa que ignora abertamente a existência e os direitos dos palestinos.”
É inimaginável ver esse tipo de afirmação em um editorial de qualquer jornalão brasileiro. Aqui, qualquer crítica ao governo de Israel neste momento é encarada como um endosso automático à violência do Hamas. Já o apatheid em Gaza é encarado como inexistente ou, no máximo, como irrelevante. Tudo isso é feito, claro, sob o falso manto do isentismo jornalístico.
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