Ativistas pró-Palestina marcham em uma Greve Global por Gaza, realizada diante dos ataques de Israel, em frente à entrada do New York Times em dezembro.

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Crianças palestinas são ‘menores’: veja como a mídia dos EUA protegeu Israel

Análise quantitativa mostra que principais jornais distorceram sua cobertura em prol das narrativas de Israel nas seis primeiras semanas do ataque a Gaza.

Ativistas pró-Palestina marcham em uma Greve Global por Gaza, realizada diante dos ataques de Israel, em frente à entrada do New York Times em dezembro.

A cobertura dos jornais New York Times, Washington Post e Los Angeles Times sobre a guerra de Israel em Gaza mostrou consistentemente um viés contrário aos palestinos, segundo uma análise feita pelo Intercept sobre a cobertura da grande mídia

Os meios de comunicação impressos, que desempenham um papel bastante influente nos EUA sobre a visão do conflito entre israelenses e palestinos, deram pouca atenção ao impacto sem precedentes do cerco e do bombardeio de Israel sobre as crianças e os jornalistas na Faixa de Gaza. 

Os principais jornais dos EUA enfatizaram desproporcionalmente as mortes de israelenses no conflito; usaram linguagem emotiva para descrever as mortes de israelenses, mas não as de palestinos; e deram cobertura desigual aos atos antissemitas nos EUA, ao mesmo tempo que praticamente ignoraram o racismo islamofóbico após 7 de outubro. 

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Ativistas a favor dos palestinos acusaram as principais publicações de viés pró-Israel, e houve protestos na sede do New York Times em Manhattan contra a cobertura em Gaza, uma acusação que é corroborada por nossa análise.

A análise de código aberto se concentra nas primeiras seis semanas do conflito, desde os ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro, que mataram 1.139 israelenses e trabalhadores estrangeiros, até 24 de novembro, o começo da “trégua humanitária” de uma semana acordada entre ambas as partes para facilitar a troca de reféns. 

Durante esse período, 14,8 mil palestinos, incluindo mais de 6 mil crianças, foram mortos pelo bombardeio de Israel em Gaza. Atualmente, o número de palestinos mortos é superior a 22 mil.

O Intercept colecionou mais de mil matérias dos jornais New York Times, Washington Post e Los Angeles Times sobre a guerra de Israel em Gaza e registrou os usos de certos termos-chave e o contexto em que foram usados. 

A contagem revela um desequilíbrio óbvio na cobertura de números israelenses e pró-Israel, na comparação com as vozes da Palestina e favoráveis à Palestina, com usos que favorecem as narrativas israelenses em detrimento das palestinas.

A tendência anti-palestina na mídia impressa vai ao encontro de uma pesquisa semelhante com canais de notícias na TV a cabo dos EUA, conduzida pelos autores no mês passado para o site de notícias The Column, que encontrou uma disparidade ainda maior.

O que está em jogo nessa desvalorização cotidiana das vidas palestinas não tem como ser mais relevante: enquanto o número de mortos em Gaza aumenta, cidades inteiras são destruídas e tornadas inabitáveis por anos, e linhagens familiares são completamente dizimadas, a influência do governo americano é enorme, como principal patrocinador e fornecedor de armas de Israel. A forma como a imprensa apresenta o conflito faz com que haja menos desvantagens políticas em firmar o apoio a Israel. 

Segundo a análise, a cobertura das primeiras seis semanas de guerra pinta um quadro sombrio do lado palestino, que pode dificultar a humanização dos palestinos, e, portanto, o surgimento de empatia entre os americanos. 

Para obter esses dados, buscamos todos os artigos que contivessem palavras relevantes (como “palestino”, “Gaza”, “israelense” etc.) em todos os três sites de notícias. Em seguida, analisamos cada frase de cada artigo, e fizemos a contagem de certos termos. 

Para essa análise, omitimos todos os editoriais e cartas ao editor. O conjunto de dados básico está disponível aqui, e um conjunto de dados completo pode ser obtido por e-mail enviado para [email protected].

Nossa pesquisa sobre a cobertura teve quatro conclusões fundamentais.

Mídia cobriu mortes em Israel de forma desproporcional

Nos jornais New York Times, Washington Post e Los Angeles Times, as palavras “israelense” ou “Israel” aparecem mais do que “palestinos” ou variações disso, mesmo depois que as mortes de palestinos ultrapassaram de longe as de israelenses. 

Para cada duas mortes de palestinos, os palestinos são mencionados uma única vez. Para cada morte de israelense, os israelenses são mencionados oito vezes. 


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‘Massacre’ de israelenses, não de palestinos

Termos altamente emotivos para a morte de civis, como “carnificina”, “massacre” e “terrível” foram destinados quase exclusivamente para os israelenses mortos por palestinos, não o contrário. (Quando os termos apareceram entre aspas, não na voz editorial da publicação, foram omitidos da análise.)

O termo “slaughter” (carnificina) foi usado por editores e repórteres para descrever o assassinato de isralenses em uma proporção de 60 contra um em relação ao de palestinos, e “massacre” foi usado para descrever o assassinato de israelenses na proporção de 125 contra 2dois 

“Terrível” foi usado para descrever o assassinato de israelenses, em relação ao de palestinos, numa proporção de 36 contra quatro. 

Uma manchete típica do New York Times, em uma matéria no meio de novembro sobre o ataque de 7 de outubro, dizia: “Eles correram para um abrigo antiaéreo em busca de segurança. Em vez disso, sofreram uma carnificina.” 

Compare-se isso com o perfil mais favorável aos palestinos feito pelo Times sobre as mortes em Gaza, em 18 de novembro: “A guerra transforma Gaza em um ‘cemitério’ de crianças“. 

“Cemitério”, nesse caso, é uma citação da ONU, e os próprios assassinatos estão em voz passiva. Em sua própria voz editorial, a matéria do Times sobre as mortes em Gaza não usa termos emotivos comparáveis aos que usou na matéria sobre o ataque de 7 de outubro. 

O Washington Post usou “massacre” várias vezes em sua cobertura para descrever o 7 de outubro. “O presidente Biden enfrenta crescente pressão de parlamentares de ambos os partidos para punir o Irã após o massacre do Hamas”, diz uma matéria do Post. 

Uma matéria de 13 de novembro do jornal sobre como o cerco e o bombardeio de Israel mataram um em cada 200 palestinos não usa nem uma vez as palavras “massacre” ou “carnificina”. Os mortos palestinos foram simplesmente “mortos”, ou “morreram” – frequentemente, na voz passiva. 

Crianças e Jornalistas

Apenas duas manchetes dentre as mais de 1,1 mil matérias jornalísticas analisadas mencionam a palavra “crianças” em relação às crianças de Gaza. 

Em uma exceção memorável, o New York Times publicou no final de novembro uma matéria de primeira página sobre o ritmo histórico dos assassinatos de mulheres e crianças palestinas, embora nenhum dos dois grupos aparecesse na manchete. 

Embora a guerra de Israel em Gaza seja talvez a mais mortal na história moderna para as crianças, quase todas palestinas, são raras as menções à palavra “crianças” e termos relacionados nas manchetes dos artigos pesquisados pelo Intercept. 

Enquanto isso, as autoridades de Gaza reportaram mais de 6 mil crianças mortas no momento da trégua, e o número atualmente chega a 10 mil. 

Guerra de Israel em Gaza pode ser a mais mortal para crianças, mas elas raramente são mencionadas em manchetes.

E enquanto a guerra em Gaza tem sido uma das mais mortíferas na história moderna para os jornalistas, principalmente palestinos, a palavra “jornalistas” e suas iterações, como “repórteres” e “fotojornalistas”, só aparece em nove manchetes dos mais de 1,1 mil artigos estudados. 

Aproximadamente 48 repórteres palestinos já haviam sido mortos por bombardeios israelenses na época da trégua; atualmente, o número de jornalistas palestinos mortos passa de 100. Apenas quatro entre nove artigos contendo as palavras jornalista/repórter se referiam a repórteres árabes.

A falta de cobertura sobre o assassinato sem precedentes de crianças e jornalistas, grupos que tradicionalmente atraem a simpatia dos meios de comunicação ocidentais, é evidente. 

A título de comparação, mais crianças palestinas morreram na primeira semana do bombardeio em Gaza do que durante todo o primeiro ano da invasão da Rússia na Ucrânia, e, no entanto, New York Times, Washington Post e Los Angeles Times publicaram diversas matérias pessoais, favoráveis, destacando a situação das crianças durante as seis primeiras semanas da guerra na Ucrânia. 

A já mencionada matéria de primeira página do New York Times e uma coluna do Washington Post foram raras exceções à escassez de cobertura sobre as crianças palestinas.

Assim como no caso das crianças, New York Times, Washington Post e Los Angeles Times se detiveram sobre os riscos aos jornalistas na guerra da Ucrânia, e publicaram várias matérias detalhando os perigos de cobrir a guerra durante as primeiras seis semanas após a invasão russa. 

Seis jornalistas foram mortos nos primeiros dias da guerra na Ucrânia, em comparação aos 48 mortos durante as seis primeiras semanas do bombardeio de Israel em Gaza.   

A assimetria na cobertura sobre as crianças é qualitativa, além de quantitativa. Em 13 de outubro, o Los Angeles Times publicou uma matéria da Associated Press que dizia: “O Ministério da Saúde de Gaza declarou na sexta-feira que 1.799 pessoas foram mortas no território, incluindo mais de 580 menores de 18 anos e 351 mulheres. O ataque do Hamas no último sábado matou mais de 1,3 mil pessoas em Israel, incluindo mulheres, crianças e jovens participantes do festival de música”. 

Observe-se que os jovens israelenses são chamados de crianças, enquanto os jovens palestinos são descritos como menores de 18 anos. 

Durante as discussões sobre troca de prisioneiros, a frequente recusa em se referir aos palestinos como crianças foi ainda mais dura e, em um caso específico, o New York Times se referiu a “mulheres e crianças israelenses” sendo trocadas por “mulheres e menores palestinos”. 

As crianças palestinas são chamadas de “crianças” posteriormente na matéria, ao resumir as conclusões de um grupo de defesa de direitos humanos.

Uma matéria do Washington Post de 21 de novembro anunciando um acordo de trégua apagou completamente as mulheres e as crianças: “O presidente Biden declarou em um comunicado na noite de terça-feira um acordo para libertar 50 mulheres e crianças mantidas reféns pelo Hamas em Gaza, em troca de 150 prisioneiros palestinos detidos por Israel”. 

O documento não menciona mulheres e crianças palestinas em momento algum.

Cobertura do antissemitismo tem mais espaço que da islamofobia

De forma semelhante, quando se trata da repercussão do conflito em Gaza na forma de ódio nos EUA, os principais jornais deram mais atenção aos ataques antissemitas do que aos ataques contra os muçulmanos. 

No geral, houve um foco desproporcional no racismo em relação ao povo judeu, em oposição ao racismo direcionado a muçulmanos, árabes, ou pessoas percebidas como tal. 

Durante o período do estudo do Intercept, New York Times, Washington Post, e Los Angeles Times mencionaram antissemitismo mais do que islamofobia (549 contra 79) – e isso foi antes da meta-controvérsia sobre “antissemitismo no campus” fabricada pelos republicanos no Congresso, que começou na semana de 5 de dezembro.

Apesar da ocorrência de muitos casos de grande repercussão durante o período da pesquisa, tanto de antissemitismo, quanto de racismo islamofóbico, 87% das menções sobre discriminação diziam respeito ao antissemitismo, contra 13% de menções sobre islamofobia, incluindo os termos relacionados. 

LEGENDA: Projeção afirma que o Washington Post é “conivente com genocídio” de Israel durante uma manifestação por Gaza no dia de ação pela Palestina, em 12 de outubro de 2023.

Quando os Grandes Jornais Falham

No geral, os assassinatos praticados por Israel em Gaza não recebem cobertura proporcional, nem em extensão, nem impacto emocional, na comparação com as mortes de israelenses em 7 de outubro. 

Essas mortes são, em regra, apresentadas como números arbitrariamente altos e abstratos. Os assassinatos tampouco são descritos com linguagem emotiva como “massacre”, “carnificina”, ou “terrível”. 

As mortes de civis israelenses pelo Hamas são consistentemente retratadas como parte da estratégia do grupo, enquanto as mortes de civis palestinos recebem cobertura quase como se fossem uma série de erros pontuais, cometidos milhares de vezes, apesar dos inúmeros elementos indiciários que sinalizam a intenção de Israel de causar danos a civis e infraestrutura civil.

O resultado é que os três principais jornais americanos raramente deram cobertura humanizante aos palestinos. Apesar dessa assimetria, as pesquisas mostram que, entre os democratas nos EUA, a opinião pública está se tornando mais favorável aos palestinos que a Israel, com grandes diferenças geracionais criadas, em parte, por uma importante variação nas fontes de notícias. 

Em geral, os jovens estão se informando sobre o conflito no TikTok, YouTube, Instagram, e Twitter, e os americanos mais velhos estão recebendo as notícias dos meios de comunicação impressos e canais de TV a cabo. 

A cobertura tendenciosa nos principais jornais e na televisão tradicional está impactando a percepção geral sobre a guerra, e direcionando os telespectadores a uma visão distorcida sobre o conflito. Isso levou especialistas e políticos pró-Israel a culparem a “desinformação” das redes sociais pelas opiniões favoráveis aos palestinos. 

Uma análise tanto dos meios impressos quanto dos canais de televisão, no entanto, deixa claro que, se existe um grupo de consumidores de mídia que está recebendo uma imagem distorcida, são aqueles que recebem as notícias dos meios de comunicação de massa tradicionais dos EUA.  

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Este texto foi originalmente publicado em inglês em 9 de janeiro de 2024.

Tradução: Deborah Leão

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