Ainda no colégio aprendemos que ações produzidas por fenômenos da Natureza formam frases sem sujeito. ‘Choveu!’, ‘Fez sol’. Pois bem, é essa interpretação que vigora, quando noticiamos os efeitos da mudança do clima.
Por mais que tentemos argumentar sobre a responsabilidade social e histórica das alterações junto ao ambiente, quando a manchete lança a fatídica ‘mudança climática’, pronto, é um fenômeno da natureza e, portanto, uma catástrofe messiânica, um desígnio dos deuses.
As informações sobre as mudanças climáticas circulam intensamente há ao menos 20 anos.
Em 25 de abril, a MetSul Meteorologia divulgou uma série de modelos com projeções das chuvas para o final de abril e começo de maio que atingiriam em cheio o RS, apontando que, em poucos dias, poderiam chover o equivalente mensal em diversas cidades gaúchas, incluindo Porto Alegre.
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A notícia dava conta de que em muitas cidades o volume de água seria acima de 150mm. Em meio a essa imensa destruição anunciada, o então governador do estado Eduardo Leite, do PSDB, surge pedindo doações em dinheiro aos brasileiros.
Ele, representante do executivo estadual, executor do orçamento do Rio Grande do Sul, aquele que pôde e pode lançar mão de créditos suplementares, afora telefonemas para o governo federal e lideranças privadas de toda a região, pediu um pix.
No Orçamento Anual os recursos para ‘Aparelhar a Defesa Civil’ somaram míseros R$ 50 mil.
Leite vem a público com a chave pix para doações, como se fosse representante de uma ONG, ou de uma família presa em meio ao turbilhão das chuvas.
Ao ser entrevistado ao vivo no Jornal Nacional, Eduardo Leite foi completamente eximido da falta de planejamento à frente do poder executivo do estado do Rio Grande do Sul. Criando uma nova espécie de fenômeno da natureza: o político sem legenda, tampouco responsabilidade.
Dos aproximadamente R$ 66 bilhões disponíveis pelo orçamento às ações do governo do estado do RS para o ano de 2024, 28% deles, R$18,5 bilhões, destinam-se para manutenção e custeio da máquina pública e investimentos amplos.
Desses R$ 18,5 bilhões disponíveis, 0,01% foram destinados para a atualização do sistematiza de gestão da defesa civil estadual.
Ainda segundo a LOA, a Lei Orçamentária Anual, aprovada pelo legislativo gaúcho para esse ano, os recursos para ‘aparelhar a defesa civil com equipamentos necessários para atuação preventiva e de resposta em situações de emergência’ somaram míseros R$ 50 mil.
A título de comparação, um bote salva-vidas utilizado por voluntários nos resgates das pessoas isoladas sobre telhados de casas, custa, em média, R$ 10 mil.
Entre meados de 2020 e o primeiro semestre de 2023, o RS foi assolado por uma estiagem histórica e fora dos padrões, levando a perdas históricas num dos maiores produtores de commodities do país, mesmo assim o orçamento proposto e aprovado no estado ‘para Minimizar os efeitos da estiagem, maior desastre natural que tem afetado o estado do Rio Grande do Sul nos últimos anos’ foi de R$ 10 mil.
O mesmo valor de R$10 mil foi destinado à agricultura sustentável, para criação de sistema de acumulação de água, assim como para atualização da Política Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres, o Segird.
Somando os valores destinados a minimização dos efeitos da estiagem, agricultura sustentável, alcançamos 0,0001% dos recursos disponíveis para manutenção custeio, e investimentos do estado. Já os novos equipamentos para ações preventivas e de emergência resultam um pouco mais, 0,0003% dos recursos disponíveis ao governo Eduardo Leite.
É o cúmulo do pânico fiscal negar a utilização dos instrumentos econômicos do estado em meio a uma tragédia anunciada como essa.
Os recursos destinados para 2024 no RS para a manutenção, investimento e atualização das estruturas diretamente ligadas à prevenção e atuação em casos extremos não alcança 0,5% dos recursos disponíveis.
O debate econômico já pauta se o Estado do RS será ou não responsável fiscalmente, mesmo não restando mais Estado para ser administrado
Isso porque em setembro do ano passado, após quase três anos de estiagem severa, o RS recebeu um volume de chuvas 203% acima da média histórica para o período, segundo o INMET, totalizando mais de 50 mortos.
Dessa forma, Eduardo Leite foi pego de surpresa em 2020, 2021, 2022, 2023 e agora, novamente, em 2024! Talvez em 2025, talvez não, ele acorde para a necessidade de se precaver para enchentes.
O debate econômico já pauta se o estado do RS será ou não responsável fiscalmente, mesmo não restando mais estado para ser administrado. Invocando, na verdade, a pobreza do pensamento econômico ortodoxo alçado como biruta dos deuses, apontando sempre em direção à economia dos recursos gerados socialmente em busca de sua melhor valorização privada.
Mesmo diante de um estado varrido do mapa, a competência em economizar sobre os escombros, persiste. É essa lógica social e economia dos recursos coletivos que se alimentam as tragédias que se adensarão rapidamente, como já vivemos.
É desse tipo de política privada à frente da gestão pública que milhares perderão suas vidas e suas casas, agudizando o estado atual de concentração de renda de um lado e vulnerabilidade social de outro.
No final das contas, a economia é um fenômeno da natureza, insaciável e ingovernável, ao gestor público só cabe economizar os recursos criados socialmente e valorizá-los para no futuro economizá-los novamente. Se há algo acima da natureza, só a economia.
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