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A história da bizarra audiência no Congresso dos EUA sobre as fake news bolsonaristas

Ideia de que Brasil vive uma ditadura judiciária não colou nem entre republicanos e soou fútil diante da tragédia no Rio Grande do Sul.


Congressista republicana Maria Salazar segura foto de Alexandre de Moraes, alegando que Brasil vive ditadura. Foto: Divulgação Partido Republicano no YouTube

No dia 7 de maio de 2024, terça-feira, uma comitiva da extrema direita brasileira foi ao congresso norte-americano para denunciar o que afirmam ser um regime de censura no Brasil, comandado por uma aliança entre o ministro do Supremo Tribunal Federal, o STF, Alexandre de Moraes, e o presidente Lula.

Para apresentar o necessário contraponto, convidado pelos democratas, estava este humilde colunista.

Houve certa repercussão no momento em que ergui a foto de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura civil-militar brasileira, que depois tentou alegar que ele havia se suicidado na prisão. A isso, chamei de “ter sido suicidado”, embora não saiba se os congressistas entenderam.



No geral, busquei enfatizar:

1) O contexto em que os tribunais brasileiros tomaram decisões de suspender postagens e perfis – ataques bolsonaristas ao STF desde 2020 e tentativa de golpe de estado em 2022;

2) os motivos pelo quais a suspensão de postagens e perfis é plenamente possível no direito brasileiro; e

3) meu ponto favorito, a audácia de certos congressistas americanos que, com o dedo em riste, acusam nossos tribunais de violarem a “liberdade de expressão” sem terem o mais básico conhecimento do direito brasileiro e do funcionamento de nossas instituições.

Fábio Sá e Silva depondo no Congresso dos EUA sobre supostas violações da liberdade de expressão hoje, mostra foto de Vladimir Herzog durante a ditadura e o que autoritarismo verdadeiramente significa.

Quero comentar, no entanto, o mau desempenho das testemunhas dos republicanos. Os depoimentos destes consistiram em:

1) Manifestar preconceito contra homossexuais e judeus – fato que não passou despercebido pela deputada democrata Susan Wild;

2) apelar para teorias da conspiração, como as de que há um complô mundial financiado por George Soros e que a CIA ajudou a colocar Lula na presidência – narrativa na qual nem a deputada republicana Maria Salazar embarcou; e

3) mostrar a falta de credenciais democráticas, pois sequer são capazes de reconhecer que o golpe de 1964 foi uma ruptura com a democracia.

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Ao final da audiência, estava claro, para quem assistiu in loco, que esse mau desempenho deixou o presidente do subcomitê que abrigou a audiência, o deputado Chris Smith, visivelmente desconcertado.

“Smith não conseguiu obter o que queria,” disse-me um assessor dos deputados democratas, “e as testemunhas mostraram suas verdadeiras cores” (their true colors, expressão da língua inglesa para “mostrar sua verdadeira face”).

Considerando a quantidade de trolls na plateia, achei que a metáfora fazia sentido (na trilha sonora da animação Trolls da DreamWorks, há música com esse mesmo título, true colors, gravada por Justin Timberlake e Anna Kendrick).

Esse mau desempenho justifica, em parte, porque os bolsonaristas deram pouca divulgação à audiência, pela qual lutaram durante meses.

Outra parte da explicação vem de que parlamentares desse campo estavam, em bloco, tirando fotos e gravando vídeos nos EUA no momento em que brasileiros do Rio Grande do Sul enfrentavam a maior enchente de uma geração, que, entre mortos, feridos e desalojados, gerou estatísticas dignas de guerra.

Nisso, também me distanciei deles. Comecei meu discurso enviando meus “pensamentos e orações” às vítimas das enchentes, às quais manifestei minha irrestrita solidariedade.

Mas 24 horas depois, a maior parte daqueles congressistas estava de volta à carga nas redes sociais, espalhando desinformação sobre a enchente.

Essas fake news têm consequências reais e perniciosas

O pesquisador David Nemer, da Universidade da Virgínia, que há anos observa a movimentação da extrema direita nas redes, disse que desde a eleição de 2018 nunca viu um volume tão grande de fake news, veiculadas por meio de texto e vídeos falsos ou descontextualizados.

Um estudo da USP, divulgado originalmente pela jornalista Daniela Lima, da Globo News, identificou três linhas principais em torno das quais essas práticas de desinformação se estruturaram:

1) o Estado não ajuda – não chega a tempo; é preguiçoso;

2) o Estado atrapalha – cria obstáculos a quem efetivamente se mobiliza, os cidadãos e os milionários; e 

3) pânico econômico, com previsão de desabastecimento e estímulo a que as pessoas estocassem alimentos.

Segundo igualmente noticiou Lima, entre os principais disseminadores dessas fake news, estão justamente alguns dos réus nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.

Ironia do destino, as forças armadas agora estavam entre os principais alvos desses perfis. “É como se esses disseminadores estivessem indo à desforra agora,” disse à jornalista, “por conta do que o Exército não fez no 8 de Janeiro; alguns deles escrevem isso mesmo.”

Essas fake news têm consequências reais e perniciosas. Elas prejudicam a atuação das autoridades e podem ter aumentado o número de vítimas, pois diminuem a coesão social e a possibilidade de cooperação entre Estado e cidadãos em um momento crucial.

Não à toa, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ordenou que fossem removidas sob pena de multa.

Às vésperas da audiência dos bolsonaristas no congresso americano, havia quem dissesse que a chave do país em relação aos inquéritos do STF estava virando, o Judiciário vinha se desgastando e caminhávamos para uma anistia.

Que a extrema direita está trabalhando para que seja assim mesmo, não há dúvida. Mas a audiência nos EUA e a desinformação em torno das enchentes do RS mostraram que o uso da mentira como arma política pela extrema direita não é uma “ameaça que passou” .

Cabe às instituições não se deixarem levar pela enxurrada.

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