Altíssimos índices de acidentes de trânsito; alta incidência de pressão alta entre trabalhadores — que em sua maioria têm menos do que 40 anos de idade; poucas horas de sono; ausência de dias de descanso; desidratação por causa da falta de infraestrutura básica. Essas são algumas das violações enfrentadas por entregadores de aplicativos, mostra um novo estudo realizado por pesquisadores da Unicamp
São os trabalhadores que utilizam aplicativos como fonte principal de renda que têm as jornadas mais extenuantes e condições mais insalubres, além de remuneração menor, de acordo com a pesquisa “Dossiê das violações dos direitos humanos no trabalho uberizado: o caso dos motofretistas na cidade de Campinas”, publicada em abril pela Diretoria executiva de Direitos Humanos da Unicamp.
A pesquisa ouviu 200 trabalhadores da região de Campinas, no interior de São Paulo, e comparou as condições entre os que utilizam aplicativo como fonte principal de renda e os que não usam. Essa diferença deixa claro o papel dos apps no aprofundamento da precarização das condições de trabalho.
“A profissão de motofretista é altamente arriscada e insalubre. Ela já tinha vários elementos de precariedade e isso foi se aprofundando”, explica Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora visitante da Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp. Abílio coordenou a pesquisa ao lado de Silvia Maria Santiago, médica sanitarista, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp.
Em 2020, das mais de 190 mil internações nos hospitais do Sistema Único de Saúde, 61,6% dos pacientes eram motociclistas. Nesse período foram 32.716 óbitos por acidente de trânsito, dos quais 36,7% se referem a motociclistas .
Os custos dos acidentes de trânsito para a sociedade chegam a R$ 50 bilhões no ano. A maior parte desse custo é referente à perda de produção das vítimas, seguido pelos custos hospitalares. Os dados são do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Meio Ambiente, de abril de 2023.
O Intercept mostrou que, de 2017 a 2022, a parcela de acidentes de moto no setor de traumas do Hospital das Clínicas da USP subiu de 20% para 80%.
“Os motociclistas são envolvidos em lesões de trânsito com consequências mais graves. Além dos custos hospitalares, o maior valor estimado é referente à perda de produção das pessoas (41,2%), causando o empobrecimento das famílias e, em caso de morte, os custos recaem sobre a previdência social”, segundo o boletim.
Veja, abaixo, seis achados do estudo.
- Quem usa aplicativo ganha menos.
Segundo o levantamento, os trabalhadores que utilizam os apps como fonte principal de trabalho recebem uma média de R$ 12,50 por hora. Já os entregadores que não dependem exclusivamente dos aplicativos recebem R$ 15,62.
- A maioria dos entregadores trabalha mais de 44 horas por semana.
O limite determinado de jornada de 44 horas semanais, previsto na legislação trabalhista, é para poucos. Mais de 40% dos motoboys que participaram da pesquisa trabalham mais de 60 horas semanais, sete dias por semana. E, no caso dos trabalhadores que têm a entrega por aplicativo como principal fonte de renda, mais da metade trabalha mais de 60 horas por semana, enquanto os que não dependem do app são 39%.
Mais de 20% dos entrevistados afirmaram que trabalham mais de 80 horas por semana. “Essas jornadas extenuantes estão totalmente relacionadas com o fato de ser um trabalhador sob demanda, que significa estar disponível para o trabalho sem nenhuma garantia sobre o valor da sua hora de trabalho, sobre a distribuição do seu trabalho e nem a carga de trabalho que irá realizar. Tudo isso está obscuro e na mão das empresas”, analisa Ludmila.
- Os entregadores de apps não descansam.
Do total de 193 entrevistados, 51,9% dos trabalhadores que fazem entregas via app trabalham todos os dias da semana. Esse número cai para 32% entre os participantes da pesquisa que não trabalham exclusivamente com aplicativo. “Quando desagregados os dados para categorias app e não app, fica evidente que a situação da primeira categoria é ainda mais degradada”, diz a pesquisadora.
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- Motoboys passam fome e sede durante o trabalho.
Dentre os 200 entrevistados, mais de um terço, 38%, diz não tomar mais que um litro de água por dia. Esse mesmo percentual afirmou que sente muita sede durante o trabalho. Quase metade dos motoboys afirmaram não fazer três refeições (café da manhã, almoço e janta) todos os dias. A inda disseram que trabalham com a “frequente sensação de fome”.
- Mesmo jovens, entregadores têm o dobro do índice de pressão alta da população brasileira.
Dos motoboys que participaram da pesquisa com até 29 anos, 36% têm medidas de pressão alteradas. Já entre os indivíduos de até 49 anos, foram 55%. Para se ter uma ideia, na população adulta brasileira, segundo as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, o esperado é 22,8% de hipertensos. Dos trabalhadores com hipertensão, 60% são negros e 40% brancos. Uma das explicações para isso pode estar nas poucas horas de sono e descanso, segundo a pesquisa.
- A maioria já se acidentou no trabalho – e vive com medo
O índice de acidentes de trabalho é brutal. Quase 70% dos motoboys que participaram do estudo disseram já ter sofrido acidente de trânsito com a motocicleta durante o trabalho, sendo que 42% tiveram de se afastar por acidente de trabalho. “Vale ressaltar que poucas profissões têm risco tão alto de acidentes graves”, enfatiza a médica sanitarista.
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