dois dias depois de 8 janeiro de 2023, enquanto o Brasil assistia atônito aos desdobramentos da invasão do Planalto por terroristas de direita, o ex-presidente Jair Bolsonaro postou um vídeo com fake news no Facebook. A publicação mostrava, em tom conspiratório, um homem apresentado como como “Dr. Felipe Gimenez” que afirmava que “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo STF e TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”. Gimenez é procurador de Mato Grosso do Sul, e o vídeo havia sido postado inicialmente por uma apoiadora de Bolsonaro.
O post foi apagado logo depois por Bolsonaro. O vídeo é considerado fundamental pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, para implicar Bolsonaro nos atos de 8 de janeiro, com a acusação de incitação ao crime – cuja pena pode chegar a seis meses de detenção.
Segundo os procuradores do MPF responsáveis pela representação que deu origem ao pedido da PGR, a “veiculação da aludida mensagem por Jair Messias Bolsonaro teria o condão de incitar novos atos de insurgência civil contra os Poderes da República”.
O vídeo é importante porque foi ele que motivou o pedido da PGR para incluir Bolsonaro no inquérito dos atos golpistas. O ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido e ordenou à Meta que preservasse o vídeo.
Só faltava uma coisa: a Meta, dona do Facebook, fornecer o vídeo para a PGR. O órgão pediu à big tech acesso ao material no início do ano, mas o pedido nunca foi atendido.
Na segunda-feira, 4 de dezembro, o órgão reiterou o pedido, com prazo de 48 horas e multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. Desta vez, a Meta disse que é “materialmente impossível” fornecer o vídeo, que “foi deletado e não está mais disponível nos servidores da empresa”.
A empresa também se esquivou da ordem dada pelo ministro Alexandre de Moraes para preservar as publicações, afirmando que não “recebeu o ofício” e “desconhecia” a ordem judicial.
O que a PGR provavelmente não sabe, no entanto, é que a prova foi guardada. O MetaMemo, projeto criado para preservar arquivos e memórias digitais, está há meses arquivando todas as postagens de Jair Bolsonaro. O objetivo era facilitar o acesso a jornalistas e pesquisadores a um vasto arquivo sobre a família Bolsonaro.
ASSISTA AO VÍDEO:
Como o sistema de coleta de arquivos é automático, com um script, o MetaMemo coletou o vídeo postado por Bolsonaro antes mesmo de ele ser apagado. Também guardou os metadados, que mostram data e horário da publicação. O vídeo em questão foi postado, segundo o MetaMemo, exatamente às 21h55 do dia 10 de janeiro – mesmo horário apontado na reportagem da Folha. Bolsonaro alegou que estava “sob efeito de remédios” quando postou o vídeo.
“Quando, ainda durante o outro governo, nos deparamos com uma nova forma de fazer política a partir do uso não de canais oficiais de governo, mas de perfis pessoais em redes sociais, resolvemos desenvolver uma tecnologia para preservar essa memória”, me disse Pedro Markun, um dos responsáveis pelo MetaMemo.
Ele afirmou que os criadores da plataforma já previam que, depois da eleição, esse material seria apagado, e as plataformas não teriam compromisso nenhum com essa preservação.
A ferramenta utiliza as APIs das próprias plataformas, como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube, para coletar e armazenar as postagens públicas. Hoje, segundo Markun, são mais de 100 mil conteúdos catalogados entre vídeos, fotos e textos. A captura começou em fevereiro de 2022 e segue até hoje.
Fica a dica, Xandão.
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