Depois de décadas de impunidade, passaram-se apenas três dias entre a publicação da reportagem do Intercept Brasil e uma operação da Polícia Civil do Pará para apreender embarcações que operam na extração ilegal de seixo no Rio Moju. Foi uma ação policial inédita na região – mas a milícia do seixo reagiu com mais ameaças de morte, agora à vereadora que concedeu entrevista, segundo moradores.
Devido às novas ameaças, é urgentemente necessário que o governo, o Ministério Público e a Defensoria do Pará atuem em conjunto para garantir a segurança das pessoas responsáveis por corajosamente se manifestarem contra a atividade criminosa.
Na quarta-feira, 22, policiais apreenderam uma draga, estrutura de drenagem do seixo, e uma embarcação com capacidade para armazenar 20 toneladas. O dono dos barcos foi ouvido na delegacia e um inquérito policial foi instaurado. As dragas foram responsáveis pela contaminação do rio, prejudicando os ribeirinhos que dependem da água para viver.
“A gente não quer só que prendam os barcos, mas sim que haja uma fiscalização constante no município. E sobre a situação do pistoleiro que está andando nas comunidades, a polícia tem que dar andamento na prisão desse cara, entendeu? O que acontecer comigo, ou então com qualquer morador da comunidade, ele é responsável e o pessoal dos barcos também”, disse Claudileno Castro, liderança local que denuncia a atividade há seis anos.
Segundo Alberoni Lobato, delegado que comandou a operação, a polícia já tem “alguns nomes” das pessoas que estão ameaçando os ribeirinhos. “Nós vamos adotar todas as medidas cautelares pra conseguir prender essas pessoas que estão praticando o crime ambiental e ameaçando os moradores que estão fazendo a denúncia”.
O governador do Pará, Helder Barbalho, do MDB, não respondeu às perguntas que o Intercept enviou a seu gabinete sobre que medidas seu governo está tomando para proteger os ambientalistas de Moju. O espaço segue aberto.
Defensor ambiental pede proteção para ele e vereadora
A operação, chamada “Soledade” em alusão à Vila da Soledade, no médio Moju, também codinome do matador que circula pelo local, foi deflagrada por agentes da Divisão de Proteção ao Meio Ambiente, Proteção Animal, a Demapa, e da Delegacia de Conflitos Agrários, a Deca. Eles contaram com apoio das comunidades afetadas, que emprestaram barcos.
Durante a operação houve tentativas de fuga pelos rios, mas as autoridades conseguiram interceptar os barcos. De acordo com a estatal Agência Pará, as embarcações foram encontradas às margens do Rio Moju, nas proximidades da comunidade Nossa Senhora das Graças.
Os suspeitos ainda tentaram fugir do local, conforme detalha o delegado-geral da Polícia Civil do Pará, Walter Resende. “Foi feito o acompanhamento tático assim que o piloto e o proprietário do barco tentaram empreender fuga. Em entrevista, eles admitiram que estavam aguardando a extração ilegal de seixo do rio”, esclarece o delegado.
Defensoria diz que encaminhou CLaudileno para o programa de proteção.
A ação policial em Moju aconteceu logo após a reportagem publicada pelo Intercept, que detalhou como a mineração ilegal de seixo polui os rios e coloca em risco as comunidades ribeirinhas. Claudileno Castro é uma das pessoas que está sob ameaça, escondido e com a cabeça a prêmio.
Agora, depois das ações de apreensão e detenção, Claudileno sente que existe a possibilidade de mudança e de justiça em seu território e até falou na esperança de retornar para sua família. Mas até isso acontecer, ele avisa, vai precisar se mudar novamente e trocar de telefone.
O ambientalista acredita que agora existe a possibilidade de haver uma resposta violenta contra a comunidade e opositores da extração. Mensagens da comunidade já alertam sobre a reação explosiva de John da Soledade, como é conhecido o miliciano local, ao saber da publicação da matéria.
Segundo testemunhas, a vereadora Eliomar Cruz também estaria sob ameaça por ter concedido entrevista ao Intercept. Ela declarou, na ocasião, que teme por sua segurança, e afirma que já houve secretários municipais ameaçados. “A gente também tem que ter cuidado, né? Porque essas coisas [ameaças] acontecem. É uma competência do estado, não é competência da Secretaria do Meio Ambiente de lá, do Mojú, resolver essa situação”.
A defensora pública Andreia Barreto, que atua na região de Moju, afirmou nesta sexta, 24, que tomou conhecimento da situação por meio da reportagem do Intercept e já encaminhou Claudileno para acolhimento no programa de proteção da defensoria.
“Essas pessoas ameaçadas precisam ser ouvidas para ver se tem uma medida judicial. Ele precisa ser incluído no programa de proteção caso queira”, diz Barreto.
Segundo ela, casos como esse são encaminhados para a área agroambiental, que atua primeiro em salvaguardar a integridade física dos defensores e defensoras de direitos humanos, o que inclui programa de proteção, escolta, atendimento de saúde e outros serviços que ficam à disposição dos ameaçados.
Sobre a situação do município de Moju, Andréia Barreto explica que é muito recorrente a milícia se associar à política local e por isso é necessário avaliar não só a situação de Claudileno, mas de toda a comunidade. Segundo ela, casos desse tipo são frequentes e a defensoria tem uma cartilha para isso. “Só neste mês já incluímos mais duas pessoas no programa”, diz Barreto.
Prefeita diz que extensão do rio dificulta a fiscalização
Na região afetada pela extração de seixo, não há saneamento básico, poços artesianos suficientes e nem tubulação que leve água encanada e potável para as famílias. Os moradores, muitas vezes, ficam sem água. A população local, então, começou a se negar a aceitar as balsas, barcos e dragas responsáveis pela extração do seixo.
Claudileno Castro foi o escolhido pela comunidade como a liderança que ficaria à frente das denúncias. Os próprios moradores passaram a se encarregar de abordar barqueiros, proibir a retirada do seixo em algumas áreas e até afundar os barcos responsáveis. A ação acirrou a violência na região, que piorou após a chegada do pistoleiro conhecido como John da Soledade ao local.
A prefeita Nilma Lima, do MDB, afirmou por meio de sua assessoria jurídica que a gestão local já realizou “diversas atividades de combate” à extração ilegal de seixo. “No entanto, a extensão do rio dificulta a fiscalização e o município não consegue sozinho fiscalizar toda a região que faz fronteira com outros municípios”, ela afirmou ao Intercept.
Também negou qualquer relação com o John da Soledade, o que havia sido apontado pela comunidade. “Todas as declarações relacionando o meu nome com o desta pessoa são inverdades e que sempre determinei e atuei ativamente no combate de toda e qualquer atividade ilegal no município de Moju”.
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