Domingos Brazão foi apontado pelo ex-policial Ronnie Lessa como um dos mandantes da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, em crime ocorrido em março de 2018. Essa informação foi publicada de forma exclusiva pelo Intercept Brasil nesta terça-feira, 23.
Domingos Brazão nega qualquer envolvimento no crime. Em entrevista ao site Metrópoles, ele foi veemente em rebater as acusações. Nós também havíamos falado com seu advogado, Márcio Palma, que disse desconhecer essa informação na delação dada por Ronnie Lessa.
Lessa está preso desde março de 2019 e é acusado de ter disparado a submetralhadora usada no crime. Mas quem é Domingos Brazão? E por que ele teria contratado um ex-policial do Bope para executar a vereadora do Psol?
Domingos é o mais novo dos seis irmãos da família Brazão, mas é ele quem lidera o clã político do grupo. Foi também o primeiro a entrar para a política, ainda em 1996, quando se elegeu vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PL.
Dois anos depois, no PTdoB, conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Em 2000, saiu candidato a prefeito – amargou o oitavo lugar nas disputas, mas ganhou ainda mais poder e visibilidade, que lhe garantiram consecutivas reeleições, na época filiado ao MDB.
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Outros dois irmãos seguiriam seus passos: Chiquinho Brazão, vereador do Rio de Janeiro de 2004 a 2018, e deputado federal pelo Avante há cinco anos e Pedro Brazão, o primogênito, que entrou apenas em 2018 nas disputas eleitorais, pelo Partido da República, o PR.
Domingos Brazão só abandonaria o cargo de deputado estadual em 2015, para assumir uma cadeira de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado, o TCE. Na época, o então governador Luiz Fernando Pezão nomeou Brazão após ele ser escolhido em sessão plenária na Alerj onde recebeu 61 dos 66 votos. Também se desfiliou do MDB para assumir o posto.
Domingos Brazão já foi preso e tem vida marcada por denúncia de corrupção
Seus anos anos na Alerj foram marcados por denúncias de corrupção, aumento patrimonial suspeito, compra de voto e improbidade administrativa.
Em 2011, ele chegou a ter o mandato cassado por fazer assistencialismo com a ONG Centro de Ação Social Gente Solidária, ligada à família dele, mas recuperou na justiça o direito ao cargo.
Ao longo dos mandatos, o clã Brazão passou a investir pesado no ramo de combustíveis. E acumulou uma fortuna: Domingos conquistou o primeiro milhão em 2006 e, quatro anos depois, declarou um patrimônio superior a R$ 5 milhões. Mas o valor pode ser bem maior.
Segundo Chico de Gois, no livro “Os bens que os políticos fazem”, por diversas vezes Brazão declarou participação societária menor nas empresas do que realmente tinha. “Não é correta a informação, constante no TRE, de que sua cota de 50% no Posto Gasolina Imperador, na Pavuna, limitava-se a R$ 65 mil. Na Junta Comercial ele constava como sócio desde 2010, com participação de R$ 105 mil”, diz trecho do livro.
Domingos Brazão já matou um homem atirando pelas costas
Em março de 1987, quando tinha 22 anos, Domingos Brazão matou a tiros um homem e feriu outro por causa de uma desavença entre vizinhos.
O inquérito policial mostrou que ele perseguiu os dois homens e efetuou os disparos pelas costas. Ele alegou legítima defesa. O caso nunca foi submetido a júri popular e tramitou durante 15 anos até a denúncia ser rejeitada pela corte especial do Tribunal de Justiça, quando Brazão era deputado estadual.
“A autoridade policial destacou, à época, a índole violenta e perigosa do réu, que constantemente portava arma e se unira a ‘grileiros’ que disputavam a posse das terras na região”, afirmou em 2002, José Muiños Pinheiro Filho, então procurador-geral de Justiça, chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, e posteriormente desembargador.
Essa “união com os grileiros” acompanhou a família Brazão nos negócios e nos gabinetes – o próprio Domingos chegou a ser investigado pela polícia por invadir áreas de proteção ambiental e vender lotes ilegalmente, mas o processo não deu em nada.
Segundo Gois, João do Aterro, taxista e amigo pessoal de Domingos, foi sócio de Chiquinho e Pedro numa empresa de autopeças e veículos. Ele foi acusado de adulterar combustíveis, grilagem de terra e venda de tratores roubados – e acabou assassinado em maio de 2008, quando estava brigado com a família.
João do Aterro era amigo de outro funcionário de Brazão: o advogado Marcelo Penna, lotado no gabinete do deputado estadual até maio de 2009. Ele foi preso em uma operação da Polícia Civil do Rio que investigava um grupo de milicianos de Anchieta, na zona norte da cidade e pertencia ao grupo batizado de Milícia do Mirra, por ser liderada pelo ex-policial militar Fabrício Fernandes Mirra.
O grupo teria sido contratado por milicianos de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, e reduto eleitoral dos Brazão, para matar duas pessoas: Marcelo Freixo e o delegado Vinícius George.
As disputas entre Brazão e Marcelo Freixo
Ao longo dos mandatos na Alerj, Brazão colecionou brigas com um deputado em especial: Marcelo Freixo, eleito em 2007 pelo Psol. Marielle Franco, assassinada a tiros em 2018, trabalhou como assessora de Freixo por 10 anos, até ser eleita vereadora, em 2016.
Logo em seu primeiro ano de mandato, Freixo tentou emplacar uma CPI para investigar o dinheiro vindo das partidas de futebol. Segundo o livro “Os bens que os políticos fazem”, de Chico de Gois, Brazão, amigo do ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, lutou bravamente para derrotar o colega da Alerj. E ainda deixou um recado: “O Romário já dizia que quem chega agora não senta na janela, não, vai demorar um pouquinho para dar olé em todo mundo. (…) Não passa direto do júnior para a seleção brasileira, demora um pouquinho para dar olé na maioria dos veteranos que estão aqui”, disse em plenário.
No ano seguinte, no entanto, o “júnior” conseguiu a aprovação e presidência de uma CPI para investigar as milícias no Rio de Janeiro.
No relatório final elaborado pela equipe de Freixo, Domingos e Chiquinho são citados como influentes políticos em bairros dominados por milicianos – mas não chegaram a ser indiciados. O ex-vereador Nadinho, assassinado em 2009, ligado à milícia, prestou depoimento à CPI e relatou que Domingos Brazão havia feito campanha em Rio das Pedras no ano anterior – em áreas dominadas por milicianos são liberadas apenas propagandas eleitorais de políticos amigos.
Apesar de não ter indiciado Brazão ao final da CPI, Freixo seguiu incomodando o ex-deputado. Ele tentou barrar, em 2015, a indicação de Brazão ao TCE. Não deu certo, Brazão foi escolhido pela casa para assumir o cargo de conselheiro do TCE – o único partido a se opor foi o Psol de Freixo, mas sem sucesso.
Dois anos depois, Domingos Brazão seria preso na Operação “O quinto do ouro”, um desdobramento da Lava Jato no Rio, que investigou esquema de pagamento de propina entre agentes do Estado e empresas contratadas por órgãos públicos. Ele foi preso temporariamente em março de 2017, mas liberado depois.
Naquele mesmo ano, a Operação Cadeia Velha, deflagrada em novembro de 2017, cinco meses antes do assassinato da vereadora, puxaria outros aliados de Brazão para a cadeia. Nomes fortes do MDB no estado foram presos nesta operação da Polícia Federal, a exemplo dos deputados estaduais Paulo Melo, Edson Albertassi e Jorge Picciani, morto em maio de 2021.
Albertassi, pouco antes de ser preso, havia sido indicado para uma vaga no TCE. Dessa vez, a investida funcionou. Freixo obteve uma liminar na Justiça impedindo a posse do deputado no TCE. No dia 14 de novembro, o parlamentar desistiu do cargo.
Naquele mesmo mês, ele, Melo e Picciani foram presos por esquema de corrupção na Assembleia Legislativa. Segundo o Ministério Público Federal, os três receberam propina para ajudar a aprovar medidas legislativas em benefício de empresas de transportes públicos e construção civil.
Freixo defendeu a manutenção da prisão dos três deputados no plenário da Assembleia Legislativa. A Comissão de Constituição e Justiça da casa votou no dia 17 de novembro de 2017 um relatório favorável à soltura dos deputados. Freixo enfatizou sua posição contrária aos colegas da Casa.
“O que está em jogo agora é uma denúncia das mais graves e que tem relação com o que foi feito nos últimos 10 anos. Se hoje a gente tem uma crise social profunda, se tem uma crise financeira profunda, isso se dá por um modus operandi que está ali dentro e que hoje, segundo o Tribunal de Justiça, estão respondendo por fazer parte de uma organização criminosa. É sobre isso que vamos votar e sobre isso que seremos cobrados na rua, como determina a boa democracia, quem tem vida pública não tem medo de ser cobrado na rua. Evidente que vamos votar contrário ao relatório da CCJ”, disse Marcelo Freixo.
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