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A política de combate às drogas precisa ser urgentemente discutida no Brasil sob um olhar técnico e longe da captura moralista. Em determinados pontos, como na descriminalização da maconha, até houve avanços consideráveis em pauta recente no Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, os espaços de decisão ainda são contaminados por soluções precárias e conservadoras, que pioram o problema sem usar critérios técnicos para resolvê-los. No dia 10 de novembro, em entrevista à BandNewsFM, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, foi perguntado sobre a mudança da Cracolândia na cidade e quais recursos tem articulado para tratar o problema. Entre outras coisas, listou o apoio municipal às comunidades terapêuticas para acolher e tratar o usuário de drogas.
Além de ser uma resposta vaga, essa fórmula está longe de ser científica ou mesmo eficiente. No fim de outubro, nós publicamos no Intercept a primeira reportagem da série Máquina de Loucos, que mostrou os horrores vividos por mulheres dentro de uma comunidade terapêutica na cidade de Cajamar, na Grande São Paulo. Lá, as pacientes foram torturadas, dopadas, agredidas e impedidas de deixar o local – havia vigilância de câmeras, monitoramento de telefones e multas exorbitantes nos contratos.
O centro, chamado Esdras, era um espaço evangélico, que oprimia as internas de outras religiões, sobretudo as de matriz africana. Os donos e funcionários também pediram abertamente voto em Jair Bolsonaro, à época em campanha pela reeleição presidencial.
Esse local não é uma exceção. Uma pesquisa do Ipea, de 2017, mostrou que a maioria desses centros, Brasil afora, são evangélicos. Eles usam a religião como pretenso espaço de cura e conversão, ao passo que se vangloriam de fazer um trabalho social primoroso. Mas são, acima de tudo, um negócio.
Entre 2017 e 2020, houve um investimento de R$ 560 milhões para financiar vagas de internação em 593 centros terapêuticos no país. A maior parte, R$ 300 milhões, foi bancada pelo governo federal. Os números são do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Cebrap, e da ONG Conectas Direitos Humanos.
Durante o governo Bolsonaro, que chegou ao Planalto com forte apoio dos evangélicos, os valores escalaram. Em seu primeiro ano de mandato, foram destinados R$ 104,8 milhões – aumentando para R$ 105,2 milhões no ano seguinte.
Vale lembrar que as comunidades terapêuticas, erradamente chamadas de clínicas, não são consideradas serviços de saúde – e, sim, de interesse social. Elas são reguladas pela Anvisa e lá não devem ocorrer prescrições médicas, nem internações compulsórias. Isto é, todo paciente que quiser deixar o espaço deve ter liberdade para isso.
Basicamente, esses centros devem focar na reabilitação do usuário de drogas por meio da convivência entre os pares.
Eleito com uma agenda considerada progressista, o presidente Lula não parece disposto a mudar essa lógica de repasse de verba federal a esses centros terapêuticos – num claro aceno à base evangélica. No dia 8 de agosto deste ano, foi publicada no Diário Oficial da União a contratação de vagas em comunidades terapêuticas, mas ainda sem informar onde e nem quantas serão, o que só será descrito a partir de um edital.
Em janeiro, recém-empossado, o petista já havia contrariado especialistas em saúde mental e direitos humanos ao criar o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêutica – em maio, voltou atrás e ampliou a pasta para atender outras demandas.
Atualmente, o governo Lula financia quase 15 mil vagas em comunidades terapêuticas no país. Já foram repassados mais de R$ 50 milhões do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome para esses espaços.
Enquanto eles não forem supervisionados, nem tiverem seus resultados analisados e cobrados, serão como cloroquina na pandemia: gasto de dinheiro público e terraplanismo científico.
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