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Avô de tiktoker da capivara está entre os causadores da fumaça em Manaus

Elmar Cavalcante Tupinambá foi multado em mais de R$ 1,2 milhão. Veja levantamento inédito que revela os nomes dos desmatadores que transformaram a capital do Amazonas em um mar de fumaça.

Fumaça encobriu Manaus, capital do Amazonas, em outubro e voltou ainda mais densa no primeiro final de semana de novembro.

A destruição da floresta por agropecuaristas na região metropolitana de Manaus ao longo de décadas é uma das explicações para a fumaça que cobriu a cidade desde outubro, segundo o Ibama. Um levantamento realizado pelo Intercept com base em relatórios do órgão e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas revela agora os nomes de alguns dos desmatadores que contribuíram para o fumaceiro.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que, dos 506 focos de incêndio registrados em outubro no Amazonas, 258 foram em Autazes – cidade localizada a 112 quilômetros de Manaus e dona da maior bacia leiteira do Amazonas –, principalmente em áreas de desmatamento recente ou já consolidado. “Isso é indício de que as queimadas ocorreram em áreas de pecuária, pois o uso do fogo para renovação do pasto é uma prática comum”, me disse Joel Araújo, superintendente do Ibama no Amazonas. 

Segundo o relatório do Ibama de áreas desmatadas, Autazes perdeu ao menos 580 hectares de floresta desde 2005. São quase 540 campos de futebol. A vegetação deu espaço ao pasto que hoje alimenta um rebanho de 96 mil bois e búfalos. São cerca de 13 animais por quilômetro quadrado, um número 13 vezes maior que a média estadual. 

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Não por acaso, o município liderou o ranking nacional de focos de incêndio nos dias 9 e 10 de outubro. Também ficou por 12 dias consecutivos entre os 10 municípios do Amazonas que registraram mais queimadas no estado. Nesse período, a fumaça das queimadas que chegou a Manaus, vinda dos municípios vizinhos, a tornou a segunda pior cidade do mundo para respirar

Avô de tiktoker da capivara está entre desmatadores

Entre os desmatadores de Autazes, está Elmar Cavalcante Tupinambá, multado em fevereiro de 2022 pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas por destruir ou danificar mais de 240 hectares de floresta nativa às margens do Rio Paraná Madeirinha e do Lago Imbaúba. O valor das multas soma mais de R$ 1,2 milhão. Sozinho, ele foi responsável por 42% do desmatamento registrado no município nas duas últimas décadas, segundo os dados disponíveis nos sistemas de consulta pública do Ibama e do IPAAM.

Na última semana, a fumaça que tomou a capital amazonense em outubro voltou a penetrar o ar da cidade. O fumaceiro se tornou ainda mais denso durante o sábado. De acordo com o G1, o estado afirmou que o calor seguirá interferindo na qualidade do ar – já considerada péssima – nos próximos dias.

Tupinambá é avô de Agenor Tupinambá, o tiktoker da capivara que dividiu opiniões na internet após postar vídeos fazendo animais silvestres de pets e ser multado pelo Ibama. 

Outro desmatador de Autazes é Muni Lourenço Silva Júnior, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas, a Faea. Até 2022, também presidiu o conselho deliberativo do Sebrae no estado. Ele foi multado pelo Ibama em 2016 em mais de R$ 112 mil. Procurado pelo Intercept, Silva Júnior afirmou que “essa multa foi contestada e tramita administrativamente”.

Como presidente da Faea, Silva Júnior luta contra indígenas e unidades de conservação ambiental. Em 2010, defendeu em uma audiência pública que a demarcação de terras indígenas em Autazes traria prejuízos para os agropecuaristas, pois iria desapropriar 400 propriedades rurais. Seis anos depois, ele estava em Brasília para reivindicar que a então presidente Dilma Rousseff anulasse portarias e decretos que delimitavam novas terras indígenas e criavam unidades de conservação ambiental em ao menos sete municípios do Amazonas. A terra indígena Murutinga-Tracajá, em Autazes, era uma delas.

Já em 2019, Silva Júnior assinou um Termo de Ajuste e Conduta com o IPAAM para ter desconto de 90% em uma multa. Segundo o documento, ele teria que apresentar um plano de recuperação dos 8,5 hectares que havia degradado. Caso não cumprisse o acordo, pagaria uma multa de mais de R$ 2 mil por dia. Silva diz ter cumprido integralmente o TAC.

Por meio da assessoria de imprensa, questionei o IPAAM se, passados quatro anos, o agropecuarista tinha recuperado a área ou se tinha sido multado novamente, mas não obtive resposta. 

Multas por desmatamento somaram R$ 5,2 milhões em 10 anos

Tupinambá e Silva Júnior se somam a outras 10 pessoas multadas em mais de R$ 100 mil por desmatamento ilegal em Autazes nos últimos 10 anos. Ao todo, o Ibama e o IPAAM aplicaram mais de R$ 5,2 milhões em multas só no município. Os valores variam de R$ 1.800 a quase R$ 800 mil. Algumas pessoas, como é o caso de Tupinambá, acumulam mais de uma multa. 

Desmatadores multados em mais de R$ 100 mil por destruir floresta em Autazes

Elmar Cavalcante Tupinambá  R$1.225.435,00
Rosalina de França Martins  R$545.000,00
João de Deus Albuquerque Lima  R$465.000,00
Vagner Ferreira da Fonseca  R$455.000,00
Efrani Assunção de Souza  R$247.500,00
Diblaim de Souza Ramos  R$240.591,75
Osimar Cavalcante da Silva  R$187.500,00
Raimundo Nonato França Passos  R$182.000,00
Júnior Gonçalves Pinheiro  R$168.350.00
Alessandro Torres de Figueiredo  R$144.050,00
Muni Lourenço Silva Júnior  R$112.500,00
Willace Cavalcante Guedes Filho  R$108.777,00
 

Alguns relatórios do Ibama não informam qual o tamanho das áreas desmatadas, mas os altos valores dão um indício. Segundo um decreto presidencial de 2008, a multa por “destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação” é de R$ 5 mil por hectare. 

Os desmatadores que aparecem neste levantamento são apenas uma parte do problema. Segundo Joel Araújo, superintendente do Ibama no Amazonas, muitas pessoas praticam crimes ambientais sem serem descobertas. Isso se agravou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro – entre 2020 e 2022, nenhuma multa foi aplicada pelo Ibama em Autazes. “Existe uma gama gigantesca de atividade agropecuária de desmatamento, com uso do fogo, que não foi fiscalizada”, disse o superintendente.

A subnotificação de crimes ambientais é maior na região metropolitana de Manaus, porque a região não é o foco principal de atuação do Ibama. Ela fica sob responsabilidade maior dos órgãos estaduais, como o IPAAM. O órgão federal atua mais nos municípios do sul do Amazonas, como Boca do Acre e Apuí. 

É lá que estão os maiores índices de desmatamento no estado, mas Autazes também passou a desmatar bastante nos últimos anos, de acordo com Araújo. “Com isso, obviamente, haveria um aumento das queimadas em 2023”, disse. 

Autazes, que concentrou mais da metade dos focos de incêndio do estado em outubro, produziu 13 milhões de litros de leite em 2022, o que corresponde a 29% da produção do Amazonas. É a maior do estado. O município tem registradas 15 fábricas de laticínios, principalmente queijo. 

Em um vídeo publicado no Facebook, o presidente da Associação dos Pecuaristas e Produtores de Novo Céu e Autaz Mirim, Dalton de Lima Serudo Martins, criticou o superintendente do Ibama por dizer que os agropecuaristas eram os responsáveis pela fumaça em Manaus. Ele é proprietário da Fazenda Boa Vista e da Queijaria DS, que tem capacidade para produzir até 200 quilos de queijo por dia. “Os pecuaristas de Autazes não têm culpa desse fogo. Nosso bioma é isso mesmo, é mato, é capoeira, é floresta”, disse Martins, culpando o calor e a seca.

De fato, as mudanças climáticas e o período de maior seca no Amazonas contribuem para os incêndios naturais, que ocorrem sem que alguém toque fogo na área. Mas isso também é consequência do desmatamento provocado ao longo de décadas, e não aconteceria com tanta frequência se a floresta estivesse de pé. As queimadas encontram combustível na vegetação morta e ressecada de áreas degradadas.

Desde o fim de setembro, a procuradoria de Autazes está investigando os incêndios recorrentes no município, para descobrir se houve crimes ambientais e apurar quem são os responsáveis.

Procurado pelo Intercept, Martins afirmou que a fala do Ibama “nada mais é que eles tinham que jogar a batata quente pra alguém assumir a culpa, já que eles ficam jogando ela de um órgão para o outro”. Segundo ele, o que “mais revoltou” os pecuaristas foi que o posicionamento do Ibama teria sido emitido em apenas dois dias de análises que “ninguém viu eles fazerem”.

Ele acrescentou que “o desmatamento clandestino para algumas práticas realmente influencia” na fumaça, mas que a pecuária no Amazonas não é igual à do resto do país, porque para realizar qualquer atividade relacionada à agricultura ou pecuária lá, “você tem que ter uma licença ambiental que leva praticamente anos pra conseguir”. 

“Quando você obrigatoriamente tem que cumprir tais exigências, por causa da preservação da natureza, e mesmo assim é julgado e culpado pela destruição da mesma, é revoltante”, argumentou.

Também entramos em contato com Efrani Assunção de Souza e Raimundo Nonato França Passos, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem. 

Não localizamos os demais nomes citados neste texto, mas estamos abertos a recebermos suas versões por meio do e-mail [email protected]

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A fumaça, segundo o Ibama, tem relação com as queimadas realizadas nos municípios do entorno de Manaus.

Foto: Suamy Beydoun/AGIF/Folhapress

Usina elétrica e extração de potássio em terra indígena

A Cooperativa dos Produtores de Leite da Região do Autaz Mirim, a Cooplam, está entre as maiores fábricas de laticínios de Autazes. A unidade foi inaugurada em 2014 na comunidade Vila Novo Céu. Com capacidade para produzir até 50 mil litros de leite por dia, a cooperativa fica nos limites da terra indígena Murutinga-Tracajá – a mesma que o presidente da Faea, Silva Júnior, queria impedir que Dilma Rousseff delimitasse – e é presidida por Manuel do Rosário Maia dos Santos, dono de duas propriedades localizadas na região.

O presidente da Cooplam é irmão de André Maia dos Santos, um dos principais criadores de búfalos da região de Autazes. Segundo levantamento do De Olho nos Ruralistas, feito a partir do cruzamento de dados geoespaciais do Inpe e a base fundiária do Incra, os primeiros focos de incêndio em Autazes se concentraram em um grupo de fazendas situadas no entorno das terras indígenas Murutinga-Tracajá, Cuia, Iguapenu e Recreio-São Félix. 

A propriedade de André Maia, Fazenda AM-359, está localizada no corredor entre as duas primeiras terras indígenas, e concentrou boa parte das manchas de fogo registradas nos primeiros dias de setembro. O incêndio depois se alastrou para as terras indígenas vizinhas.

Em 2020, um inquérito civil foi aberto no Ministério Público Federal para apurar irregularidades na instalação de uma usina termelétrica nas proximidades da terra indígena.

Por meio da Funai, lideranças denunciaram que a Cooplam não tinha licenciamento ambiental e estava causando possíveis danos à terra indígena. Em julho de 2023, a 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas concedeu liminar ordenando a “suspensão imediata de quaisquer obras, trabalhos ou atividades em curso na Usina Termoelétrica da Cooplam”. Em caso de descumprimento, uma multa deve ser aplicada ao presidente da cooperativa. O processo segue em andamento. 

Os indígenas de Autazes têm outra ameaça: o projeto de extração de potássio na região. A empresa Potássio do Brasil quer explorar uma mina descoberta dentro da terra indígena Soares-Urucurituba, que aguarda há quase 20 anos o fim do processo de demarcação. É lá que vive o povo Mura, conhecido por lutar na Cabanagem, a maior revolta popular da região Norte.

O governador do Amazonas, Wilson Lima, e o prefeito de Autazes, Andreson Cavalcante, ambos do União Brasil, estão empenhados na defesa do projeto. O governo do estado chegou a divulgar uma nota oficial informando o apoio dos indígenas à mineração, e o conteúdo foi reproduzido pela empresa Potássio do Brasil em suas redes sociais. 

A informação, porém, está sendo questionada por seis lideranças indígenas. Em um documento enviado para o Ministério Público Federal, elas alegam não terem sido consultadas sobre o apoio e são taxativas em negá-lo.

O empreendimento não tem licenciamento ambiental e está suspenso pela Justiça Federal.

Entramos em contato com a Cooplam, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

Atualização: 6 de novembro de 2023, 17h04

Esta reportagem foi atualizada com a resposta de Muni Lourenço Silva Júnior.

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