Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept. Assine. É de graça, na sua caixa de e-mails.
“Oi, o que vocês publicaram é só a ponta do iceberg. Quero contar minha história”. Recebi essa mensagem de Victor, poucas horas depois que publicamos uma reportagem sobre trabalhadores que relatam terem sido submetidos a condições degradantes no The Town 2023, em setembro deste ano, em São Paulo.
“Li sua matéria logo que acordei. Me mandaram perguntando se eu tinha alguma coisa a ver com isso. Mas, você sabe, eu não tinha. O fato é que eu tenho muita coisa para falar”, disse Victor, num áudio que me enviou. Ele pediu para não ser identificado, mas deu provas chocantes da humilhação contra trabalhadores do The Town, festival dos mesmos criadores do Rock In Rio.
Eu obtive acesso a dezenas de prints de mensagens trocadas em grupos de WhatsApp, em que os ambulantes se comunicavam durante o evento. São várias fotos e relatos de comida estragada – isso quando trabalhadores não denunciam a fome.
As primeiras mensagens são de 2 de setembro, abertura do festival, e demonstram a dificuldade no acesso à alimentação. “Tem gente desmaiando”, escreveu uma funcionária no grupo, usado também para acionar os coordenadores da 2East, empresa contratada pelo The Town para organizar a venda de bebidas.
“Vocês não estão conseguindo dar alimentação mínima para o pessoal”, disse outra, em seguida. “Concordo com tudo o que vocês estão falando, já sinalizamos com a Sapore [fornecedora da comida] e vamos fazer de novo!!!”, respondeu um dos representantes da 2East. “Conte comigo para cuidar de todos. Esse é o nosso papel!”, acrescentou.
Diante de mais reclamações, porém, o representante escreveu: “Não vai ajudar a gente ficar discutindo. Como já falamos, comida infelizmente só podemos sinalizar”. Segundo ele, as reclamações deveriam ser feitas diretamente à Sapore, contratada para fornecer comida aos funcionários do The Town.
A Sapore é uma multinacional brasileira fundada em 1992 e especializada em serviços de alimentação para grandes contingentes. O Intercept Brasil questionou o The Town se a contratação foi feita diretamente pela RockWorld, organizadora do evento. Não houve resposta. A 2East também não se manifestou.
Nos dias seguintes, as coisas pioraram. Essas mensagens começaram a aparecer: “Comida tá de maneira insalubre”, disse uma pessoa. “Acabei de receber reclamação de comida estragada no refeitório”, escreveu outra.”Veio cabelo na comida. Aí é osso”, lamentou uma terceira.
E teve mais: “Chefe, minha marmita estava estragada”, reclamou um quarto trabalhador. Abaixo, ele encaminhou o que aparenta ser a mensagem de um outro colega: “Marmita estragada novamente, irmão”. O Intercept teve acesso a imagens de três refeições evidentemente inadequadas para consumo.
Duas mostram um fio de cabelo na marmita. A mais perturbadora mostra uma larva em uma folha de alface. As imagens foram enviadas aos coordenadores da 2East ainda durante o evento.
Você tem alguma denúncia relacionada a um mega festival? Escreva para a gente no [email protected]. Queremos te ouvir.
“A comida era uma das piores que comi na vida”, Victor me disse. Segundo ele, um dos trabalhadores chegou a contrair duodenite – inflamação no intestino – e ser internado após ingerir a refeição.
Não localizei o trabalhador que teria sido hospitalizado, mas uma mensagem que obtive confirma a versão de Victor: “Estou com um vendedor internado com duodenite, você quer mais o quê?”, escreveu uma funcionária.
Quando procuramos a Rock World, antes da primeira reportagem sobre o tema, a empresa afirmou que os parceiros seguem “padrões rigorosos de contratação” e que “não admite qualquer ação que viole direitos”.
A 2East negou irregularidades e afirmou ter sido “devidamente fiscalizada” e distribuído bebedouros e vouchers de alimentação – só não entrou em detalhes sobre que tipo de alimentação.
Depois da publicação, a Rock World me enviou uma “nota de repúdio”. Ela afirmou que não havia nenhuma acusação formal, que as contratações seguem “rígidos padrões” e são realizadas por empresas terceirizadas. Para eles, o Intercept usou o “nome de seus organizadores e o da Rock World para ganhar notoriedade”.
Mas, quando a nota chegou, as outras denúncias já haviam começado a pipocar – aliás, é só ver os comentários de ex-trabalhadores nas redes do Intercept.
Aproveitei para perguntar se a Rock World queria se pronunciar sobre a qualidade da comida oferecida à equipe, já que garantiu cumprimento de direitos e fornecimento de alimentação. Até agora, a empresa não respondeu.
Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:
Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.
Ninguém foi punido pela ditadura militar, e isso abriu caminho para uma nova tentativa de golpe em 2023. Agora que os responsáveis por essa trama são réus no STF — pela primeira e única vez — temos a chance de quebrar esse ciclo de impunidade!
Estamos fazendo nossa parte para mudar a história, investigando e expondo essa organização criminosa — e seu apoio é essencial durante o julgamento!
Precisamos de 800 novos doadores mensais até o final de abril para seguir produzindo reportagens decisivas para impedir o domínio da máquina bilionária da extrema direita. É a sua chance de mudar a história!
Torne-se um doador do Intercept Brasil e garanta que Bolsonaro e sua gangue golpista não tenham outra chance de atacar nossos direitos.