“Especialistas divergem se é crime trama de Bolsonaro”. Foi com essa manchete que a capa da Folha amanheceu na segunda-feira de carnaval. Depois de uma semana em que se revelou uma pororoca de provas da tentativa de golpe escapando pelas mãos da Polícia Federal, o jornal tentou emplacar no debate público uma falsa controvérsia.
Parece inacreditável, mas a reportagem que recebeu essa manchete não mostra especialistas divergindo. Absolutamente nenhum dos consultados afirmou não haver crime na “trama de Bolsonaro” como afirmou a manchete.
O professor de direito penal Luís Greco, respeitadíssimo na área, fez uma análise em cima da reunião que Bolsonaro teve com ministros três meses antes da eleição. Diz a reportagem: “Ele entende que, a princípio, as reuniões sozinhas nunca serão tentativa destes crimes [golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito], mas que, junto com outros elementos, é possível que haja essa configuração“.
Ou seja, isso significa que a manchete inventou a existência de uma polêmica entre especialistas sobre a ilegalidade da “trama de Bolsonaro”. Ora, é evidente que essa “trama” não se restringe à reunião ministeriall.
Malandramente, a manchete utilizou um fragmento da análise de um único especialista sobre uma reunião isolada, descartou um contexto farto de provas e estampou em letras garrafais a existência de uma grande controvérsia entre especialistas sobre a tentativa de golpe de Bolsonaro. Registre-se que nem o especialista nem a jornalista que assina a reportagem são responsáveis pelo enquadramento dado pela manchete. Essa malandragem vai toda para a conta dos editores.
O fato é que não há nem sequer um especialista sério que olhe para o conjunto da obra e diga que não houve uma tentativa de golpe no Brasil no ano passado. As investigações da Polícia Federal mostram que há numerosas e incontestáveis provas materiais de que Bolsonaro e sua turma tentaram um golpe de estado nos últimos meses de mandato.
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O presidente, ministros, assessores e chefes das Forças Armadas se mobilizaram para evitar a qualquer custo a eleição e depois a posse do novo governo. As denúncias presentes na delação de Mauro Cid estão sendo comprovadas pelos investigadores uma a uma. Elas estão sustentadas por áudios, vídeos de reuniões, mensagens e uma série de documentos como a minuta do golpe e um que decreta estado de sítio.
Soma-se a esse conjunto a postura golpista de Jair Bolsonaro e sua turma antes, durante e depois do seu mandato. Sua carreira como deputado ficou marcada pela defesa visceral do golpe de 1964. Meses antes do seu pai se eleger, Eduardo Bolsonaro afirmou que “bastariam um cabo e um soldado para fechar o STF”. Durante os quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro enfiou a faca no pescoço da democracia com incontáveis ameaças golpistas e ataques infundados ao sistema eleitoral. Após a eleição de Lula, asseclas de Bolsonaro como Anderson Torres permitiram a invasão e destruição dos prédios dos Três Poderes no 8 de janeiro.
Segundo a Constituição, um crime de golpe de estado acontece quando se tenta depor o governo constituído por meio de violência ou grave ameaça. Isso aconteceu no 8 de janeiro, quando militantes incentivados por militares e políticos bolsonaristas atuaram com violência.
Já o crime de abolição do estado democrático de direito acontece quando se atua com violência ou grave ameaça para impedir ou restringir o exercício dos Poderes. Isso também aconteceu ao se planejar a prisão de ministros do STF e do presidente do Senado que, aliás, vinham sendo monitorados ilegalmente pelos golpistas. Não há para onde correr. Está mais do que evidente que houve um planejamento e tentativa de golpe por meio de grave ameaça.
Diante do escancaramento de provas dos crimes contra a democracia, essas tentativas de descredibilizar as últimas ações dos órgãos de investigação e do judiciário beiram o ridículo.
Por incrível que pareça, há mais gente disposta a colocar senões no trabalho da PF e do STF. O guru de Ciro Gomes, o filósofo Mangabeira Unger, tem se movimentado no subterrâneo para tentar livrar a cara do ex-presidente golpista. Ele tem conversado com Bolsonaro e seus aliados mais próximos para traçar uma estratégia para evitar a sua prisão. O guru se mostrou disposto a entrar com um habeas corpus preventivo no STF para garantir que o golpista não seja preso. Mangabeira negou, mas a informação foi confirmada por outros jornalistas que conversaram com aliados de Bolsonaro e do filósofo. É estarrecedor saber que existe entre as fileiras progressistas gente se mobilizando para anistiar o “projetinho de Hitler tropical” que quis suprimir a democracia.
A última cartada do bolsonarismo é a convocação de uma manifestação para o próximo dia 25. A intenção é clara: incitar seus apoiadores contra o STF e, quem sabe, deflagrar uma convulsão social.
A última cartada do bolsonarismo é a convocação de uma manifestação para o próximo dia 25. A intenção é clara: incitar seus apoiadores contra o STF e, quem sabe, deflagrar uma convulsão social. É um ato de desespero que não resultará em nada. Pelo contrário, a manifestação pode antecipar a prisão de Bolsonaro. Caso sejam feitas ameaças ao STF — o que é uma praxe das manifestações bolsonaristas — o ex-presidente golpista pode ser preso em flagrante. Resta saber quais aliados morrerão abraçados com ele nessa manifestação.
Nenhum desses esforços evitará o inevitável. A prisão de Bolsonaro é líquida e certa. Ele e seus advogados já sabem disso. Se for condenado por todos os crimes dos quais está sendo acusado, o ex-presidente golpista pode amargar até 23 anos de cadeia e ficar inelegível por mais de 30.
Não existe controvérsia alguma. Não há capa de jornalão ou guru fajuto que seja capaz de criá-la. A prisão do golpista Jair Bolsonaro ocorrerá “dentro das 4 linhas”. Que assim seja.
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