“A REAÇÃO DE ISRAEL ao ataque do Hamas é adequada?” Essa é a pergunta que fui convidado pela Folha a responder em sua edição de sábado. Mas depois que minha coluna de opinião foi editada e aprovada e, presumivelmente, encaminhada para a última revisão da chefia, fui informado de que havia ocorrido um “erro” e que a pergunta, na verdade, era: “A reação de Israel ao ataque terrorista do Hamas é adequada?” Tudo bem? Não.
O editor interino da seção, Luiz Antonio De Tedesco, entrou em contato para avisar que o erro foi inteiramente dele, do que discordo. Ele nem criou ou aprovou a pergunta — o problema é sistêmico e institucional.
Sou grato a ele por me convidar para apresentar meu ponto de vista ao seu público. Mas, ao mesmo tempo, a Folha demonstrou diante dos meus olhos três das “11 distorções sobre Gaza e Hamas que a mídia vai te contar hoje” sobre as quais escrevi no Intercept em 8 de outubro. Para começar, a questão original já era muito enviesada.
Primeiro, Israel é sempre retratado como se estivesse apenas “reagindo” ao Hamas, e não vice-versa, apesar de anos de crimes implacáveis de Israel e declarações abertas de intenção dos líderes governamentais de anexar toda a Palestina.
A simples ideia de que discutiríamos se é “adequado” fazer mais de 2 milhões de pessoas passarem fome e sede, forçar 1 milhão de civis a deixar suas casas e bombardear 1.500 crianças até a morte é absolutamente revoltante. Ainda mais quando se lembra que metade da população é composta por crianças. Essa pergunta seria impensável se as vítimas fossem europeus brancos — provavelmente o suficiente para que alguém fosse demitido. Mas essa pergunta ainda não era suficientemente subserviente aos interesses de Israel e à desumanização dos palestinos.
Então, os chefes decidiram que precisavam colocar ainda mais o dedo na balança e acrescentar a palavra “terrorista” para adjetivar as ações do Hamas, mas não as de Israel. Nunca as de Israel. Mesmo quando eles já mataram 100 crianças palestinas para cada criança Israelense morta pelo Hamas.
Por isso, o atual ataque de Israel a Gaza não é “adequado”. É, como diz o israelense Raz Segal, especialista no tema,”um caso exemplar de genocídio”. Mais de 800 acadêmicos de Direito concordam.
O objetivo desses debates não é permitir que os dois lados se enfrentem numa guerra de fatos e adjetivos? Aparentemente, não. A Folha ainda deixou no outro lado os lobistas de Israel publicarem um monte de mentiras e distorções, claramente sem nenhuma checagem ou verificação pelo jornal, para justificar um genocídio.
Assista ao documentário que Israel não quer que você veja
Esqueça o Sergio Moro, há um novo juiz parcial na área e seu nome é Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha.
Há anos é um segredo aberto entre os jornalistas que, sob a rígida liderança do Dávila, Israel recebe tratamento preferencial e atenção especial do andar de cima. Por que 1.500 crianças mortas ou avisos da ONU sobre uma iminente “limpeza étnica em massa” mudariam isso?
Esse é um exemplo entre milhares nos últimos dias, infelizmente, que explica por que, no Intercept, publicamos um abaixo-assinado pedindo que a grande mídia “pare de desumanizar civis palestinos”. E é por isso que 21 mil brasileiros já o assinaram.
O jornalismo, como diz o velho ditado, deve afligir os confortáveis e confortar os aflitos. Parece que Dávila e seu chefe Luiz Frias não receberam o recado.
Esse texto foi atualizado para incluir o comentário do editor interino da seção Tendências/Debates da Folha.
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