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Para aperfeiçoar a formação jurídica, bastaria Sergio Moro ler com autocrítica o seu próprio processo de cassação

Ao contrário do que ocorreu na Lava Jato, o ex-juiz teve que prestar contas à lei e pôde invocar livremente seus direitos e garantias processuais.

Sérgio Moro fala com a imprensa após o resultado favorável pela permanência do mandato. (Foto: Ton Molina /Fotoarena/Folhapress)

BRASÍLIA, DF - 09.04.2024: SÉRGIO MORO É ABSOLVIDO PELO TRE PR - Foto, Senador Sérgio Moro. Nesta terça (9) o TRE do estado do Paraná formou maioria contra a cassação do Senador Sérgio Moro. O Senador fala com a imprensa após o resultado favorável pela permanência do mandato. (Foto: Ton Molina /Fotoarena/Folhapress) ORG XMIT: 2520308
Sergio Moro fala com a imprensa após o resultado favorável pela permanência do mandato. (Foto: Ton Molina /Fotoarena/Folhapress)

Já estava claro: a ação que visava a anulação do registro de candidatura do ex-juiz e atual senador, Sergio Moro, foi julgada improcedente. Trocando em miúdos, ele não será cassado, ao menos não pela justiça eleitoral do Paraná, já que, dessa decisão, caberá recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, o TSE.

O julgamento dessa ação gerou muito suspense e até um certo frisson na opinião pública e no mundo político. Notas na imprensa chegaram a dar como certa a cassação, ao passo em que diversos partidos buscaram se posicionar para uma possível eleição-tampão visando preencher o assento do ex-juiz, que ficaria vago.

O preenchimento das vagas do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, procedimento que segue lista tríplice, foi monitorado de perto por repórteres ansiosos por cravar um aparelhamento do judiciário por Lula, mesmo quando os fatos sugeriam um quadro mais complexo. Um dos indicados por Lula, por exemplo, havia sido advogado de ninguém menos que Deltan Dallagnol.

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As previsões de que o ex-juiz seria cassado afinal não se cumpriram. O julgamento, nem por isso, deixou de ser um evento instrutivo. Começando pelo voto do relator, Luciano Falavinha, que ao opinar pela improcedência da ação disse tratar-se de “perseguição do PT”, que além de não ter deixado Moro se candidatar por São Paulo (deveria?), agora queria retirar seu mandato no Paraná.

Falavinha parecia ignorar o fato de que não era apenas o PT quem havia demandado contra Moro, mas também o próprio PL, partido de Bolsonaro, por quem o ex-juiz fez campanha e em favor de quem atuou como coach em debate na TV.

Moro também pôde contar com a solidariedade de figurões da mídia, tais como Merval Pereira e Valdo Cruz, da Globo News, que destilaram em rede nacional argumentos quase inacreditáveis para quem acompanha o debate público sobre direito e justiça no Brasil.

Merval disse que “conhecendo Moro” (destaco), sabe que “ele sempre quis ser candidato a presidente”, o que só não ocorreu devido à trairagem de lideranças de seu partido, o União Brasil. Ora, se Merval conhece Moro e sabe que ele sempre quis ser candidato a presidente, não deveria ser o primeiro a dizer que Moro era um juiz parcial para atuar em casos que envolviam grandes lideranças políticas, como Lula? 

Já Valdo disse que Moro “fez o que todo mundo faz” no Brasil durante pré-campanhas e, por isso, era injusto cassar seu mandato. Ora, mas não era essa a defesa dos corruptos da Petrobras que foram caçados por Moro, com apoio ou ao menos simpatia de Valdo? Também não diziam fazer “o que todo mundo faz”?

No mérito, o caso de Moro é inegavelmente complexo. É fato que ele iniciou sua pré-campanha visando o Planalto e, depois, se viu forçado a ser, quando muito, candidato a Senador pelo Paraná. Mas também é fato que, tudo isso considerado, ele gastou mais que os limites estabelecidos para uma candidatura ao Senado. E a justiça eleitoral costuma tomar gastos como proxy de vantagem indevida para candidatos em relação aos seus concorrentes. Maior gasto significa maior exposição, mesmo para quem já é figura pública.

O ex-juiz pôde invocar livremente todos os seus direitos e garantias processuais.

Sendo esses os fatos, a justiça eleitoral tem duas opções. A primeira, que passa por levar a lei ao pé da letra, deveria resultar na cassação. A segunda, que passa por considerar a singularidade do caso, resultaria em uma solução mais justa, mas também poderia gerar um incentivo perverso. Se ela prevalecer, qualquer candidato poderá se lançar para cargos com limites de gasto mais altos, para depois estourar esse limite na pré-campanha e alegar que foi derrotado, no partido, em suas mais ambiciosas pretensões. Entre acolher uma exceção e transformá-la em regra, há uma linha tênue. O TRE do Paraná optou pela segunda interpretação.

Agora, caberá ao TSE a decisão final. Mas isso são os togados que terão que resolver, até porque são pagos (e muito bem pagos!) para isso. Para um analista como eu, é mais interessante destacar três ironias no processo ao qual Moro esteve submetido.

Primeiro, Moro enfim teve que prestar contas à lei. A defesa do juiz (cujo advogado, aliás, pareceu muito competente) teve que suar a camisa, discutindo um a um os gastos de campanha e tentando demonstrar que não eram excessivos ou que não se traduziam em vantagem indevida em relação a concorrentes. Se, durante a Lava Jato, desembargadores tivessem submetido as condutas do então juiz Moro a semelhante exigência de conformidade com a lei, talvez a história brasileira tivesse caminhado em outra direção.

Segundo, no exercício de defesa, Moro teve todas as chances do mundo para articular e provar sua tese. O ex-juiz pôde invocar livremente todos os seus direitos e garantias processuais e, como destacado acima, contou com advogados não apenas nos autos, mas também na mídia. Muito diferente, mais uma vez, dos tempos da Lava Jato, quando o próprio Moro tratava direitos e garantias como obstáculos à efetividade do processo, e não como parte integrante deste, e quem quer que ousasse questionar as acusações da força tarefa ou decisões do juiz era desqualificado como aliado de corruptos.

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Por fim, a decisão que beneficiou Moro foi recebida por seus detratores com naturalidade. Advogados do PT e do PL disseram que “vão recorrer,” não atacaram o relator ou os demais desembargadores e não disseram que a justiça eleitoral estimula abusos. Um expediente (“colocar tribunais contra a parede” para fazer prevalecer suas decisões) que, conforme chats da Vaza Jato/Spoofing e pesquisas revelam, fazia parte método da Lava Jato.

Diz a imprensa que, acuado pelo processo de cassação, Moro buscou abrir canal com um Ministro do STF de quem ouviu um conselho: vá “aprimorar sua formação jurídica”, “aproveite a biblioteca do Senado”. Nem seria preciso ir tão distante; bastaria, agora, ler com autocrítica o processo no qual ele é réu. Coisa que ele não fará, embora devesse.

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