Ex-integrante das Forças Especiais do Exército, o coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida atuou como lobista para fechar o contrato entre a empresa israelense Cognyte e a Agência Brasileira de Investigação, a Abin. Na última quinta-feira, 20, a Polícia Federal deflagrou a operação Última Milha, que teve como alvo principal a espionagem ilegal de celulares de autoridades.
De acordo com a investigação, servidores da Abin utilizaram um software chamado First Mile, desenvolvido pela Cognyte, para monitorar ministros do Supremo Tribunal Federal e outras pessoas vistas como adversárias de Jair Bolsonaro. O jornalista Glenn Greenwald, que atuou na premiada série de reportagens da Vaza Jato pelo Intercept, e seu marido, o deputado federal David Miranda, do PDT, morto em maio deste ano, estão entre as pessoas que foram espionadas ilegalmente pela Abin na gestão do ex-presidente.
Depois que entrou para a reserva do Exército, em 2000, o coronel Hélcio Bruno passou a atuar na área de inteligência e segurança. Em 2011, abriu a sua própria empresa de consultoria, a HBA, que prestou serviços tanto para o Exército, no projeto Brigada Braço Forte, como para empresas privadas, a exemplo da OAS Defesa.
Em 2016, o coronel Hélcio Bruno passou a conciliar os negócios da sua empresa com a atuação como consultor da Suntech – uma empresa de Santa Catarina que era representante oficial, e depois passou a ser subsidiária, da Verint System no Brasil, uma organização norte-americana fundada em Nova Iorque e especializada em venda de produtos de inteligência e tecnologia. A Suntech também foi alvo da operação Última Milha da PF.
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Em 2021, a Verint criou a divisão da Cognyte. De acordo com sites internacionais especializados na área de defesa, a Cognyte foi criada para atuar no setor público e, assim, separar a estrutura de relacionamento com o setor privado. Isso explica as menções e os contratos em nome das três empresas – Verint, Cognyte e Suntech – nas pesquisas realizadas no Diário Oficial da União.
Coronel Hélcio Bruno tinha acesso a Jair Bolsonaro
É possível ver, checando a agenda de figuras do alto escalão do governo Bolsonaro, que o coronel Hélcio Bruno conseguia transitar de forma frequente nas esferas de poder. A primeira agenda registrada foi bem no início do mandato, em 1 de fevereiro de 2019, em encontro com o general Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo.
Em 8 de maio de 2020, houve um novo encontro, desta vez com a participação do próprio presidente Jair Bolsonaro. O então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, também participou da conversa.
Essa agenda foi do Grupo AGIR, que tem como coordenador o coronel Aristomendes Rosa Barroso Magno. Eles foram apoiar uma ação mais dura do presidente contra o STF, que à época havia barrado a indicação de Alexandre Ramagem para a Direção Geral da Polícia Federal. Ramagem já era Diretor Geral da Abin, desde julho de 2018.
Ainda em 4 de maço 2020, o coronel Hélcio Bruno participou de um outro evento com o presidente Bolsonaro, desta vez para promover o Projeto de Lei do major Vítor Hugo, à época no PSL, contra o terrorismo.
Na ocasião, também estavam presentes o então ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e o general Guilherme Theophilo, que ocupava a secretaria Nacional de Segurança Pública – o general teve o nome citado no relatório final da CPMI do 8 de janeiro, por um discurso feito na véspera do segundo turno da eleição de 2022, no qual explicava a estratégia feita para dificultar o voto em bairros de Fortaleza nos quais Lula foi mais votado no primeiro turno.
Já em 2021, Hélcio Bruno teve duas agendas no Ministério da Economia. Em 4 de março, se reuniu com o Diretor de Governança de Dados e Informações, Mauro Cézar Sobrinho. A pauta foi segurança cibernética. Em junho daquele ano, teve nova agenda com Mauro Cézar, mas dessa vez a pauta foi a apresentação do relatório da Cognyte.
Nesse encontro também estava Caio Cezar Santos Cruz, filho do general Santos Cruz e diretor executivo da Cognyte, que está sendo investigado pela Polícia Federal pelo uso do First Mile para monitorar adversários de Bolsonaro.
Coronel Hélcio Bruno foi investigado pela CPI da Covid
Hélcio Bruno não é exatamente um nome novo no noticiário político do país. Ele foi investigado e depôs na CPI da Covid, que apurou se houve pedido de propina para a empresa Davati Medical Supply em uma negociação para adquirir vacinas da AstraZeneca durante a pandemia. O relatório final pediu o indiciamento do coronel.
O coronel foi contemporâneo de Jair Bolsonaro da Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman. Os dois serviram na Brigada de Infantaria Paraquedista entre 1982 e 1987 – no mesmo período serviram o general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa no governo Bolsonaro, o general Ramos, que ocupou os cargos de ministro da Casa Civil e da Secretria Geral no governo Bolsonaro, além do general Lourena Cid.
O coronel Hélcio Bruno foi da mesma turma do general Braga Netto, candidato a vice na chapa do ex-presidente, derrotada em 2022.
O Intercept mostrou, em levantamento inédito, que o governo Bolsonaro empregou 79 ex-colegas da Academia das Agulhas Negras durante seu governo, em cargos de comando e com supersalários. São alunos da mesma turma, graduados no mesmo ano ou contemporâneos em alguns dos quatro anos de curso – todos foram empregados ou promovidos entre 2019 a 2022, os anos em que Bolsonaro governou o país.
Contratos milionários da Cognyte com o Exército
Os primeiros contratos da Cognyte/Verint encontrados nas buscas feitas no Diário Oficial da União remetem há mais de dez anos e foram inicialmente celebrados com o Exército brasileiro. Entre 2012 e 2015, foram sete contratos entre os dois – o maior no valor de US$ 1.160.296,00, o que equivale a R$ 5,8 milhões em valores atuais. Entre 2016 até 2022, a Cognyte/Verint fechou mais 14 contratos com os militares.
Os contratos entre 2012 e 2014, tiveram como responsável o general Antonino dos Santos Guerra Neto, que naquele período comandava o Centro de Comunicação e Guerra Eletrônica do Exército. Ele é da mesma turma de Aman do general Ramos. Atualmente Antonino é Diretor Setorial de Administração do Detran do estado de São Paulo.
Em 2016, o general Villas Boas teve agenda com Paulo Roberto Bonucci Ribeiro, então presidente da Verint no Brasil, Nesse encontro, o general Luiz Peret também estava presente – ele é da mesma turma de Aman de Villas Boas, além de fundador e conselheiro do Instituto Villas Boas. Peret possui a Peret Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda, da qual o coronel Hélcio Bruno é um dos sócios.
Dos 21 acordos encontrados no Diário Oficial da União entre o governo federal e a Verint/Cognyte, 17 são com as Forças Armadas – 14 só com o Exército. Em 2018 foi assinado um contrato no valor no valor de US$ 10.793.659,89, o que equivale a R$ 54 milhões em valores atuais.
A Anistia Internacional apontou que, pelo menos entre 2015 e 2017, foi possível identificar o uso de ferramentas da Verint por parte do governo do Sudão do Sul para monitoramento e perseguição de adversários políticos. Segundo reportagem de 2016, da Associated Press, a ONU e ativistas dos direitos humanos já denunciavam a utilização de ferramentas de vigilância da Verint, por parte do governo africano para localizar, prender e torturar dissidentes e jornalistas.
Exército brasileiro adquiriu outras ferramentas de espionagem
Dados do Portal Transparência apontam que as ferramentas adquiridas pelo Exército brasileiro teriam sido destinadas para ações de apoio ao Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, então comandada pelo general Braga Netto, em 2018.
As informações contidas no Portal da Transparência mostram que o pacote de softwares e dispositivos adquiridos pelo Exército vão muito além do First Mile e GI2. Foram adquiridos dispositivos como o Webint 7, que permite o monitoramento de perfis de redes sociais e usuários da internet, além de realizar coleta de dados em larga escala em tempo real, até mesmo na deep web.
Outra ferramenta adquirida foi o FaceDetect. O sistema pode consegue fazer o reconhecimento visual de uma pessoa de quase qualquer ângulo de imagem do rosto, mesmo que essa pessoa apareça menos de um segundo no vídeo usado.
O PI2 foi mais um produto do pacote da Verint comprado pelo Exército. Ele monitora e coleta dados de tráfego do sistema usado em celulares. Identifica também “padrões suspeitos de comunicação” com base em localização, reconhecimento de fala e correlação entre textos, além de interceptar ligações e mensagens de texto.
Outro lado
O Intercept tentou contato com o coronel Hélcio Bruno por meio dos telefones da HBA e BHJ, empresas das quais é sócio, e também pelo e-mail profissional cadastrado nelas. Em nenhuma das formas, conseguiu contactá-lo. Também tentamos falar com a Verint System e a Cognyte, por meio dos e-mails institucionais, mas igualmente não obtivemos resposta.
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