Brasília, 7 de junho de 2021. Meses antes de sua derrota na eleição, o então presidente Jair Bolsonaro já anunciava o que o Brasil viveria momentos sombrios. Em uma aparição no cercadinho do Palácio da Alvorada diante de seus apoiadores, ele fez uma clara ameaça ao comentar o episódio da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, no início de 2021. “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, nós vamos ter problema pior que os EUA”, disse.
Exatos 1127 dias depois da profecia, na manhã desta quinta-feira (8), finalmente Bolsonaro foi alvo de uma operação Polícia Federal na investigação que apura a autoria intelectual da invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Mas, isso ocorre quase 400 dias depois da tentativa de golpe de estado – mesmo que ele tenha admitido a idealização do ato, que tenha fomentado a desconfiança do processo eleitoral e que não tenha reconhecido a derrota nas urnas.
E Bolsonaro agiu diretamente na preparação do golpe de Estado, como mostra a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que autorizou a operação de hoje. Bolsonaro não só fez alterações em uma minuta do golpe, que previa, entre outras medidas arbitrárias, a prisão do próprio Moraes, do também ministro do STF Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como levou o documento para conhecimento da cúpula das Forças Armadas a fim de pressioná-la a aderir à intentona.
É verdade que a investigação é complexa, que o devido processo legal deve ser respeitado e que até o mais criminoso dos cidadãos deve ter amplo direito à defesa. Mas, chama a atenção que 59 bolsonaristas anônimos, muitos deles trabalhadores de classe média baixa, já tenham sido condenados pelo Supremo Tribunal Federal, alguns a mais de 17 anos de prisão, e que, até o dia de hoje, o mentor confesso e seus principais aliados não tivessem sido, realmente, incomodados pelas autoridades.
Hoje, as coisas começaram a mudar. Bolsonaro tem 24 horas para entregar o passaporte e a operação da PF, com parecer positivo da Procuradoria-Geral da República e aval do STF, mirou comparsas graúdos do ex-presidente. Entre eles, os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro Anderson Torres, os assessores Marcelo Câmara e Filipe Martins, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
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Mas, convenhamos: a busca e apreensão feita pela PF contra os supostos artífices do golpe poderia ter sido deflagrada muito antes. Mesmo assim, é aliviante ver que, enfim, o cerco se fecha contra Bolsonaro – não só nessa investigação, mas em outras, como no caso da falsificação do cartão de vacinação e da venda ilegal de joias presidenciais.
Em todas as acusações que pesam contra o ex-presidente, porém, há um longo caminho que deve ser percorrido para levá-lo à cadeia. Na suposta fraude nos comprovantes de vacinação de Bolsonaro e sua família, por exemplo, a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal já afirmam ter provas dos malfeitos, mas o ex-presidente sequer foi denunciado pela PGR. Depois disso ser feito, a denúncia ainda precisaria ser aceita e julgada pela justiça, bem como toda a possibilidade de recurso esgotada.
No caso de uma apropriação ilegal de joias presidenciais, Bolsonaro chegou a passar mais perto da prisão, em agosto do ano passado. Na ocasião, a Polícia Federal apontou que poderia haver uma obstrução de justiça na tentativa de combinar depoimentos e de recomprar as joias vendidas nos Estados Unidos. Há oito meses, no entanto, a investigação da PF não avança – ao menos, publicamente.
É fato: a casa de Bolsonaro vai cair. Contudo, sua prisão está distante. Por um lado, é bom que seja assim, afinal é preciso de um sistema de justiça que ofereça ampla defesa a todos os cidadãos. Por outro, é lamentável ver peixes pequenos na cadeia enquanto o tubarão que conduz o cardume segue à solta. Isso representa mais o Brasil do que futebol e samba.
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