Façamos um breve resumo da trajetória de Sergio Moro na vida pública para refrescar a memória. Através de um conluio criminoso com integrantes do Ministério Público Federal, o então juiz colocou na cadeia o candidato favorito para ganhar as eleições presidenciais de 2018.
Foi uma caçada longa, cheia de irregularidades, que não apresentou as provas do crime, mas que manteve o juiz sob os holofotes como um grande herói brasileiro que dedicava sua vida a caçar corruptos.
Sua atuação como juiz foi marcada por cálculos políticos que ajudaram a limpar o caminho para a ascensão do maior líder da extrema direita.
Terminado o serviço nos tribunais, Moro debutou na política como ministro da Justiça do presidente fascistoide que ajudou a eleger. Depois, foi defenestrado por ele e engolido pela máquina de propaganda bolsonarista.
Isolado, sem apoio político para ser candidato a presidente e sem possibilidade de retomar a carreira como juiz, Moro se humilhou para Bolsonaro e voltou para o aconchego bolsonarista como candidato ao senado pelo Paraná e cabo eleitoral da fracassada tentativa de reeleição do ex-chefe.
Passado quase um ano e meio do seu mandato, podemos dizer com tranquilidade que Moro é um político bolsonarista com atuação parlamentar sofrível, sem grandes ideias, sem apresentar propostas relevantes, sem carisma e intelectualmente limitado.
Diferente do que o fã-clube lava-jatista esperava, o ex-juiz não teve capacidade para se projetar como um grande líder político da direita. Essa irrelevância e mediocridade fizeram com que ele ficasse isolado até mesmo entre os seus pares extremistas, que já o enxergam como um futuro ex-senador. Apesar de estar em um cargo importante, Moro faz parte hoje do baixo clero bolsonarista.
Agora, o ex-juiz se vê com grandes chances de perder o mandato e ter sua inelegibilidade decretada no TSE por abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral. Em 2021, o ex-juiz se filiou ao Podemos e lançou uma pré-candidatura para a Presidência da República. Usou a estrutura e a exposição de uma campanha presidencial para, em seguida, migrar para uma candidatura ao Senado, cujo teto de gastos estabelecido por lei é vinte vezes menor.
Isso significa que sua campanha partiu de um ponto muito favorável em relação aos concorrentes à vaga. Moro pode até ser absolvido pelo TRE do Paraná, onde a Lava Jato joga em casa, mas dificilmente escapará de uma condenação no TSE.
Diante do quadro, Moro entrou em modo desespero e decidiu se humilhar mais uma vez para um desafeto. Manso e com o rabinho entre as pernas, foi conversar com Gilmar Mendes, o ministro do STF mais crítico à Lava Jato e um dos mais perseguidos pelo bolsonarismo. O senador, aliás, surfou essa onda persecutória e chegou a insinuar que o ministro vendia habeas corpus. Mas, preocupado até mesmo com uma possível prisão caso perca o mandato, o bolsonarista deixou as rusgas de lado para tentar abrir um canal de diálogo com os magistrados de cortes superiores.
O jornalista Guilherme Amado relatou os diálogos da conversa entre Moro e Gilmar Mendes com uma riqueza de detalhes impressionante e, até agora, nenhuma das partes negou uma vírgula sequer do que foi publicado. Moro passou a maior parte do tempo calado, ouvindo sermões e mais sermões de Gilmar, que o humilhou com requintes de crueldade durante uma hora e meia. O ministro dispensou o decoro e tratou Moro não como “senador”, “senhor” ou “vossa excelência”, mas apenas como “Sergio”.
Sergio iniciou a conversa negando ter cometido ilegalidades durante a Lava Jato e negou ter mantido relações promíscuas com o então procurador Dallagnol. Foi aí que o ministro cortou o papo furado e iniciou a humilhação sem fim: “Você e Dallagnol roubavam galinha juntos. Não diga que não, Sergio”.
O ministro erra ao tratar a dupla lava-jatista como meros ladrões de galinhas. O conluio que corrompeu o sistema judiciário para atingir objetivos políticos e prejudicou gravemente a economia do país é tão grave que faz o ladrão de galinha parecer um anjo de candura. Mas, convenhamos, para fins de humilhação, a comparação é muito boa.
O esculacho prosseguiu. “Tudo o que a Vaza Jato revelou, eu já sabia que você e Dallagnol faziam. Vocês combinavam o que estaria nas peças. Não venha dizer que não (…) Certa vez, Sergio, o Paulo Guedes veio aqui ao meu gabinete e disse orgulhoso que havia sido ele quem havia ido a Curitiba convidar você para ser ministro do Bolsonaro. Eu disse a ele que talvez ele não tenha percebido, mas, ao conseguir tirar você de Curitiba, ele deveria colocar isso no currículo. Foi certamente um dos maiores feitos dele no ministério”.
O tom do sermão foi subindo até chegar em um desaforo. Depois que Sergio tergiversou sobre a sua relação com Bolsonaro, Gilmar o mandou ir estudar. “Você faltou a muitas aulas, Sergio. Curitiba não te ajudou em nada. Aproveite que está no Senado e estude um pouco. A biblioteca do Senado é ótima, você deveria frequentar”.
Só o medo de ser cassado e ficar vulnerável a processos que podem levá-lo à prisão podem justificar este papel humilhante que Sergio escolheu cumprir. Ele foi ao encontro sabendo que não seria bem recebido pelo ministro, afinal de contas ambos desferiram ataques mutuamente nos últimos anos. Essa parece ser uma das cartadas finais de um homem desesperado que se vê com a corda no pescoço.
Gilmar Mendes não é um santo, claro. Ele validou muitos absurdos lava-jatistas no início e tem muitos esqueletos no armário. Mas esqueçamos o seu passado por um momento para podermos apreciar as chineladas morais dadas em Sergio. Nós, os democratas que sofremos nos últimos anos com o horror lava-jatista/bolsonarista, temos o direito de nos dar a esse luxo, não é mesmo?
Mas não é só de humilhação que vive Sergio. Há ainda na grande imprensa gente disposta a exaltá-lo. Aqueles que foram cúmplices do lava-jatismo não querem largar a mão do santo do pau oco que eles colocaram no altar. Nesta semana, na Globo News, Merval Pereira defendeu a não cassação do mandato do senador. Segundo ele, não houve abuso de poder político e econômico por parte de Sergio. Houve ingenuidade. “Conhecendo Moro como conhecemos, ele sempre sonhou em ser candidato a presidente. Ele não foi porque não deixaram. Porque ele é ingênuo politicamente”. Merval e outros lava-jatistas preferem passar o ridículo de tratar como ingênuo um sujeito que comprovadamente corrompeu o sistema judiciário para pavimentar o caminho da extrema direita e da sua própria carreira política.
A conversa travada na reunião com o ministro foi uma síntese da trajetória de Sergio na vida pública. Depois de se humilhar para o bolsonarismo para manter alguma relevância política, agora ele se ajoelha diante de um magistrado da corte superior para tentar de alguma maneira salvar seu mandato e sua biografia. Mas tudo indica que o seu fim será o mesmo do seu comparsa Deltan Dallagnol. A ironia do destino pode fazer com que Sergio termine sua carreira política no mesmo lugar onde começou: nos tribunais.
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