João Filho

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Carla Zambelli é uma artista da fake news – mente tanto que até os bolsonaristas querem distância

No mais recente episódio das mentiras de Carla Zambelli, ela disse que queria o endereço de Alexandre de Moraes para entregar uma cartinha escrita por sua mãe.

Deputada Carla Zambelli, durante a leitura do relatório final da CPMI 8 de Janeiro, em Brasília.

Como se já não bastasse a pororoca de provas do golpismo da deputada Carla Zambelli, do PL, agora chegou a cereja do bolo da sua provável condenação. As acusações que o hacker Walter Delgatti fez contra a parlamentar vem sendo comprovadas uma a uma. Condenado a 20 anos de cadeia, o hacker divulgou duas mensagens de voz enviadas pela deputada que comprovam que ele foi contratado para fazer serviços sujos. 

Era novembro de 2022. Lula tinha acabado de ser eleito. As ameaças golpistas e os ataques ao STF por parte dos bolsonaristas se avolumavam. Foi quando Zambelli acionou seu funcionário clandestino para descobrir o endereço do ministro Alexandre de Moraes: “Ô Walter, não aparece nenhum endereço de Brasília, né? Precisava do endereço daqui de Brasília”. Assim que os áudios foram divulgados, o advogado da deputada enviou uma  nota em que chama o hacker de “meliante contumaz” e afirma que os “áudios são inidôneos e ilícitos”, além de  alegar que a deputada desconhece o contexto da conversa. 

Mas, no dia seguinte, Zambelli lembrou do contexto. Ou melhor, a mamãe lembrou: “Minha mãe tinha escrito uma carta para o ministro Alexandre de Moraes e queria entregar essa carta. Eu disse para não mandarmos para o STF para evitar pegar mal. E ela disse que o certo era enviar para a casa dele”, contou Zambelli.  “Acabamos não mandando essa carta. Ela que me lembrou, eu não lembrava disso. Esse foi o motivo [do pedido a Delgatti]”, completou. O objetivo da mamãe, segundo a deputada, seria o de “sensibilizar” o ministro quanto às decisões em processos contra a sua filhinha no STF. 

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A nova versão de Zambelli sobre o episódio virou motivo de deboche entre os ministros do STF, que a consideraram “inverossímil”e “ridícula”. Mas a coisa ultrapassou os limites do ridículo quando foram lembrados os xingamentos que a mãe de Zambelli fazia ao ministro na mesma época em que supostamente queria enviar uma cartinha para sensibilizá-lo. “Seu merda”, “banana”, “cabeça de pica” e “vendido idiota” foram alguns dos afagos públicos feitos a Alexandre de Morais no Facebook pela doce senhora que pariu Carla Zambelli. A publicação foi repostada pela filha, que comentou: “Essa é a minha mãe…#Orgulho”. 

Mas essa mentira não deveria surpreender ninguém. É só mais uma gota no oceano. A mentira está na essência de todo político bolsonarista — e aqui faço a generalização com tranquilidade. Quem apoiou Bolsonaro depois das mamadeiras de piroca criadas pela fábrica de fake news do bolsonarismo durante a campanha está irremediavelmente comprometido com a mentira. Mas Zambelli vai além do padrão bolsominion. Ela já mentiu tanto nos últimos anos, e de forma tão descarada, que chocou até mesmo a ex-amiga e atual desafeta Joice Hasselmann, conhecida por ter sido uma das principais disseminadoras de fake news bolsonaristas. “Você mente, Carla Zambelli (…) São mentiras dignas de uma psicopata”, disparou Hasselmann durante uma sessão da CPI das Fake News. Ou seja, Zambelli é mentirosa demais até para os padrões da Joice. Um espanto!

O currículo de Zambelli no ramo das fake news é vasto e vem desde antes do início da sua carreira como política. Em 2015, quando ainda era apenas uma militante de extrema direita influente nas redes sociais, a bolsonarista gravou um vídeo em frente à uma loja da rede Havan que se tornaria icônico. A então militante afirmou categoricamente que a empresa de Luciano Hang era de propriedade da filha da Dilma, Paula Rousseff e que o nome “Havan” seria uma homenagem à Cuba. 

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Mas nem toda mentirinha de Zambelli traz essa dose de humor embutida. Durante a pandemia, já como deputada, o vício em mentir de Zambelli deixaria de ser engraçado e flertaria com crimes de atentado contra a saúde pública. Logo no início da pandemia, quando a doença já havia matado 6 mil pessoas, o bolsonarismo se empenhou na tese da “gripezinha”, acusando a imprensa e os governos estaduais de exagerarem em relação à gravidade da doença com a intenção de prejudicar Bolsonaro. 

Foi então que a deputada resolveu dar asas à imaginação: “No Ceará, tem caixão sendo enterrado vazio, tem uma foto de uma moça carregando caixão com os dedinhos”.  Zambelli também divulgou informações falsas sobre as vacinas contra Covid-19 nas redes sociais. A deputada compartilhou uma montagem no Facebook em que destaca três títulos de reportagens que, lidos em sequência, davam a entender que um jogador de futebol canadense desenvolveu miocardite por causa da vacina. Na legenda, ela induz o leitor com o comentário: “Notícias que falam por si só! Tirem suas conclusões!”. Era tudo mentira, claro. Zambelli também divulgou um vídeo em que um picareta aparece dizendo que crianças estariam morrendo por causa da vacina. Essas são apenas algumas das mentiras que ela contou durante a pandemia. Há pelo menos mais uma dezena.

Se o Conselho de Ética atuasse com seriedade, Zambelli não completaria 6 meses do seu mandato.

Zambelli mentiu até mesmo em depoimento para a Polícia Federal ao dizer que não atuou em nome de Jair Bolsonaro ao negociar com Sergio Moro sua permanência no Ministério da Justiça. Dias depois, conversas de Whatsapp vazadas entre a deputada e o ex-ministro revelaram justamente o contrário. Nas mensagens, Zambelli usou expressões como “a pedido do Planalto” e o “presidente da República propôs o seguinte” para tentar convencer Moro a ficar no governo e aceitar o nome imposto por Bolsonaro para chefiar a Polícia Federal. 

Mentir para a polícia é uma prática normalizada por Zambelli. Depois de perseguir um homem na rua com um revólver na mão na véspera das últimas eleições presidenciais, a deputada inventou em depoimento que teria sido agredida antes. Vídeos e relatos de testemunhas comprovaram que se tratava de mais uma mentira.

Ela também foi linha de frente na transmissão de fake news durante o levante golpista do bolsonarismo. Foram muitas as mentiras contadas nessa seara. Em uma delas, foi multada pelo TSE por divulgar vídeo falso em que os resultados das urnas são manipulados. 

Como se vê, essa cidadã não tem a menor condição de ocupar o cargo de deputada federal. Se o Conselho de Ética atuasse com seriedade, Zambelli não completaria 6 meses do seu mandato. Mas o STF, a CPMI do 8 de janeiro e a Polícia Federal estão cumprindo seu papel. Zambelli é investigada por ataques ao sistema eleitoral, por tentativa de invasão ao celular de Alexandre de Moraes, por suspeita de inserção de dados falsos no sistema do CNJ e já virou ré por porte ilegal de arma. É também a única parlamentar que virou alvo de um pedido de indiciamento no relatório final da CPMI do 8 de janeiro. A deputada está cercada por todos os lados e há grandes chances de perder o mandato, ficar inelegível e ir para a cadeia. Só na ação que trata da perseguição armada, Zambelli pode pegar 6 anos de cana se for considerada culpada. Hoje, a deputada é considerada peso morto na política e conseguiu a proeza de ser rejeitada até mesmo pelo grupo político que ajudou a elegê-la. Bolsonaro a responsabiliza pela derrota na eleição e por “todo mal na sua vida”.

Este texto deu uma pequena pincelada na produção dessa grande artista das fake news. É tanta mentira que não cabe em uma coluna. Zambelli é merecedora de uma enciclopédia para registrar a sua vasta obra de realismo fantástico. 

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