A “inteligência de definição de alvos” – informações usadas para efetuar ataques aéreos e disparar armas da artilharia de longo alcance – teve um papel central no cerco de Gaza por Israel. Um documento obtido pela Lei da Liberdade de Informação sugere que a Força Aérea dos Estados Unidos enviou oficiais especializados exatamente nessa forma de inteligência para Israel no final de novembro.
Desde o início do bombardeio em retaliação ao ataque do Hamas em 7 de Outubro, Israel lançou mais de 29 mil bombas na pequena Faixa de Gaza, de acordo com um relatório da inteligência dos Estados Unidos divulgado no mês passado.
E, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, a administração de Joe Biden tem realizado missões de vigilância utilizando o voo de drones sobre Gaza, desde pelo menos o início de novembro – supostamente, para o resgate de reféns pelas forças especiais.
No momento em que o uso dos drones foi revelado, o general norte-americano Pat Ryder insistiu na justificativa de que as forças de operações especiais enviadas a Israel para orientar no resgate de reféns “não participavam da definição dos alvos [pelas Forças de Defesa de Israel]”.
“Solicitei à minha equipe compartilhar informações de inteligência e enviar mais especialistas de todo o governo dos Estados Unidos para orientar e aconselhar seus pares de Israel sobre os esforços de recuperação de reféns”, disse o presidente Joe Biden três dias após o ataque do Hamas.
Mas, várias semanas depois, em 21 de novembro, a Força Aérea dos Estados Unidos emitiu diretrizes para o destacamento de oficiais, incluindo oficiais de inteligência, com destino a Israel.
Especialistas dizem que uma equipe de oficiais desse tipo, dedicados à definição de alvos, seria usada para fornecer inteligência com base em informações de satélite aos israelenses, com a finalidade de seleção de alvos para ataque.
“Eles provavelmente estão definindo pessoas e oficiais como alvos”, explicou Lawrence Cline, que serviu como oficial de inteligência no Iraque antes da aposentadoria, em entrevista ao The Intercept.
A inteligência de definição de alvos refere-se à identificação e caracterização das atividades inimigas, incluindo lançamentos de mísseis e artilharia, localização de centros de liderança, comando e controle, e instalações fundamentais.
“O que percebo é que temos muitos ativos globais em termos de satélites e afins, e os israelenses têm muitos em termos de cobertura de radar mais localizada”, prosseguiu Cline.
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As diretrizes de destacamento foram emitidas pelo Comando da Força Aérea do Pentágono para o Oriente Médio, a Air Forces Central, em 21 de novembro. O documento fornece instruções para os oficiais da aeronáutica enviados ao país, incluindo uma “equipe de relações de defesa aérea”, bem como “aviadores designados como Oficial de Engajamento de Inteligência (IEOs)”.
Cline detalhou que os oficiais de Engajamento de Inteligência coordenam a inteligência entre os Estados Unidos e as forças armadas aliadas. Quando destacado no Iraque, Cline, que agora trabalha como instrutor do Programa de Bolsas de Estudo de Contraterrorismo do Departamento de Defesa, lembrou que ele e outros IEOs formavam uma pequena equipe que passava “provavelmente três quartos de nosso tempo trabalhando com os iraquianos, e o outro quarto prestando contas ao quartel-general”, acrescentando que o trabalho “era meio a meio, relacionamento e orientação”.
Questionado sobre a missão dos oficiais, a Agência de Inteligência de Defesa encaminhou as perguntas à Central das Forças Aéreas, que não respondeu ao pedido de comentário. Nem o escritório do secretário de Defesa, nem o Comando Central responderam aos pedidos de comentário.
O processo de engajamento de inteligência fornece um mecanismo discreto por meio do qual os Estados Unidos podem coordenar com os militares israelenses, uma possibilidade valiosa em meio às questões políticas sensíveis do conflito.
Uma cartilha do Exército dos Estados Unidos define o engajamento de inteligência como uma ferramenta “poderosa” que é útil “especialmente quando a política dos Estados Unidos pode restringir a nossa interação”, uma vez que “muitas vezes não requer grandes orçamentos, nem deixa grandes pegadas”. Especialistas dizem que esse pode ser o caso na atual situação.
Tyler McBrien, gerente editorial da Lawfare, um site especializado na Lei de Segurança Nacional, disse que parece haver uma “exceção para Israel” nas regras dos Estados Unidos em relação à assistência militar.
Ex-presidentes emitiram várias ordens executivas proibindo o governo dos Estados Unidos de realizar ou patrocinar assassinatos no exterior. Tal proibição foi interpretada de forma a incluir ataques a civis durante a guerra, de acordo com um recente artigo na revista Foreign Affairs escrito por Brian Finucane, um antigo consultor jurídico do Departamento de Estado que agora trabalha para o Crisis Group.
E a chamada Lei Leahy, um conjunto de emendas orçamentárias que trazem o nome do senador Patrick Leahy, exige que o governo dos Estados Unidos censurem unidades militares estrangeiras por “violações graves dos direitos humanos” ao fornecer treinamento ou ajuda a essas unidades. Vários membros progressistas do Congresso demonstraram a preocupação de que a ajuda dos Estados Unidos a Israel – antes e durante a atual guerra – viole esse requisito.
“Para missões de orientação aéreas que, imagino, envolvam compartilhamento e treinamento de inteligência, restrições legais domésticas específicas, como a lei Leahy e a proibição de assassinato, provavelmente estariam em jogo”, disse McBrien.
Mas o processo de verificação da lei Leahy é “reverso” para o caso de Israel. Em vez de examinar as unidades militares israelenses com antecedência, o Departamento de Estado dos Estados Unidos envia ajuda e aguarda relatos de violações, de acordo com um recente artigo de Josh Paul, que renunciou ao seu cargo como oficial-militar do Departamento de Estado por suas preocupações com o apoio dos Estados Unidos a Israel.
“Como uma questão geral, as autoridades dos Estados Unidos que estão fornecendo apoio a outro país durante conflitos armados gostariam de garantir que não estão ajudando nem favorecendo crimes de guerra”, disse Finucane ao Intercept.
Ele enfatizou que o mesmo princípio se aplica a transferências de armas e compartilhamento de inteligência.
Os militares de Israel atacam intencionalmente infraestruturas civis palestinas, conhecidas como “power targets”, a fim de “criar um choque”, de acordo com uma investigação do site de notícias israelense +972 Magazine. Os alvos são definidos usando um sistema de inteligência artificial conhecido como “Habsora”, palavra hebraica para “evangelho”.
“Nada acontece por acidente”, disse uma fonte de inteligência militar israelense à revista +972. “Quando uma menina de 3 anos é morta em uma casa em Gaza, é porque alguém do Exército decidiu que não era um grande problema que ela fosse morta – que era um preço que valia a pena pagar para atingir [outro] alvo. Não somos o Hamas. Esses foguetes não são aleatórios. Tudo é intencional. Sabemos exatamente quanto dano colateral há em todas as casas”.
O governo Biden não mediu esforços para ocultar a natureza do seu apoio aos militares israelenses. O Pentágono recorreu discretamente ao chamado Tiger Team para facilitar a assistência armamentista a Israel, como o The Intercept relatou anteriormente.
O governo também se recusou a revelar quais os sistemas de armas que fornece a Israel e em que quantidades, insistindo que o sigilo é necessário por razões de segurança.
“Estamos tomando cuidado para não quantificar ou entrar em muitos detalhes sobre o que eles estão recebendo – para seus próprios fins de segurança operacional, é claro”, disse o porta-voz da Casa Branca John Kirby a repórteres durante uma coletiva de imprensa em outubro.
Essa abordagem é diferente do apoio à Ucrânia, que tem sido muito mais transparente. O governo forneceu uma lista detalhada do seu apoio de armas à Ucrânia, um país que está, no mínimo, sob ameaça em meio à invasão da Rússia.
A Casa Branca nunca falou sobre essa contradição. As administrações anteriores também forneceram informações públicas detalhadas sobre o apoio dos Estados Unidos para as campanhas militares sauditas e dos Emirados no Iêmen, que as autoridades dos Estados Unidos alegam terem sido destinadas a reduzir as baixas civis.
O sigilo “pode refletir o fato de os Estados Unidos terem interesses que estão em conflito, que a administração Biden tenha interesses que estão em conflito”, disse Finucane.
“Por um lado, querem abraçar e apoiar publicamente Israel, fornecendo o que parece ser um apoio incondicional. Por outro lado, não querem ser vistos como responsáveis por levar o país para outra guerra no Oriente Médio”, completou.
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Este texto foi originalmente publicado em inglês em 11 de janeiro de 2024.
Tradução: Antenor Savoldi
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