Depois que o Intercept Brasil revelou com exclusividade que Ronnie Lessa, ex-policial do Bope, delatou Domingos Brazão como o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, o bolsonarismo entrou em parafuso e passou a fazer o que faz de melhor: jogar areia nos olhos do público e forçar uma guerra de narrativas em uma tentativa de turvar os fatos. Nesse mundinho paralelo, o PT é o responsável pelo assassinato de Marielle, assim como foi pela destruição dos prédios dos Três Poderes, no 8 de janeiro.
Vale lembrar que a delação de Ronnie Lessa ainda precisa ser homologada no Superior Tribunal de Justiça, o STJ. E a Polícia Federal juntar as provas para comprovar que Domingos Brazão foi mesmo o mentor do crime. Por enquanto, o ex-deputado nega com veemência qualquer envolvimento no caso.
Alimentados pelo deputado extremista Nikolas Ferreira — o princesinho das fake news — o bolsonarismo tentou emplacar a ideia de que Domingos Brazão é um político “petista”. A justificativa para ligar o mandante ao PT seria o fato dele ter feito campanha para Dilma na década passada. Segundo essa lógica peculiar, Jair Bolsonaro e Waldemar da Costa Neto também poderiam ser chamados de “petistas”, já que no passado foram apoiadores das eleições de Lula. O senador Magno Malta, por exemplo, publicou uma foto de Brazão com um adesivo de Dilma, como se ele próprio já não tivesse sido um entusiasmado cabo eleitoral da petista.
Por algum motivo que, obviamente, não foi explicado, o PT teria interesse em assassinar uma de suas aliadas. Como se sabe, a lógica, o bom senso e a verdade dos fatos não importam para os bolsonaristas. Não há o mínimo pudor em ver suas narrativas sendo atropeladas à luz do dia pelos fatos. O importante é criar um factóide para manter a tropa ativa, unida e mobilizada pelo ódio contra as esquerdas malignas. Isso é o bolsonarismo.
O fato é que Domingos Brazão passou pelo PL, PTB e PMDB. Seus irmãos são deputados do União Brasil, sendo que um deles já fez carreata com Flávio Bolsonaro durante uma campanha eleitoral. Brazão apoiou Jair Bolsonaro nas duas últimas eleições presidenciais. Eis o “petista”!
A proximidade política de Brazão com o bolsonarismo é um fato, mas isso não coloca as digitais da família Bolsonaro no assassinato de Marielle. Não há qualquer indício disso até o momento. Não me parece que o crime seria do interesse direto do ex-presidente ou de algum dos seus filhos, ainda mais no ano em que se disputaria a Presidência da República.
O importante é criar um factóide para manter a tropa ativa, unida e mobilizada pelo ódio contra as esquerdas malignas. Isso é o bolsonarismo.
Naquele momento, a vereadora não era uma pedra no sapato da família. Qualquer tentativa de ligar os Bolsonaro ao crime é forçação de barra. Por outro lado, não pode-se dizer que quem nutre alguma desconfiança está delirando. Há base material na realidade para se desconfiar. É impossível negar as conexões umbilicais entre o núcleo do bolsonarismo com o Escritório do Crime — o grupo de matadores do qual faz parte Ronnie Lessa, o vizinho de Jair Bolsonaro que assassinou Marielle. Durante as investigações do assassinato de Marielle, a Polícia Civil interceptou ligações telefônicas que revelaram uma relação estreita entre a família Brazão e o Escritório do Crime.
Como não lembrar de Flávio Bolsonaro empregando a mãe e esposa de Adriano da Nóbrega — o comandante do grupo de matadores — em seu gabinete? Ou de Jair Bolsonaro prestando-lhe homenagens na Câmara poucos dias antes dele ser preso por assassinato? Ou ainda das visitinhas que o ex-presidente e então deputado costumava lhe fazer na cadeia? A relação da família Bolsonaro com o Escritório do Crime sempre foi estreita. Segundo uma investigação do Ministério Público, a grana das rachadinhas de Flávio Bolsonaro teriam financiado a construção de prédios ilegais em Jacarepaguá para o Escritório do Crime. A relação promíscua da família com esses milicianos é um fato incontornável.
Bolsonaro não tem relação direta com o assassinato de Marielle, mas tem com a tentativa de atrapalhar a investigação do caso. Nesta semana, as investigações da Polícia Federal envolvendo o deputado federal Alexandre Ramagem revelaram que a estrutura da Abin foi utilizada para espionar autoridades públicas durante o governo Bolsonaro. O então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e Camilo Santana, então governador do Ceará, foram algumas das autoridades que tiveram seus passos monitorados pela Abin paralela. Mas não só eles.
Essa estrutura criminosa montada pelos bolsonaristas no governo também foi usada para acompanhar os passos da promotora responsável por investigar o caso Marielle.
Bolsonaro não tem relação direta com o assassinato de Marielle, mas tem com a tentativa de atrapalhar a investigação do caso.
Que interesse teria o governo em espionar essa promotora? As informações coletadas pela espionagem foram repassadas para alguém? Flávio Bolsonaro usou o aparato do estado para municiar com informações seus parceiros envolvidos com o Escritório do Crime? São perguntas que precisam ser respondidas. Dessa vez, não haverá malabarismo que seja capaz de jogar a culpa no PT.
Repita-se: não há elementos que indiquem um vínculo direto entre a família Bolsonaro e o assassinato de Marielle. Mas pode-se afirmar de maneira categórica que membros dessa família mantiveram durante décadas uma relação pessoal, política e financeira com os milicianos do Escritório do Crime.
Pode-se afirmar também que o governo Bolsonaro usou meios ilegais para colher informações sobre a investigação do caso. Eles podem não ter matado Marielle, mas têm amigos que mataram. Que a verdade dos fatos venha à tona.
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