John Kerry estava assistindo da primeira fila quando o sultão Al Jaber, dos Emirados Árabes Unidos, subiu ao palco em janeiro em Abu Dhabi, capital do país onde será realizada a COP28. Ao lado de Kerry, nas cadeiras brancas acolchoadas reservadas para os VIPs, estavam figuras importantes dos governos dos Emirados, do Reino Unido e dos EUA. Foi a primeira aparição de Al Jaber em público desde sua indicação a presidente da Conferência das Partes deste ano, a conferência climática anual da ONU.
Al Jaber usava uma túnica kandura verde-sálvia, óculos redondos e um lenço branco na cabeça. Ele falou de forma lenta e deliberada, expondo sua visão sobre a COP28, que será realizada em dezembro. Mas sua postura tranquila não refletia a enxurrada de críticas que estava enfrentando na imprensa.
Al Jaber não é apenas o presidente da COP28. Ele também comanda a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi, conhecida como Adnoc. É a primeira vez que um CEO, ainda mais do setor de combustíveis fósseis, assume a presidência da COP. O anúncio foi recebido com fúria pelos ativistas do clima. Kerry, por sua vez, o enviado especial da presidência dos EUA para o clima, não parecia abalado.
Durante sua fala no Fórum Global de Energia – um evento que o Conselho Atlântico, um instituto de pesquisa americano, vem realizando há seis anos nos Emirados Árabes Unidos –, Al Jaber disse que, quando a hora chegar, o país rico em petróleo irá comemorar “o último barril de petróleo”. Ele falou sobre o período em que esteve à frente da estatal de energia renovável dos Emirados Árabes, chamada Masdar, e pediu “soluções práticas” para a crise climática na COP28.
O que ele não disse foi que, como CEO da Adnoc, ele está atualmente supervisionando uma grande expansão da produção de petróleo e gás da empresa. O pessoal da petrolífera teve um papel fundamental na organização da conferência. Mais de 10 empregados da Adnoc foram indicados para funções na equipe de recepção, inclusive dois funcionários nomeados como negociadores para os Emirados Árabes.
A indústria dos combustíveis fósseis tem estado profundamente envolvida nas reuniões anuais da COP desde o início, na década de 1990, enviando centenas de lobistas todo ano. Em 2023, porém, a indústria está ainda mais perto de um dos mais importantes fóruns climáticos internacionais.
Depois de sair do palco, Al Jaber retornou ao assento vazio ao lado de Kerry, que ficou de pé para apertar sua mão. Desde que assumiu a função de enviado dos EUA para o clima em 2021, Kerry se reuniu com Al Jaber pelo menos 10 vezes, o que é mais do que já se reuniu com qualquer outra autoridade estrangeira. Poucos dias depois do Fórum Global de Energia, Kerry descreveu Al Jaber como uma “escolha fantástica” para presidir a conferência.
O primeiro discurso de Al Jaber como presidente da COP28 teve muitas das características de suas aparições públicas minuciosamente coreografadas: um evento organizado por uma instituição internacional respeitada; dignitários estrangeiros na plateia; sem espaço para perguntas no final. Seguiu-se um comunicado de imprensa enviado a dezenas de jornalistas pela Edelman, uma das principais agências de relações públicas dos EUA.
A reputação de Al Jaber vem sendo moldada por algumas das mais influentes agências de RP do mundo, que usaram suas funções como diretor-executivo e presidente da empresa de energia renovável dos Emirados Árabes, e visionário por trás da futurista Cidade Masdar, para torná-lo a cara da luta contra mudanças climáticas no país.
O Centro de Jornalismo Climático e o site de jornalismo investigativo Drilled, em colaboração com The Intercept, analisaram centenas de páginas de registros e documentos de estratégia de comunicação interna do Departamento de Justiça dos EUA, que revelam a curadoria cuidadosa da imagem de Al Jaber ao longo dos anos.
Também entrevistamos vários ex-colegas e assessores de Al Jaber, que pediram que seus nomes não fossem divulgados por receio de repercussões profissionais.
Apesar da paralisação no andamento da aclamada ecocidade de Al Jaber, e das dúvidas quanto às suas credenciais ecológicas, uma vez que ele vem aumentando a produção de petróleo e gás, agências de RP e consultores lhe garantiram o apoio de lideranças e instituições globais, e o colocaram no comando da COP28.
Al Jaber se recusa a deixar petrolífera enquanto lidera COP28
Al Jaber tem muitas facetas. Além de ser um dos ministros do gabinete e integrante do Conselho de Administração da Masdar, nos últimos três anos ele vem atuando como chefão do petróleo e enviado especial dos Emirados Árabes para a mudança climática – funções que muitos considerariam diametralmente opostas.
Seus apoiadores consideram isso uma vantagem, que refletiria sua capacidade de aproximar a indústria dos combustíveis fósseis do movimento pelo clima. Porém, antes mesmo do anúncio de sua presidência, Al Jaber estava apreensivo com o que a imprensa poderia dizer.
A maioria dos principais meios de comunicação dos Emirados Árabes são estatais ou controlados por grupos de imprensa vinculados ao governo. Al Jaber se sente mais confortável do que a média com a imprensa local: ele já foi presidente do Conselho Nacional de Mídia.
Mas a imprensa internacional representa um desafio completamente diferente. Sem a possibilidade de controlar o que é perguntado ou como é retratado, Al Jaber vem contando com a ajuda de consultores muito bem remunerados para fazer a gestão de sua imagem.
Eles construíram para Al Jaber uma reputação como tecnocrata confiável, um “facilitador”. Um dos “objetivos” dos Emirados Árabes na COP28 vem sendo posicionar Al Jaber como um “líder da ação climática” e “facilitador de consenso”, segundo mostra um documento interno do escritório do enviado climático do país.
A portas fechadas, porém, diz-se que Al Jaber é um chefe exigente com uma postura dominadora. Dois ex-integrantes da equipe da COP28 afirmaram que Al Jaber teria certa vez arremessado um notebook contra a parede em um acesso de raiva; um deles disse que ele teria uma reputação de “valentão”.
Espera-se que os funcionários da COP e as agências de RP que ele contratou para ajudar na conferência trabalhem sem parar, e a motivação está no fundo do poço, segundo três fontes que trabalharam com a equipe COP.
Al Jaber se recusou a ser entrevistado para esta reportagem e não respondeu a perguntas sobre seu comportamento com os integrantes da equipe.
A presidência da COP deveria ser imparcial, e preocupa os críticos que a pessoa com poder para moldar as negociações da conferência não consiga se afastar de suas funções como CEO de uma empresa petrolífera em plena expansão. Al Jaber rebateu os pedidos para que ele deixe a Adnoc, reiterando que não há conflito de interesse.
Mas a linha entre a empresa de petróleo e a COP 28 está “borrada”, segundo um ex-funcionário da conferência. Em dado momento, a equipe da COP estava trabalhando diretamente na sede da Adnoc.
Preocupada com essa interseção, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a UNFCCC, o órgão internacional que supervisiona o processo da COP, enviou perguntas para a equipe em janeiro, tentando assegurar que houvesse uma barreira, e questionando se o pessoal da empresa de petróleo teria acesso a documentos estratégicos da COP28.
Mas, em junho, funcionários da Adnoc ainda estavam sendo consultados sobre como responder às perguntas da imprensa sobre a conferência, segundo reportagem do The Guardian.
Um dos assessores de Al Jaber na Adnoc assinava comunicações que saíam da equipe da COP28 enquanto ainda estava empregado na empresa de petróleo, segundo pessoas que trabalhavam com ele. Ao participar de uma conferência da ONU em junho, Oliver Phillips se registrou como representante da Adnoc. Porém, de acordo com duas fontes que trabalharam na comunicação da COP28, Phillips já havia desempenhado um papel fundamental na orientação das iniciativas de relações públicas da conferência.
Phillips não declara nenhuma afiliação com a petrolífera em seu perfil do LinkedIn, que informa que o ex-produtor das redes CNN e MSNBC é, desde 2015, consultor sênior do escritório do enviado dos Emirados Árabes para o clima e do ministério que Al Jaber comanda. Mas várias fontes disseram que, até recentemente, Phillips era funcionário da Adnoc.
Alan VanderMolen, porta-voz da COP28, diz que Phillips está atualmente “trabalhando em tempo integral” na conferência. Ele não respondeu a perguntas sobre a data de encerramento do vínculo de Phillips com a empresa de petróleo. Nem Phillips, nem a Adnoc responderam aos pedidos de comentários.
VanderMolen defendeu as qualificações de Al Jaber para presidir a conferência climática. “É do nosso interesse comum ter neste papel alguém com profunda experiência em toda a cadeia de valor da energia”, disse VanderMolen.
“Sua experiência como diplomata do clima, que cumpriu dois mandatos como enviado dos Emirados Árabes para o clima e compareceu a mais de 10 COPs anteriores, torna-o idealmente adequado para comandar um processo orientado pelo consenso”, prosseguiu.
“A presidência da COP28 tem seu próprio escritório independente, pessoal, e sistema de TI autônomo”, acrescentou VanderMolen. “A equipe da COP28 é separada de qualquer outra entidade e opera em coordenação com a UNFCCC”.
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Desde que os Emirados Árabes Unidos deram início à sua candidatura para sediar a conferência, os grandes agentes do setor de Relações Públicas também estiveram envolvidos no tratamento da comunicação da equipe COP28, incluindo agências como APCO, Burson Cohn & Wolfe, Edelman e Teneo. Mas até mesmo as agências tiveram dificuldade em perceber o limite entre a COP28 e as demais funções de Al Jaber.
Algumas agências trabalhando em nome da COP28 foram contratadas pela Adnoc e pela Masdar, não pela equipe COP, segundo fontes com conhecimento direto e registros do Departamento de Justiça dos EUA com base na Lei de Registro de Agentes Estrangeiros, a FARA, que exige que as empresas americanas reportem suas relações com governos estrangeiros.
Lindsay Clifton, ex-porta-voz do Comitê Nacional do Partido Republicano e vice-secretária de imprensa do ex-presidente americano Donald Trump, foi recentemente incluída em uma lista de pessoal da Edelman que trabalha na equipe COP de Al Jaber, segundo um documento de estratégia de comunicação interna.
Na Casa Branca, ela defendeu a posição de Trump sobre as mudanças climáticas, enquanto seu governo revogava políticas destinadas a amenizar o aquecimento global. Clifton trabalha na Edelman desde 2019 e é atualmente diretora administrativa do braço consultivo global.
Ela estava listada como “apoio de mídia” direto de Al Jaber durante a Assembleia Geral da ONU em setembro, de acordo com o documento de estratégia. Clifton não respondeu aos pedidos de comentários sobre esta reportagem.
Não é a primeira vez que uma conferência da COP se realiza em um petro-estado. O Catar, outro país do Oriente Médio, recebeu o evento em 2012. Mas o papel de Al Jaber como presidente da conferência e CEO da Adnoc ao mesmo tempo é inédito.
A Anistia Internacional considerou a situação um conflito de interesses e declarou que Al Jaber seria “inadequado” para liderar as negociações sobre o clima. Os ativistas compararam sua nomeação com a ideia de uma fabricante de cigarros coordenando uma campanha antitabagismo.
Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, considera que essa presidência é um sinal de que a indústria dos combustíveis fósseis “assumiu descaradamente o controle” do processo da COP. Em maio, 130 parlamentares dos EUA e da União Europeia assinaram uma carta pedindo a destituição de Al Jaber de sua função.
Melissa Aronczyk, professora de Estudos de Mídia na Universidade Rutgers,e coautora do livro “A Strategic Nature” [“Uma natureza estratégica”, em tradução livre], sobre a história das relações públicas ambientais, diz que o aumento da presença do setor de combustíveis fósseis na COP faz parte da iniciativa de décadas do setor para evitar a regulação.
“Em conjunto com as agências de relações públicas, empresas de petróleo e gás, automobilísticas e petroquímicas conspiraram 30 anos atrás para criar campanhas e programas em torno da ‘sustentabilidade’, com o objetivo de dizer ao mundo que a indústria dos combustíveis fósseis estava ajudando a ‘resolver’ o problema da degradação ambiental e das mudanças climáticas”, disse Aronczyk. “Já está muito claro que, quando as empresas estabelecem suas próprias metas e criam suas próprias regras, o resultado é um desastre”.
‘Quando as empresas estabelecem suas próprias regras e metas, o resultado é um desastre’.
Al Jaber nunca teve suas credenciais ecológicas questionadas de forma tão pública. Mas desde que emergiu como defensor do clima pelos Emirados Árabes, ele vem buscando solução para um enigma difícil: como convencer o mundo de que um petro-estado está genuinamente interessado em enfrentar as mudanças climáticas?
A equipe da COP28 já dispensou três grandes agências de relações públicas, inclusive a Edelman, cujo contrato foi abruptamente encerrado em abril. Em agosto, os Emirados Árabes trouxeram reforços, e contrataram uma pequena agência de comunicação estratégica de Nova Jérsei, nos EUA, chamada First International Resources, para “neutralizar todas as matérias negativas de imprensa e de mídia”, segundo os registros do FARA noticiados pela primeira vez pelo Washington Post.
“A consultoria não deve permitir que impressões negativas se instalem, especialmente no período que antecede a COP28”, segundo o contrato. A COP28 confirmou que as agências Teneo e Edelman, que foi recontratada recentemente, estão trabalhando atualmente na conferência. As agências APCO e Burson Cohn & Wolfe, cujos contratos foram encerrados, não responderam aos pedidos de comentários.
Para Kerry, a sensibilidade de Al Jaber às críticas é um ponto positivo. “Se ele não conseguir fazer isso, se o setor de petróleo e gás não comparecer e fizer alguma coisa real aqui, os Emirados Árabes vão ficar numa situação ruim, e ele sabe disso”, afirmou Kerry. “Eles vão precisar brigar um pouco, mas se fizerem isso, podem ser um catalisador para sempre”.
Al Jabar construiu seu pedigree verde com promessas furadas
Em um país onde o poder normalmente é detido por um grupo seleto de famílias reais, Al Jaber não estava destinado à liderança. Após um breve período como engenheiro da Adnoc, ele foi contratado para trabalhar para a plataforma de energia de um dos fundos soberanos dos Emirados Árabes, Mubadala. Em 2006, ele foi promovido a CEO do programa e começou sua ascensão à vida pública, ao mesmo tempo que os governantes do país se recuperavam de um desastre internacional de relações públicas.
A estatal Dubai Ports World estava se preparando para investir bilhões de dólares para assumir a gestão de vários dos principais portos dos EUA. No entanto, um grupo bipartidário de parlamentares americanos, liderado pelo senador Chuck Schumer, do Partido Democrata de Nova York, defendeu que a compra ameaçava a segurança nacional. Essa campanha encerrou o acordo.
“Foi um momento de transformação para os Emirados Árabes […] Eles foram completamente surpreendidos”, avaliou Andreas Krieg, professor sênior na Escola de Estudos de Segurança do King’s College, em Londres. “Serviu de alerta para todos em Abu Dhabi realmente dizerem: ‘Olha, precisamos investir mais em influência e em moldar a percepção'”.
Quando tinha pouco mais de 30 anos, Al Jaber foi escolhido como o primeiro CEO da Masdar, a empresa de energia renovável financiada pelo governo dos Emirados Árabes. Ele se encaixava nos moldes de um novo tipo de estadista dos Emirados, influenciado pelo constrangimento da questão dos portos. Havia estudado no Reino Unido e nos Estados Unidos e representava para o mundo que os autoritários Emirados Árabes Unidos eram, na verdade, uma meritocracia moderna.
A Masdar foi a primeira etapa de um plano de longo prazo, que deveria afastar o país rico em petróleo dos combustíveis fósseis. A empresa prometeu investir bilhões de dólares em energia limpa. Mas Krieg acredita que a Masdar tinha um propósito menos óbvio. “É uma ferramenta de política econômica”, afirmou. “Trata-se de despejar dinheiro em um país para ganhar vantagem estratégica a longo prazo”.
Um ano depois de Al Jaber se tornar CEO, a Masdar assinou um lucrativo contrato com a Edelman para ajudar a promover um de seus projetos emblemáticos: a Cidade Masdar, uma proposta de “cidade do futuro” com produção zero de carbono no deserto de Abu Dhabi.
‘Trata-se de despejar dinheiro em um país para ganhar vantagem estratégica a longo prazo’.
A partir de projetos elaborados por um importante escritório de arquitetura britânico, a Cidade Masdar seria construída em 6 quilômetros quadrados de área de vegetação esparsa perto do aeroporto de Abu Dhabi.
A General Electric anunciou que inauguraria lá o primeiro Centro Ecomagination do mundo, para expor tecnologias da próxima geração, e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, lançou o Programa Cooperativo MIT e Instituto Masdar, focado em inovação e energias alternativas.
O dinheiro gasto por Al Jaber na Edelman se pagou. A agência conseguiu convencer a equipe da Casa Branca a incluir uma visita para análise do projeto da Cidade Masdar na última viagem que George W. Bush fez ao exterior como presidente.
“É incrível, não é? Este país obteve sua riqueza do solo e agora está reinvestindo em formas alternativas de energia”, observou Bush, enquanto ele e Al Jaber estavam na presença dos jornalistas. “Espero que a minha visita coloque o Oriente Médio sob os holofotes […] e mostre às pessoas como é de verdade a vida aqui nos Emirados Árabes”.
Quando Al Jaber foi convidado a falar diante de um seleto comitê do congresso americano em 2008, o senador Ed Markey (que esteve recentemente entre os parlamentares que pediram a destituição de Al Jaber da presidência da COP28), cobriu de elogios a Cidade Masdar, dizendo que ela representava “o futuro das comunidades ecológicas”.
“Não se enganem, Masdar é a nossa nova Sputnik. Deveria ser um alerta para os Estados Unidos e um desafio para cada um de nós”, disse o senador de Massachusettts.
Em 2009, Al Jaber enfrentou o primeiro verdadeiro teste de sua campanha internacional de relações públicas. Ele anunciou que os Emirados Árabes iriam “concorrer agressivamente” para receber na Cidade Masdar a sede da Agência Internacional para Energias Renováveis, Irena.
A campanha foi supervisionada pelo então ministro de Relações Exteriores do país, mas Al Jaber administrava as operações do dia a dia, segundo uma pessoa envolvida. Pouca coisa seria deixada ao acaso. Ele contratou Jim Margolis, integrante de peso da campanha do Partido Democrata, e sua agência de comunicação estratégica GMMB, que tinha acabado de ajudar Barack Obama a chegar à Casa Branca.
A GMMB e a Edelman trabalham em conjunto para realizar uma enorme campanha global. A Edelman rastreou como cada país-membro poderia votar e pesquisou quanto auxílio os Emirados Árabes estavam enviando a cada um deles. Quando um país dizia que votaria nos Emirados Árabes, a Edelman enviava notas de agradecimento personalizadas.
A GMMB cuidou dos materiais de marketing, que incluíam vídeos promocionais, um memorando de informações confidenciais em papel brilhante, discursos e apresentações. Quando finalmente chegou a data da votação e os delegados chegaram a Sharm el-Sheikh, no Egito, a GMMB conseguiu que um vídeo promocional da Cidade Masdar fosse exibido em seus quartos de hotel.
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Os Emirados Árabes teriam oferecido o dobro de recursos para ajudar a gerir a Irena em relação ao adversário mais próximo, a Alemanha. No financiamento estava incluído um contrato com a Edelman de 1 milhão de dólares (cerca de R$ 5 milhões, na cotação atual) para atender à agência, segundo os registros do FARA. Os Emirados Árabes ganharam a votação.
À medida que a Edelman construía a reputação da Masdar, a empresa de energia prometia entregar cada vez mais projetos renováveis. Ela prometeu investir 2 bilhões de dólares (cerca de R$ 10 bilhões) na fabricação de células fotovoltaicas de película fina para painéis solares. E, quando a Shell anunciou que estava saindo do projeto London Array, no Reino Unido, um dos maiores parques eólicos offshore do mundo, a Masdar interveio e adquiriu 20% de participação.
Al Jaber foi CEO fundador da Masdar, e se tornou presidente – o cargo que ainda ocupa – em 2014. Ele também foi diretor-executivo da plataforma de energia do Mubadala, o braço de investimento estratégico dos Emirados Árabes, o que faz dele a pessoa com maior responsabilidade pela estruturação das energias renováveis no país há mais de uma década.
Em 2015, a Masdar fez parte de um grupo coordenado pela Irena que se comprometeu a dobrar a capacidade mundial de energias renováveis até 2030. No mesmo ano, o governo dos Emirados Árabes prometeu que 24% de toda sua energia viria de fontes renováveis ou nucleares até 2021.
De acordo com a Administração de Informações de Energia dos EUA e a Agência Internacional de Energia, apenas 2% do total de energia do país era proveniente de fontes renováveis e nucleares em 2021. A Masdar, por outro lado, teve avanços lentos, mas contínuos. Entre 2006 e agosto de 2020, a empresa se envolveu em projetos que geraram cerca de 5 gigawatts de capacidade de energia renovável em todo o mundo.
Quando 2020 foi chegando ao fim e começou a campanha para sediar a COP, esse número subitamente dobrou nos comunicados de imprensa, embora não tivessem sido anunciados projetos que respondessem pelo aumento repentino. No final de 2022, nos meses que antecederam a nomeação de Al Jaber como presidente da COP28, a capacidade de energia renovável alegada pela Masdar dobrou novamente, dessa vez para mais de 20GW.
A empresa se recusou a explicar a diferença nos números, mas seu relatório de sustentabilidade de 2021 pode esclarecer em parte o rápido crescimento. Mais de metade dele não se originou do desenvolvimento de novos projetos, que aumentariam a capacidade mundial de geração de energias renováveis, mas da aquisição de participações em projetos já existentes, e de uma parceria estratégica celebrada com Mubadala, Adnoc e a concessionária de água e energia dos Emirados Árabes.
Em sua declaração para o relatório, Al Jaber escreveu que essa parceria, finalizada em 2022, permitiria à Masdar “praticamente dobrar sua capacidade de geração de energia renovável da noite para o dia”.
A Masdar observou que essa parceria teria “uma capacidade combinada atual, comprometida e exclusiva de mais de 23 GW de energia renovável”. Mas trocar os números de um balanço contábil para outro não produz mais capacidade nova de geração de energias renováveis.
Perguntada sua opinião sobre os avanços da Masdar e dos Emirados Árabes nas energias renováveis, Kerry respondeu: “Argh, eu sei”.
Os apoiadores de Al Jaber apontam seu trabalho na Masdar e na Cidade Masdar como prova do que ele pode fazer pela COP: mapear um caminho para transição lucrativa dos combustíveis fósseis que possa receber apoio do setor. Mas se a Cidade Masdar é o exemplo, os defensores do clima têm razão para estarem preocupados com a capacidade de Al Jaber de apresentar verdadeiras reduções nas emissões.
Segundo Federico Cugurullo, professor de Geografia no Trinity College, em Dublin, que se dedica à sustentabilidade urbana e já realizou extensas pesquisas sobre a Cidade Masdar, o objetivo do projeto é gerar receita para os Emirados Árabes por meio do desenvolvimento e da venda de produtos de tecnologia limpa. Portanto, “quando os objetivos sociais ou ambientais entram em conflito com esses ganhos, são rapidamente abandonados”.
A cidade foi inicialmente planejada para não ter carros e depender totalmente de um sistema pessoal de trânsito rápido, o PRT, eletrificado. Mas, como a maioria das pessoas que trabalham na Cidade Masdar preferem morar em Abu Dhabi, e a Masdar fez parcerias com várias empresas automotivas interessadas em realizar pesquisas com veículos elétricos, a ideia de não ter carros foi descartada e a proposta do PRT foi reduzida.
“A Cidade Masdar deixou de ser um laboratório de transporte alternativo e adotou um projeto tradicional adequado aos carros para apoiar as parcerias com as montadoras”, explicou Cugurullo. Em seu estudo de caso, ele cita um gestor da Iniciativa Masdar, que teria dito sobre essa decisão: “O PRT custa uma fortuna, e a Cidade Masdar não é uma cruzada ambiental”. Planos de que a cidade fosse carbono zero e lixo zero também foram reduzidos para cortar custos.
“O pódio, que é o centro da cidade, continua livre de carros, e os visitantes podem usar várias opções de transporte elétrico compartilhado”, disse Amy Robertson, gerente de comunicações da Cidade Masdar. “O restante dos Emirados Árabes ainda depende em grande parte de veículos privados, no entanto, e o plano diretor da Cidade Masdar leva em consideração essas normas sociais”.
“Uma cidade ‘verde’ não é realmente sustentável se não atender às necessidades da comunidade, e se não for financeiramente viável”, acrescentou Robertson.
“Não está errado levar em conta os aspectos econômicos do desenvolvimento sustentável”, disse Cugurullo. “Mas está errado se esse for o único foco dos seus projetos, e foi esse o caso da Cidade Masdar”.
O pedigree verde de Al Jaber continuou a crescer, mesmo depois de assumir a estatal de petróleo do país em 2016 – o mesmo ano em que a Cidade Masdar deveria ter sido concluída. Em vez disso, o governo reduziu seus compromissos e anunciou que o projeto seria concluído até 2030. Talvez.
Presidente da COP28 tem amigos importantes nos lugares certos
Após o anúncio de sua nomeação para a presidência da COP28, Al Jaber partiu em viagem pelo mundo, em uma espécie de “turnê de escuta” ao longo de meses. Ele se reuniu com políticos, lideranças empresariais e figuras públicas, incluindo o rei Charles III, Emmanuel Macron, Michael Bloomberg, e, claro, John Kerry.
Al Jaber reconhece há muito tempo a importância de estar cercado de aliados com boa credibilidade. Envolver “lideranças de pensamento” foi uma tarefa fundamental da Edelman em seu trabalho inicial na conta da Masdar. O dinheiro da Masdar conseguiu para Al Jaber parcerias com empresas como GE, Siemens e Mitsubishi, e a agenda de contatos da Edelman o colocou em salas com a elite do Vale do Silício e de Washington D.C.
Em 2010, Al Jaber foi o enviado especial dos Emirados Árabes para as mudanças climáticas e compareceu à COP16 em Cancun, onde conheceu Kerry, então senador pelo estado de Massachusetts. Desde então, os dois foram fotografados juntos inúmeras vezes. Sua relação aparentemente próxima faz parte de uma colaboração mais extensa pelas mudanças climáticas.
No ano passado, os EUA e os Emirados Árabes lançaram uma Parceria de Aceleração de Energia Limpa, que prometia mobilizar 100 bilhões de dólares (cerca de R$ 500 bilhões) em financiamento para energias renováveis. Kerry estava entre os primeiros a sair em defesa da presidência de Al Jaber na COP.
“Acho que ele e sua equipe estão comprometidos em levar outros interesses de petróleo e gás para a mesa de forma real e acho que precisamos disso”, disse Kerry.
Durante a Assembleia Geral da ONU em setembro, a Edelman ajudou a equipe da COP28 a encontrar figuras influentes para expressar seu apoio aos esforços dos Emirados Árabes na conferência, segundo um documento interno de estratégia de comunicação. Chamados de “validadores”, os alvos incluíam Bill Gates, Larry Fink do fundo BlackRock, e Jennifer Morgan, enviada da Alemanha para o clima e ex-diretora-executiva do Greenpeace.
Dentre outros conhecidos de renome que endossaram Al Jaber está o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, cuja empresa de consultoria governamental tem um longo histórico de prestação de serviços para os Emirados Árabes.
Bloomberg, o enviado especial da ONU para ambições e soluções climáticas, foi às páginas de sua publicação homônima para repreender aqueles que criticavam a indicação e apontar para o tempo de Al Jaber no comando da Masdar como prova de que ele era o homem certo para a função.
Bloomberg também atrelou seu ramo filantrópico, a Bloomberg Philantropies, à presidência de Al Jaber, e está estabelecendo uma parceria com ele para uma iniciativa de incluir prefeitos e prioridades locais na pauta da COP28.
Funcionários e ativistas da Bloomberg Philantropies, que pediram para que seus nomes não fossem divulgados, dizem que muitas pessoas na organização, que tem um foco importante no clima, consideram que há conflito de interesses em apoiar um chefão do petróleo como líder da COP.
Enquanto isso, o diretor do Conselho Atlântico, Fred Kempe, que apresentou Al Jaber ao cenário do Fórum Global de Energia, escreveu um artigo de opinião para a CNBC que o descrevia como “a pessoa ideal” para presidir a conferência.
Kempe não declarou que sua organização havia recebido um financiamento de milhões de dólares dos Emirados Árabes e que Adnoc e Masdar foram patrocinadoras do fórum de energia do centro de pesquisa. O artigo de opinião foi posteriormente editado, com uma nota declarando que “o óbvio conflito de interesses” não havia sido informado à CNBC antes da publicação.
Empresa comandada por Al Jabar virou gigante do petróleo
Enquanto o projeto da Cidade Masdar avançava a passos de formiga, o príncipe herdeiro dos Emirados Árabes deu a Al Jaber um novo desafio: modernizar os ativos mais importantes do país, a empresa estatal de petróleo. A essa altura, Al Jaber havia se tornado “um dos homens mais poderosos do país”, segundo Krieg, o professor de estudos de segurança.
Sua nomeação como CEO da Adnoc aconteceu em um momento de mudança de narrativa no setor dos combustíveis fósseis: as empresas de petróleo e gás passaram a se lançar como aliadas na luta contra as mudanças climáticas, uma tendência que havia passado ao largo da maioria dos atores estatais.
Al Jaber contratou a primeira equipe de comunicação da Adnoc, levando Omar Zaafrani, o homem que ele havia encarregado de estabelecer parcerias internacionais com a Masdar. Até o final de 2017, a empresa de petróleo já havia contratado três agências externas de relações públicas – Burson Cohn & Wolfe, APCO, e Teneo, que depois acabaram todas trabalhando também na COP28 – para mostrar ao mundo que a Adnoc não era mais um “gigante adormecido”, mas uma operação eficiente e flexível, pronta para os investimentos.
Em essência, Al Jaber queria que a Adnoc agisse menos como um mastodonte estatal e mais como uma gigante do petróleo. “É uma abordagem ousada, nova e ambiciosa”, disse ele, à época. “Ela permitirá à Adnoc competir, liderar e ter sucesso na nova era da energia”.
Ele está atualmente acompanhando um plano de expansão de 150 bilhões de dólares (cerca de R$ 750 bilhões), centrado no aumento da produção de petróleo e gás da Adnoc. A empresa começou a perfurar em parceria com petrolíferas internacionais pela primeira vez em 2018, e acelerou o cronograma em 2022. Até o mês passado, tinha atingido 4,5 milhões de barris por dia, tornando-se a terceira maior produtora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, e a sétima maior do mundo.
Apesar disso, sob a liderança de Al Jaber, a Adnoc vem divulgando suas credenciais como “uma das empresas de petróleo e gás com menor intensidade de emissões de carbono no mundo”. No ano passado, ela chegou a considerar a possibilidade de tirar a palavra “petróleo” de seu nome como parte de uma reformulação ecológica da marca na preparação para a COP28.
A Adnoc tem planos de chegar a zero emissões operacionais líquidas até 2045. Os planos dependem fundamentalmente da captura de carbono, em que os gases do efeito estufa são coletados e armazenados em vez de serem liberados na atmosfera, permitindo que a queima de petróleo não precise ser reduzida tão rapidamente. Mas a tecnologia ainda não se ampliou em níveis significativos, e a necessidade de eliminar progressivamente os combustíveis fósseis é cada vez mais urgente.
Em 2021, quando Al Jaber capitaneou a candidatura para sediar a COP28, os Emirados Árabes procuraram mais uma vez a GMMB. Em uma conferência em Abu Dhabi, em abril, com representantes de todo o Oriente Médio, Kerry teria convocado os participantes a apoiarem a candidatura dos Emirados Árabes e louvado os esforços do país pelo desenvolvimento sustentável “por meio de grandes operações de comunicação organizadas pela GMMB”, de acordo com um relatório da Intelligence Online, que citou fontes anônimas.
No mesmo mês, a Adnoc contratou a APCO para “serviços de comunicação estratégica e relacionamento com a mídia nos Estados Unidos para representar o enviado dos Emirados Árabes Unidos para o clima”, segundo os registros do FARA.
A presidência de Al Jaber na COP28 se tornou emblemática de uma divergência mais profunda entre os envolvidos na diplomacia climática internacional. Os apoiadores do CEO da Adnoc sustentam que empresas de petróleo são um parceiro necessário em uma transição bem-sucedida para as energias limpas. Porém, após décadas de lobby, distorções e mentiras, algumas pessoas questionam se a indústria dos combustíveis fósseis será algum dia uma aliada de fato na luta contra a crise do clima.
Christiana Figueires, secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e arquiteta do acordo climático de Paris, revogou publicamente seu apoio à indústria. “Quando vi que estavam tendo lucros recordes na sequência da invasão russa na Ucrânia, pensei: ‘Fantástico, agora terão bastante capital para investir na transição energética'”, disse. “Em vez disso, fincaram pé e redobraram a aposta no crescimento dos combustíveis fósseis”.
A Adnoc chegou a considerar tirar a ‘petróleo’ de seu nome para reformular a marca para a COP28.
“Quando as empresas querem um lugar na mesa de discussão se a política climática está em jogo, é principalmente para que possam controlar o que acontece”, argumentou Aronczyk, a professora de Estudos de Mídia. “Ter o líder de uma empresa de petróleo na presidência da COP28 representa o ápice de mais de 30 anos de capitulação ao poder e ao dinheiro da indústria dos combustíveis fósseis”.
Até o momento, apenas dois dos 6 quilômetros quadrados planejados para a Cidade Masdar foram construídos. O diretor de operações da Masdar admitiu que “houve uma desistência silenciosa” da ideia de 6 quilômetros quadrados já no começo de 2008, após a crise financeira, e antes que a Edelman e a GMMB tivessem sequer começado a promover a Cidade Masdar como “o empreendimento sustentável mais ambicioso do mundo”. Menos da metade do investimento prometido de 22 bilhões de dólares (cerca de R$ 110 bilhões) foi gasto.
Ainda assim, o local é usado como um brilhante exemplo da transformação dos Emirados Árabes. A APCO relata já ter organizado visitas para o diplomata sul-coreano Ban Ki-moon, Hillary Clinton, Angela Merkel, o primeiro-ministro da Índia Narendra Modi e Joe Biden. No ano passado, o Conselho Atlântico pagou pela viagem de assessores parlamentares americanos até lá.
Já exibida por Al Jaber como “um modelo para cidades de todo o mundo em busca da sustentabilidade”, a Cidade Masdar corre o risco de se tornar uma cidade-fantasma. Atualmente, há 15 mil pessoas morando e trabalhando lá, segundo Robertson, a gerente de comunicações, que não esclareceu quantas pessoas vivem no empreendimento e quantas se deslocam até lá.
Na melhor das hipóteses, são 25 mil a menos que o objetivo anunciado em 2008. A GE fechou o Centro Ecomagination em 2018. E, embora a Cidade Masdar tenha muitos painéis solares, os planejadores da cidade dizem que ela não será inteiramente renovável até que sua construção seja concluída.
Longe de ser uma utopia zero carbono e livre de carros, a Cidade Masdar é dependente de combustíveis fósseis e centrada nos automóveis. “A Cidade Masdar não foi construída sobre a areia, mas sobre o petróleo”, disse Curugullo, o especialista em sustentabilidade urbana. “O preto é a cor que sustenta a cidade supostamente verde”.
Os críticos de Al Jaber temem que o mesmo possa ser dito sobre a conferência climática nos Emirados Árabes.
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Este texto foi originalmente publicado em inglês em 25 de outubro de 2023.
Tradução: Deborah Leão
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