Placa do governo federal sinaliza que área não deve ser acessada por não indígenas.

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Político ligado a matador fez lobby no STF para manter invasão em terra indígena no Pará

Igor Franco, vereador do Solidariedade de Goiânia, esteve com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para tentar impedir a retirada de invasores na terra indígena Apyterewa.

Placa do governo federal sinaliza que área não deve ser acessada por não indígenas.

Uma comitiva de políticos se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, no meio de dezembro do ano passado, em Brasília, com um objetivo bem específico: convencê-lo a frear o processo de retirada dos invasores da terra indígena Apyterewa, no sul do Pará.

Em outubro de 2023, o governo federal iniciou um grande processo de desintrusão desse território, cumprindo ordem expedida pelo próprio STF e pela Justiça Federal em Redenção. A Apyterewa foi a terra indígena mais desmatada entre 2019 e 2022, período do governo de Jair Bolsonaro. Apesar do apelo da comitiva, o presidente do STF não voltou atrás da decisão.

No meio dos engravatados, estava Igor Recelly Franco de Freitas, um advogado e pecuarista herdeiro – hoje, vereador de Goiânia pelo Solidariedade, empossado no fim de 2022 depois da cassação do titular pela Justiça Eleitoral. O próprio Igor, orgulhoso, postou uma foto do encontro com o ministro em seu perfil pessoal no Instagram.

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Apesar dos trajes elegantes e da sala decorada sugerirem um ambiente de respeito e civilidade, Igor Franco é descrito em um relatório da CPI da Funai e do Incra, que tramitou na Câmara dos Deputados em 2016, como responsável por criar “um verdadeiro clima de terror” na região da terra indígena. 

Tanto ele quanto seu irmão, Diogo Luiz Franco de Freitas, lutam judicialmente pela posse do que alegam ser espólio do pai, José Luiz de Freitas, ex-presidente do Sindicato Rural de Xinguara e acusado de integrar um “esquadrão da morte” no início da década de 1990. José Luiz foi assassinado em 1997. 

O principal bem em jogo é a Fazenda Belauto, tomada pela justiça em 2003, por à época estar sendo utilizada por traficantes de drogas, então administradores do imóvel, a partir de um acordo de cessão de direitos fechado com o sócio de José de Freitas, que detinha metade da terra.

Em 2012, ao entender que as terras pertenciam à União, o Incra transformou a fazenda no Projeto de Assentamento Belauto, onde passaram a ser encaminhadas famílias ocupantes de boa-fé da Apyterewa – ou seja, os não indígenas que se instalaram no território até 2001, antes da publicação da declaração da TI como de ocupação tradicional. Hoje, estima-se que mais de 400 famílias vivam no local.

Vereador foi denunciado por contratar matador para ameaçar posseiros

Igor e Diogo, no entanto, não aceitaram perder a fazenda que pertenceu ao pai. Na tentativa de reaver as terras, eles passaram a ameaçar violentamente os assentados da Belauto. Essas informações constam em depoimentos dos assentados, em um inquérito instaurado pela Polícia Federal e um relatório assinado por servidores do Incra. Isso culminou com a prisão de ambos, em 13 de outubro de 2016. 

Ainda segundo os documentos, os irmãos contavam com um profissional de confiança com currículo destacado: Roney Ribeiro de Morais, o “Barba de Fogo”, um conhecido matador da região, que abertamente se gabava de carregar mais de 30 assassinatos nas costas. 

Conforme a denúncia, Igor invadiu e se apropriou de uma base do Incra, escoltado por 19 carros recheados com 60 capangas. Barba de Fogo estava entre eles e, daquele momento em diante, passou a se apresentar como administrador da fazenda, o que foi confirmado por ele próprio em depoimento à polícia. Ele teria recebido R$ 500 pelo serviço.

“No que toca ao denunciado Roney, cumpre salientar que a presença deste no local, por si só, representava uma ameaça velada tendo em vista que se trata de pessoa conhecida como matador na região. No mesmo dia da reunião, foi ouvido afirmando que possuiria uma arma 357 e um Smith Wesson, e que já tinha nas costas 30 assassinatos”, diz trecho da denúncia.

À época, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará também manifestou preocupação com a gravidade das ameaças, em um ofício de julho de 2016, citando uma tentativa de homicídio feita por Barba de Fogo. A OAB também pediu “atenção especial ao caso”, a fim de evitar “evitar mais violência e conflito na região”, pediu a OAB.

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Igor, Diogo e Roney acabaram soltos após audiência de custódia, um dia após a prisão. Os três foram absolvidos por “insuficiência de provas”, em sentença do juiz Hallisson Costa Gloria, da Vara Federal Cível e Criminal de Redenção, de 12 de dezembro do ano passado.

Conforme a decisão, apenas uma testemunha foi ouvida ao longo do processo, mas desistiu do depoimento e disse ter “assinado sem ler” o relatório policial que detalhava as ameaças. Todas as outras testemunhas de acusação foram dispensadas, a pedido do Ministério Público Federal.

O próprio MPF, autor da denúncia, manifestou-se pela absolvição dos acusados na última fase do processo criminal, apesar de anteriormente ter manifestado que havia uma farta quantidade de provas coletadas pela Polícia Federal e embasada em relatório do Incra. Nenhuma dessas provas foi citada na recente decisão de absolvição.

Procurados pela reportagem, Igor e Diogo disseram que o relatório apresentado pela CPI da Funai e do Incra que os descreve como responsáveis por criar “um clima de terror” na região é uma “narrativa nefasta” a qual desconhecem.

Sobre os fatos narrados por Polícia Federal, MPF, Incra e OAB, que basearam a denúncia, eles afirmaram que se tratam de denúncias “irresponsáveis e gravíssimas ao mesmo tempo”, além de ressaltarem que “no processo deste incidente infeliz, o próprio MPF pediu nossa absolvição por ausência absoluta de provas”.

Segundo os irmãos, eles não defendem a permanência de não indígenas na Apyterewa, mas “que haja um reestudo antropológico da área e, caso seja realmente reconhecida toda a área como terra indígena, seja procedida a indenização prévia às famílias de boa-fé e o reassentamento das mesmas em estrita observância ao assegurado pela justiça”.

Por fim, eles disseram que, na reunião com Barroso, falaram sobre a “crise humanitária na área”. “Alguém se interessou em saber como estão sobrevivendo estas 2.500 famílias expulsas de suas terras?”, acrescentaram. 

Roney Ribeiro de Morais, o Barba de Fogo, não foi mais encontrado pela justiça em razão de “possível óbito”, conforme consta em manifestação do juiz Halisson Costa Glória, de 14 de junho de 2023.

Igor Franco, vereador de Goiânia, foi apontado na CPI como tendo ligações com pistoleiro. Foto: Câmara Municipal de Goiânia
Igor Franco, vereador de Goiânia, foi apontado na CPI como tendo ligações com pistoleiro. Foto: Câmara Municipal de Goiânia

Senador faz lobby em favor dos invasores

A foto postada por Igor Franco do encontro com Barroso joga luz a outra figura proeminente nesta história: o senador Zequinha Marinho, do Podemos do Pará. É ele quem aparece tomando as rédeas da reunião e dirigindo a palavra ao ministro.

Zequinha reúne em si vários os estereótipos de um político bolsonarista: pastor evangélico, tem ligações com madeireiras na Amazônia, é negacionista climático e acusado de se fazer rachadinha em seu gabinete.

O parlamentar tem relação próxima com Igor Franco, mas diz desconhecer quaisquer denúncias contra ele – além de participarem juntos na reunião com Barroso, o vereador de Goiânia atuou para que a Câmara de Vereadores local concedesse ao senador o título de cidadão goianiense. Um agrado devidamente registrado em uma foto na qual Igor e o irmão Diogo dividem o quadro com o homenageado, que ostenta a placa da honraria. 

Zequinha é um pioneiro na articulação política para diminuir a Apyterewa – em 2007, enquanto deputado federal, ele já havia proposto um projeto de decreto legislativo para revogar a homologação da terra indígena.

O argumento do senador é de que a terra foi expandida a partir de “um processo administrativo eivado de vícios, desde o laudo antropológico, que não resiste à mais superficial análise, dadas as suas imperfeições, imprecisões, erros e equívocos”. Sem análise, o projeto foi arquivado pela Câmara dos Deputados.

Mas Zequinha não desistiu. Eleito senador, propôs outro projeto de mesmo teor, agora no Senado. O texto está em tramitação e aguarda designação de relator.

“Defendo as famílias de agricultores que foram levadas para aquela gleba antes da transformação em Terra Indígena. Nessa área alargada, casas, escolas, igrejas foram destruídas. As famílias de produtores rurais foram expulsas, sem ao menos receberem a devida indenização, em desrespeito ao que determinou o próprio STF”, justificou ao Intercept, em nota.

Em 3 de outubro do ano passado, em discurso no Senado, Zequinha vitimizou os invasores, se voltando contra os “órgãos de repressão” do governo e as “ONGs”.

“Quero dizer para os senhores que nesta hora, exatamente hoje, a Força Nacional, a Polícia Federal, o Ibama, enfim, uma imensidão de órgãos de repressão do Governo, se encontram ali para, nas próximas horas, procederam à maior e mais atroz injustiça que se possa imaginar contra uma gente que luta para sobreviver e para não ir para as periferias das cidades criarem seus filhos, colocando o futuro deles em dúvida com relação à cidadania. É a coisa mais atroz que eu posso imaginar”.

“Minha solidariedade a todo produtor rural e a todo mundo que mora naquelas vilas. São vilas que, neste momento, estão com o coração na mão, sem saber o que fazem da vida, porque a política da ONG, adotada e abraçada pelo governo de uma forma sem se preocupar com os resultados, está em vias de ser colocada em prática”, completou.

O senador também compôs a CPI das ONGS, que tramitou em 2023 com o  intuito de investigar as “organizações que pegam dinheiro em nome da Amazônia”, segundo o presidente da comissão, Plínio Valério, do PSDB do Amazonas.

Pela CPI, Zequinha comandou uma comitiva de senadores para uma reunião com os não indígenas da Apyterewa, em São Félix do Xingu. Na abertura do encontro, Valério bradou: “Não viemos para comandar; viemos para somar-nos a esse exército injustiçado”.

Na sequência, o presidente da comissão passou a palavra ao prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber de Souza Torres, do MDB, outro destacado defensor da diminuição da terra indígena. Ele e o irmão, o deputado estadual Torrinho, do Podemos, ambos pecuaristas, estão frequentemente em busca de reuniões políticas para tentar reverter “decisões equivocadas da Funai” que “inventam” terras indígenas. 

No começo de outubro de 2023, João e Torrinho estiveram em Brasília, acompanhados pelo governador do Pará, Helder Barbalho, para encontros com o senador Jader Barbalho, pai de Helder, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro das Cidades, Jader Filho, na tentativa de suspender a expulsão dos invasores. A reunião, que acabou não dando em nada, foi noticiada pela Repórter Brasil. 

No mesmo mês, João Cleber foi denunciado pelo MPF por atrapalhar o processo de desintrusão com fake news. Ao aceitar a denúncia, o juiz federal Cláudio Cezar Cavalcantes entendeu que estava “patente” que o prefeito atuou para impedir ou dificultar o procedimento de desintrusão da área indígena.

O magistrado proibiu o prefeito de fazer publicações ou reuniões públicas que coloquem em xeque a legalidade da operação, sob pena de multa de R$ 100 mil por cada manifestação. Por essa razão, a prefeitura de São Félix do Xingu informou que ele não se manifestará sobre esta reportagem. 

Kássio Nunes Marques decidiu a favor  de invasores no STF

Até o momento, não há nenhuma demonstração de que o grupo conseguiu dobrar Barroso na conversa. No entanto, eles parecem ter um outro aliado dentro do STF. Antes da reunião em Brasília, o ministro Kassio Nunes Marques havia concordado com o argumento deles e, em 28 de novembro, atropelou a decisão de Barroso e mandou suspender a retirada dos invasores, em um outro processo sobre o mesmo tema que tramita na Corte.

Nunes Marques considerou que “diante do elevado grau de litigiosidade existe na área”, a suspensão era necessária para evitar “prejuízos irreparáveis de ordem social e econômica”, atendendo a pedido das associações dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto Paredão e dos Agricultores do Vale do Cedro. Quem representa ambas no processo, na condição de advogado, é Igor Franco.

O ministro, no entanto, estava impedido de proferir a decisão, por já ter atuado no mesmo caso quando era desembargador do Tribunal Federal da 1ª Região –, o que é proibido pelo Código de Processo Civil brasileiro.

Apressadamente, a Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União reagiram à decisão: a primeira solicitou o impedimento de Nunes Marques no processo, enquanto a AGU classificou como “contraditório” o ato e pediu que as ações de desintrusão prosseguissem.

Provocado, Barroso também se manifestou na ação. Mandou que as forças nacionais ignorassem o despacho do colega e continuassem com a expulsão dos invasores. 

“O Plano de Desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá que atualmente se encontra em fase de execução foi elaborado por determinação deste relator e devidamente homologado nos autos e, por evidente, não está sujeito a decisão revisional de outro ministro”, escreveu Barroso.

Para Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Nunes Marques demonstrou que representa o projeto político contrário aos indígenas encabeçado por Jair Bolsonaro, ex-presidente da República que o indicou ao cargo no Supremo.

“As decisões de Kassio Nunes Marques, tanto sobre o Marco Temporal quanto sobre Apyterewa, foram péssimas. Isso nos preocupa muito. Eu ainda tenho um certo receio de que essa decisão dele vá para o colegiado e tenha maioria. Por mais que não seja o mesmo objeto da decisão do Barroso, seria uma decisão colegiada. Por isso, vamos permanecer muito atentos, porque o jogo só acaba quando termina”, alertou.

Questionado pelo Intercept sobre se tinha conhecimento do impedimento na ação e se considera submeter a decisão a plenário, Nunes Marques respondeu, por meio da Secretaria de Comunicação do STF, que “não falará com a imprensa sobre o tema”. A justificativa dada é que “as perguntas envolvem o mérito do processo”. 

Invasores querem terra indígena para criar gado

A pecuária ilegal engrena economicamente as invasões na terra indígena Apyterewa. Até o fim do ano passado, o Ibama e a Agência de Defesa Agropecuária do Pará estimavam que mais de 60 mil cabeças de gado estivessem dentro da terra indígena, para criação ou engorda.

Um dos principais efeitos da criação clandestina de bovinos é o desmatamento recorde na área: a Apyterewa é terra indígena mais desmatada da Amazônia, com 101.310,75 hectares de floresta derrubada, o que corresponde a 13,10% de sua área, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.

Outro levantamento, da rede colaborativa MapBiomas, aponta que mais de 91 mil hectares tenham, hoje, uso consolidado pela pecuária – ou seja, são áreas de florestas que foram convertidas em pasto de boi.

Conforme o recém-publicado relatório Boi Pirata – a pecuária ilegal na terra indígena Apyterewa, produzido pelo MPF, 86 fazendas movimentaram, entre 2012 e 2022, 48.837 bovinos para 414 imóveis rurais, sendo que 47.265 foram destinados a fazendas que estão fora da terra indígena. O lucro com a atividade ilegal é estimado pelo MPF em R$ 130,9 milhões.

A partir do levantamento, o MPF moveu 85 processos, criminais e cíveis, contra responsáveis pela venda ilegal de gado dentro da terra indígena, com pedido de mais de R$ 115 milhões em indenizações.

“Nós tínhamos a intenção de demonstrar tanto para a Justiça quanto para a sociedade que não se trata somente de pequenos produtores. Existem, sim, os trabalhadores pobres, que são explorados por esses fazendeiros, mas, conseguimos selecionar dezenas de criadores de gado que estão dentro da Apyterewa e agora respondem a ações milionárias, por danos na ordem de R$ 5 milhões, R$ 6 milhões, o que demonstra que de fato não são pequenos”, disse o procurador da República Márcio de Figueiredo Machado Araújo, que trabalhou no “Boi Pirata”.

Grandes pecuaristas usam imagem dos pobres da Vila Renascer 

Localizada estrategicamente em uma das entradas da terra indígena, uma comunidade de invasores chamada Vila Renascer serviu como um pára-raios dentro da Apyterewa. A comunidade atraiu a atenção de autoridades e imprensa depois que políticos como Igor Franco e Zequinha Marinho passaram a defender sua manutenção publicamente, enquanto os grandes invasores seguiam livres para tratar de seus negócios ilegais sem holofotes. 

A vila é usada pelos pecuaristas como argumento para evitar a desintrusão, que teoricamente prejudicaria as famílias que moram ali, segundo a geógrafa Núbia Vieira Cardoso. “A urbanização no interior de terra indígena dá um caráter de consolidação para essa invasão. Ela atrai um olhar moral a pessoas pobres, que estão em busca de melhoria de vida. É uma faceta criada como um balizador moral e político”, diz Cardoso. 

Ela pesquisa povos indígenas desde 2009 e recentemente defendeu a tese de doutorado intitulada “O paraíso do gado – a dinâmica geoeconômica do município de São Félix do Xingu na atualidade”.

Segundo Cardoso, núcleos urbanos como a Renascer e a Trincheira Bacajá servem para acomodar a mão de obra para atender aos grandes detentores do capital. Geralmente, essas vilas atraem pessoas em condição de pobreza, na busca pelo sonho de uma terra em que se possa plantar e colher uma vida melhor.

“As vilas são bolsões em que se concentram os trabalhadores. O que percebo é que a urbanização é um mecanismo de controle social, uma vez que não há distribuição de terras. Funciona como um amortecedor nessas regiões em que existe uma grande quantidade de terra com concentração fundiária. Ou seja, as vilas são um dos mecanismos para evitar insurgências e manter a mão de obra disponível para abrir fazendas para quem detém dinheiro”, diz a geógrafa.

Na Apyterewa, geralmente o sonho vem acompanhado da ideia de que se trata de um pedaço de terra sagrada escolhido a dedo por Deus, destinado a prover prosperidade aos que o servem – isso é ecoado por líderes religiosos, como os pastores das igrejas neopentecostais instaladas na Renascer e o próprio Zequinha Marinho, pastor da Assembleia de Deus.

“Existe uma exploração religiosa das pessoas. Nós vemos uma proliferação de igrejas e de lideranças que se denominam pastores [na Apyterewa] e usam o discurso da prosperidade, de que Deus vai olhar para eles [os fiéis]. Isso acaba tirando qualquer raciocínio minimamente crítico de quem está em uma situação muito ruim”, diz o procurador Márcio de Figueiredo. “Não adianta você chegar para a pessoa e dizer: ‘Olha, eu vou te dar uma outra terra, muito melhor do que essa, que não é muito longe daqui’. Eles vão dizer ‘não, mas a terra prometida é aqui. O meu pastor falou que a terra prometida é aqui’”, exemplifica.

Senador Zequinha Marinho tem defendido abertamente os interesses de posseiros e invasores de terras em áreas indígenas. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Senador Zequinha Marinho tem defendido abertamente os interesses de posseiros e invasores de terras em áreas indígenas. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Governo concluiu processo de retirada de invasores

A Vila Renascer foi totalmente desmobilizada pelas forças nacionais em 16 de dezembro do ano passado. Da mesma forma, também foi desocupada a Trincheira Bacajá, outro núcleo com aspecto de cidade do interior.

De acordo com o governo, a partir da retirada dos invasores se iniciou a fase de consolidação, com a implementação de medidas que possam dificultar o retorno dos não indígenas. Além disso, o policiamento foi reforçado e equipes trabalharam para a remoção dos animais que ainda estão na terra indígena.

Para o procurador Márcio de Figueiredo Machado Araújo, só a desintrusão não basta.

“Temos que garantir o golpe final no motor econômico da terra indígena, porque não tem como impedir pessoas de entrarem fisicamente lá, colocar uma barreira”, explicou, citando como principais causas desse o tipo de invasão a criação de gado, a extração de madeira e o garimpo ilegal. Para ele, é preciso reforçar a  vigilância sobre a entrada e saída de gado. “E, se tudo der certo, conseguirmos condenações nas ações que ajuizamos para demonstrar que não vale a pena investir em terra indígena”, finalizou.

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