Nesta semana, o jornalista Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, revelou detalhes sobre uma das frentes de ação dos golpistas em 8 de janeiro. Na noite do dia em que houve a invasão aos prédios dos Três Poderes, golpistas derrubaram três torres de transmissão de energia, em um intervalo de três horas e em estados diferentes.
Todas essas ações fizeram parte de um mesmo plano coordenado pelo golpismo bolsonarista para desestabilizar o país e criar as condições materiais para a tão desejada decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que deixaria Lula de mãos atadas e colocaria o Exército no poder.
Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) obtido pelo jornalista através da Lei de Acesso à Informação não deixa dúvidas de que tudo foi orquestrado. O documento fala em ‘sabotagem’, ‘ações criminosas’ e completa: ‘não foram registradas condições climáticas adversas que pudessem ter causado a queda das torres’.
Depois de derrubarem três torres de energia na noite de 8 de janeiro, os golpistas danificaram outras 21 até o fim do mês, em seis estados diferentes.
O laudo de todas define como sabotagem e aponta uma repetição sistemática de um conjunto de ações: parafusos da base das torres e os cabos de sustentação foram retirados, ‘ficando a torre sem sustentação e possibilitando a queda’.
O modus operandi é claro. A ação foi complexa e exigiu organização, planejamento e equipes de pessoas treinadas em diferentes estados do país para derrubar torres de energia.
Como aponta a reportagem, a operação de sabotagem tem gosto, cheiro e aparência de ser coisa dos ‘kids pretos‘ — o grupo clandestino do Exército treinado para ações de sabotagem e que sempre foi muito próximo de Jair Bolsonaro. Só eles teriam a expertise e o treinamento necessários para coordenar essa ação criminosa de tamanha complexidade.
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A reportagem de Lúcio de Castro deveria estar sendo amplamente repercutida, com destaque nas páginas principais portais e nos jornais televisivos e alvo da indignação dos colunistões mais prestigiados da imprensa corporativa. Mas nada disso aconteceu.
A reportagem que revela a gravidade e a complexidade das operações golpistas, deflagradas no primeiro mês do governo Lula, caiu em completo esquecimento.
Esse silêncio faz parte de um processo de naturalização do golpismo que vem acontecendo no debate político. Passado pouco mais de um ano de uma tentativa de golpe de Estado, parece que o assunto perdeu a gravidade, e vemos golpistas sendo tratados como se fossem democratas, merecedores de ser ouvidos.
Nenhum golpista se sente constrangido pelo fato de ser golpista.
Nenhum golpista se sente constrangido pelo fato de ser golpista. Tudo bem, alguns deles têm mandatos concedidos pelo povo e devem ser respeitados por isso, mas não é razoável que nós, democratas, criemos um ambiente tranquilo e sem constrangimentos para os golpistas.
Por que jornalistas não estão agora questionando políticos bolsonaristas que apoiaram o golpe sobre a megaoperação que tentou deixar o país sem luz?
Se os caminhos pragmáticos da política tentam nos levar ao esquecimento do golpismo, é papel da imprensa lembrar todos os dias de que o bolsonarismo tentou solapar a democracia no país.
Mas o que vemos são golpistas sendo tratados com a maior naturalidade no jogo democrático. Não passam pelo constrangimento nem de serem chamados de golpistas.
Em São Paulo, por exemplo, a candidatura apoiada pelos golpistas para a prefeitura da capital vem sendo chamada de ‘frente ampla’ com a maior naturalidade. Nunes reuniu políticos de diversos partidos e ideologias, inclusive alguns que integram a base de apoio do governo Lula.
Na realidade, trata-se de uma união de políticos de direita com Aldo Rebelo e Paulinho da Força — dois nomes que já foram identificados com a esquerda, mas que hoje topam qualquer negócio. Paulinho é um clássico fisiologista enquanto que Rebelo se encontra hoje aninhado com a extrema direita.
Entre eles temos também golpistas como Tarcísio de Freitas e Valdemar da Costa Neto, que estiveram na última manifestação da Av Paulista convocada por Bolsonaro para intimidar o STF. Tarcísio foi um dos principais ministros do governo golpista e se calou diante da escalada golpista.
Uma ‘frente ampla’ pressupõe a união entre políticos que se opõe contra um mal maior.
Já Valdemar, um dos principais aliados de Jair Bolsonaro, mobilizou o seu partido, o PL, para financiar ações que acusavam falsamente fraude nas urnas eletrônicas. É absurdo e ridículo que a turma golpista se enxergue como parte integrante de uma ‘frente ampla’, mas a expressão está sendo adotada até mesmo pela imprensa corporativa.
Foi assim que o jornal O Globo anunciou a união dos políticos de direita: ‘Nunes consolida frente ampla em jantar com caciques e vai adiar decisão sobre vice na prefeitura’. O resto do noticiário abraçou a expressão e o absurdo foi normalizado.
Uma ‘frente ampla’ pressupõe a união entre políticos que se opõe contra um mal maior. Trata-se de uma tática para reunir o maior número de pessoas contra um ator político que ameaça a democracia.
Foi assim quando Jango, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda em 1966 decidiram formar uma frente ampla contra o regime militar. Ou quando Lula, Alckmin, Tebet e outros se uniram contra a candidatura fascistoide e golpista de Jair Bolsonaro.
Contra o que exatamente a frente ampla formada por golpistas está se mobilizando? Contra Boulos, um político que em nenhum momento representou uma ameaça ao jogo democrático? Ora, tratar isso como ‘frente ampla’ é um acinte à história da democracia. É isso o que a grande imprensa faz quando compra docilmente a narrativa do golpismo bolsonarista.
É com essa aura de movimento democrático que a imprensa está tratando um movimento de direita que inclui políticos francamente golpistas. Ontem os golpistas derrubavam torres de energia para tomar o poder, hoje estão participando de ‘frentes amplas’.
Diferente da reportagem que revelou uma sofisticada operação golpista para deixar o país sem energia, a ‘frente ampla’ formada por golpistas ganhou grande repercussão na imprensa. ‘Tudo está normal. Nada está acontecendo’, como diria a charge clássica de André Dahmer.
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