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Em 2019, publiquei uma matéria que analisou projéteis recolhidos pelas ruas do Rio de Janeiro para saber de onde vem essa munição. Hoje, graças ao Exército, isso não seria mais possível.
Os militares aprovaram uma nova norma que permite a policiais e bombeiros recarregarem munição, o que só CACs podiam fazer. Aquelas cápsulas que recolhemos hoje podem ser reutilizadas – e isso é péssimo.
Constatamos na época que balas de sete países voavam pelo Rio, mas a imensa maioria era de fabricação brasileira, algumas delas da Marinha e da Polícia Federal.
Obviamente, elas não foram monitoradas e acabaram disparadas em uma disputa entre traficantes. Mas não apenas. A munição usada para matar Marielle Franco e Anderson Gomes, vale lembrar, veio de um lote comprado pela Polícia Federal.
De lá para cá, o número e os tipos de armamentos nas ruas aumentaram, mas os mecanismos de fiscalização continuaram obsoletos. A portaria 162, publicada em 22 de janeiro de 2014, diz que “alternativamente à aquisição da munição, poderão ser adquiridos insumos necessários para a recarga”.
Há poucos meses, militares desviaram armas de um quartel em São Paulo, e sabe-se que apenas cinco estados do país fazem controle eletrônico de munição nas polícias.
Sabe quando um policial sai para fazer uma operação e pega a arma e a munição para a missão do dia? Há batalhões que anotam esse material retirado do paiol em cadernos, à mão.
Como a permissão para recarga de munição vai impactar um estado como o Rio de Janeiro, onde as milícias – formadas em sua maioria por agentes públicos de segurança – cresceram quase 400% na última década e meia e estão presentes em mais áreas que traficantes? Ou na Bahia, onde o Ministério Público investiga a ação de milícia em 16 cidades?
As respostas não são boas, e há mais alguns detalhes.
Conversei com Floriano Cathalá, instrutor de tiro credenciado pela Polícia Federal, ex-policial militar, atirador desportivo e associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com uma visão peculiarmente ampla, ele levantou alguns pontos.
Para ele, não há problema em a instituição ter máquina de recarga, apenas para munição de treinamento. Mas ele faz uma ressalva: “O policial, individualmente, não precisa de máquina de recarga para a atividade policial, pois a munição para o serviço é e tem que ser fornecida pela instituição. A munição para treinos deveria, também, ser fornecida pela instituição. O policial não pode ser o responsável por providenciar seus instrumentos de trabalho”.
A munição recarregada pode oferecer riscos para quem está no entorno destas operações e para o policial em atividade, inclusive de morte. Envolve ainda questões de responsabilização. Quem vai responder por um caso de morte causada numa situação dessas?
Se a munição fornecida pela instituição falha, a responsabilidade é da instituição. “Se a munição recarregada pelo próprio policial falha em serviço, o policial está assumindo uma responsabilidade que deveria ser do estado, nunca do policial, individualmente”.
Cada estojo de 9 milímetros pode ser recarregado em média 10 vezes antes de rachar. Já o fuzil 5.56 não aguenta mais que cinco ou seis recargas. Se a bala racha, a arma pode travar. E, se isso acontecer quando o policial estiver no meio de uma operação, ele pode ser vitimado.
Pensando que a maioria das polícias militares não faz o devido controle de seu arsenal, como esse novo risco vai ser monitorado?
Como nada disso é levado em consideração? Isso mostra que os militares não se importam com a segurança pública – e nem com os policiais.
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