Depois de uma vitória eleitoral apertada, com quase metade da população querendo a permanência do bolsonarismo no poder, Lula começou o ano tendo que lidar com uma tentativa de golpe e com uma grande bancada de parlamentares fascistoides que prometeram fazer da sua vida um inferno. Ao fim do primeiro ano, o balanço do governo é positivo: o ímpeto golpista da oposição foi freado, os indicadores econômicos melhoraram, uma base de apoio foi construída no Congresso e o maior inimigo dos fascistoides neste ano se tornou ministro do STF.
A nomeação de Flávio Dino foi encarada pela extrema direita como a maior derrota política do ano. Ele foi o político que mais fez enfrentamentos diretos com a bancada golpista em 2023. Nas inúmeras vezes em que foi convocado pelos bolsonaristas para dar explicações sobre tudo na Câmara e no Senado, Dino os colocou no bolso com muita tranquilidade. Abusou da ironia e do deboche — as únicas armas possíveis contra o golpismo e o terraplanismo —, mas não perdeu a ternura jamais. A possibilidade de vê-lo numa cadeira do STF tirou o sono dos bolsonaristas, que prometeram fazer o diabo para impedir sua posse. Os cães ladraram muito nos últimos dias, mas Dino foi aprovado no plenário do Senado.
Pintar o maranhense como um comunista radical, extremista, alinhado com o crime organizado faz parte do show alucinógeno da turba fascistóide. No mundo real, Flávio Dino sempre foi um político moderado, de centro-esquerda, que governou o estado do Maranhão por duas vezes seguidas em uma ampla coalizão que incluiu muitos partidos de direita. Depois de interromper a dinastia Sarney no estado, tornando-se o seu principal adversário, Dino não viu problema em se reunir com Sarney em 2019 para falar sobre os rumos da democracia no momento em que o então presidente Jair Bolsonaro fazia suas ameaças golpistas. Esse é o radical terrivelmente comunista que tira o sono dos bolsominions.
A possibilidade do seu principal adversário integrar o STF fez a extrema direita entrar em parafuso. Primeiro convocaram um protesto nas ruas contra a indicação de Dino e lançaram uma campanha agressiva para cima dos senadores. Depois passaram as semanas que antecederam a sabatina fazendo terrorismo nas redes sociais sobre o avanço do comunismo no país. Depois de fracassarem em tudo, a derrota final foi encarada pelos bolsonaristas como o apocalipse.
Deltan Dallagnol, esse baluarte da moralidade pública que perdeu o mandato por fraudar a Lei da Ficha Limpa, liderou uma campanha sórdida nas redes sociais para exigir que os senadores filmassem seus votos para prestar contas à turba extremista. No dia anterior à sabatina, Dallagnol publicou uma lista de senadores indecisos com os respectivos telefones e e-mails e fez um apelo: “LIGUE e MANDE MENSAGEM para esses senadores que ainda estão com votos”. Mesmo sem mandato, o lavajatista assumiu papel de liderança da extrema direita para pressionar senadores a quebrarem o sigilo do voto e reviver o macarthismo que praticou nos tempos de Ministério Público.
Pintar o maranhense como um comunista radical, extremista, alinhado com o crime organizado faz parte do show alucinógeno da turba fascistóide. No mundo real, Flávio Dino sempre foi um político moderado, de centro-esquerda.
Além de amargar a derrota na votação do plenário, Dallagnol teve que lidar com a decepção de ser traído pelo seu maior parceiro de Lava Jato, Sergio Moro. Durante a sabatina, o senador foi fotografado em clima amistoso com Flávio Dino, sorrindo como raramente faz. Chocada, a militância bolsonarista fez cobranças duras nas redes sociais. Ser cordial com um comunista é inadmissível. Para piorar a situação, a tela do celular do Moro foi fotografada — ora, vejam só, o “enxadrista” da Lava Jato não usa a película de privacidade para o seu celular.
Nas imagens capturadas é possível ver o senador tendo duas conversas. Em uma delas, o primeiro suplente do seu mandato, Luis Felipe Cunha, afirma que Dallagnol está “desesperado” com a possibilidade de Moro votar a favor de Dino.
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Em outra mensagem, Moro conversa com seu assessor parlamentar Rafael Travassos Magalhães, conhecido como “Mestrão”, que já foi alvo de investigação por envolvimento em rachadinha no Paraná. Moro garantiu para Mestrão que manterá o voto secreto “como um instrumento de proteção contra retaliação”. Ao contrário do que tanto pregou Dallagnol nos dias anteriores, Moro preferiu manter seu voto em sigilo, o que claramente sinaliza qual foi o seu voto.
Revoltado com o que chamou de “a maior irresponsabilidade que o Senado cometeu na história”, Dallagnol mandou uma clara indireta para Moro: “Senadores que votaram no Dino por emendas parlamentares ou por medo de vingança violaram o dever que têm com seus eleitores. Se você permite que o sistema te controle com dinheiro ou ameaças, você virou sistema”. Parece que para o Robin da Lava Jato, o Batman foi cooptado pelo comunismo. Que triste fim para a dupla.
Parece que para o Robin da Lava Jato, o Batman foi cooptado pelo comunismo. Que triste fim para a dupla.
Moro traiu seus aliados mais uma vez para tentar salvar a própria pele. O afago caloroso em Dino tem um motivo bastante claro: o senador está prestes a perder o mandato e este não é um bom momento para alguém com tantos esqueletos no armário criar atrito com um futuro ministro do STF. O Ministério Público do Paraná acabou de emitir um parecer pedindo sua cassação por prática de abuso econômico na última eleição. O ex-juiz vai se tornar ex-senador. É só uma questão de tempo.
A nomeação de Dino causou fraturas expostas dentro da extrema direita. Não só Moro, mas todos os senadores bolsonaristas que mantiveram o voto secreto viraram alvo de desconfiança. Além de Dallagnol, vários políticos do núcleo duro do bolsonarismo foram às redes sociais para expressar sentimento de revolta com os traidores. Eles têm suas razões. Entre os processos que serão herdados por Dino estão a ação da CPI da Covid contra Bolsonaro, a ação contra o indulto natalino de Bolsonaro, a ação sobre a descriminalização do aborto, entre outras que são consideradas importantes para o bolsonarismo. O fim de ano será amargo para os extremistas. E, como se sabe, a regra é clara: se os golpistas de extrema direita estão tristes, os democratas têm muito o que comemorar.
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