Sítio arqueológico na cidade de Anchieta remonta a civilização indígena de 600 anos.

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Empresa de filho de vice-prefeito destruiu sítio arqueológico para montar escritório no Espírito Santo

Sem licença ambiental e autorização do Iphan, a construtora Tecfort avançou sobre área de sítio arqueológico indígena de 600 anos para construir escritório e galpão.

Sítio arqueológico na cidade de Anchieta remonta a civilização indígena de 600 anos.

Um escritório e um galpão metálico de 368 metros, usado como estacionamento, foram erguidos por uma construtora em cima do sítio arqueológico Bota Fora/Rio Una 1, na cidade de Anchieta, ao sul do Espírito Santo. A situação foi descoberta em setembro deste ano, quando fiscais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, encontraram  pedaços de cerâmicas coloridas, possivelmente de origem Tupiguarani, fragmentos de lanças, e solo antrópico perto da estação de tratamento de esgotos da Companhia Espírito-santense de Saneamento, a Cesan.

A empresa responsável pela obra é a Tecfort, uma construtora que tem como proprietário Ramon Albani de Souza. Ele é filho de Carlos Waldir de Souza, do MDB, atual vice-prefeito da cidade. O sítio Bota Fora/Rio Una 1 foi tombado há 10 anos pelo Iphan – ele representa uma civilização que viveu naquele local no período pré-colonial, de quase 600 anos atrás. 

Anos atrás, no local de construção do galpão, existia um lixão chamado Bota Fora. “Apesar do descarte irregular de resíduos ali, a matriz arqueológica do solo ainda estava presente. E de certa forma ainda está. Apesar desta atividade ter causado um impacto, não foi capaz de destruir completamente. Por isso houve um procedimento judicial, movido pelo Ministério Público Federal”, contou Yuri Batalha, técnico do Iphan. 

Em 2008, o governo do Espírito Santo recomendou o fechamento de todos os lixões e o aterro foi desativado. Só voltou a ser ocupado este ano pelo galpão da TecFort, que além de estacionamento também usa como depósito da construtora.

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Nos arquivos do Iphan, a partir de relatórios de pesquisa, o sítio arqueológico a céu aberto é caracterizado como relacionado aos indígenas tupiguaranis, “onde é possível observar a presença de artefatos míticos, cerâmica com decoração policromada ou plástica e restos humanos”, diz trecho do documento.  Registros arqueológicos costumam ser protegidos pelo Iphan para estudar o processo de ocupação humana em determinadas regiões.

Segundo a arqueóloga Loredana Ribeiro, que fez um reconhecimento do local, em 2006, o sítio arqueológico possui mais de 75 mil metros quadrados. “É uma área urbana, então os artefatos foram arrastados pelo movimento dos carros e das pessoas. Poderia ser uma aldeia menor ou maior, mas não há dúvidas de que era uma aldeia indígena bem grande. É inquestionável a relevância que este sítio poderia trazer como quantidade de informações a respeito daquele povo, como a vida cotidiana, alimentação, lazer, como essa aldeia se articulou com outras. Tem uma relevância científica, cultural, social absurda “, explicou.

Em Anchieta, às margens beiras do rio Benevente, há pouco mais de um quilômetro do galpão recém-construído, fica o Porto do Mandoca, tombado em dezembro, também com antigas construções com restos de moluscos, chamadas de sambaquis, além de vestígios de fornalhas primitivas utilizadas para a produção de cal. O processo de tombamento desse local está em análise. 

“Fazer uma intervenção destrutiva em um sítio arqueológico conhecido há décadas é muito grave, do ponto de vista de infração da legislação. Eu já havia denunciado a Prefeitura por conta do lixão Bota Fora. Quem define essa infração é o Iphan, já que, desde a década de 1960, o patrimônio arqueológico pertence à União”, diz Ribeiro.

O caso do galpão ainda está em análise, mas, segundo Batalha, o dono do galpão pode ser obrigado a custear algum projeto arqueológico, como a construção de um museu. Ou pagar uma multa em valor estabelecido pelo Ministério Público.

Prefeitura dispensou licença ambiental para empresa do filho do vice-prefeito

Mesmo com a área protegida, a Secretaria de Meio Ambiente da cidade dispensou a necessidade de licenciamento ambiental para a obra. A Secretaria de Infraestrutura municipal até solicitou à empresa Tecfort um parecer favorável do Iphan, mas liberou o início das obras, em 10 de janeiro, mesmo sem a presença deste documento – que até hoje não consta na documentação da empresa.

Uma semana antes, Souza, proprietário da Tecfort, levou uma multa da Secretaria municipal de Meio Ambiente ao ser flagrado retirando parte nativa da vegetação sem autorização. Ele, então, entrou com pedido de dispensa de licenciamento e foi prontamente atendido pelo órgão. 

Em resposta ao ofício emitido pelo Iphan, a prefeitura de Anchieta alegou que possui “fundadas dúvidas se a citada construção encontra-se dentro dos limites dos sítios arqueológicos”. Segundo eles, houve “falha na comunicação entre as secretarias [de Meio Ambiente e Infraestrutura] municipais”. 

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Mais do que isso. A Secretaria solicitou que se fosse para estabelecer algum tipo de compensação ao dano, que fosse tratado “exclusivamente de forma administrativa”, sem o embargo da obra ou recuperação da área.  E chegou a dizer que o estrago ambiental já foi feito, e “sob o ponto de vista ambiental a área edificada não mais poderá ser prospectada”.

Mesmo antes da construção do galpão, em 2014, o Ministério Público Federal já tinha proposto uma ação pública para avaliar os danos causados ao sítio arqueológico em outras intervenções urbanas.  Na ação, o MPF cobra do município um compromisso de contratar uma empresa para manutenção e estudo dos artefatos arqueológicos. Segundo o laudo de vistoria do Iphan, a última movimentação do processo era “justamente o resgate do sítio arqueológico que agora encontra-se parcialmente destruído”. 

Empresa Tecfort vence todas as licitações de Anchieta, acusa vereadora

Além da construção irregular, a Tecfort é acusada pela vereadora de oposição Márcia Assad, do Podemos, de vencer todas as licitações municipais desde o início da atual gestão, de Fabrício Petri, do PSB. Além dela, outra empresa também estaria sendo favorecida nas disputas: a SP Engenharia, que pertence a  Thesley de Souza Porto, sobrinho do dono da Tecfort. 

“Eu tenho feito requerimentos à prefeitura e aos secretários desde 2021 para obter mais informações sobre esses contratos. Não tem nada nem no Portal da Transparência. Aqui temos duas empresas que monopolizam as licitações, sempre dominando  as principais obras da cidade. Construção de escola por R$ 12 milhões, reforma de praça por mais R$ 4 milhões”, disse Assad ao Intercept Brasil.

Entramos em contato com Ramon Albani de Souza, dono da construtora, mas ele não se manifestou sobre nossos questionamentos. Apenas encaminhou o contato de Flávio Simões, assessor de comunicação da Prefeitura. Por telefone, Simões repetiu a justificativa dada pela gestão municipal em ofício ao Iphan. Disse ainda que “os processos de expedição de licenças e alvarás são muito rápidos em Anchieta”e que “não houve nenhum beneficiamento por se tratar da empresa do filho do vice-prefeito”.

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