Em maio de 2016, um alarme soou na equipe de relações públicas do Nubank, que na época já tinha um milhão de clientes e era tido como o banco digital mais promissor do Brasil. Konrad Scorciapino, um dos engenheiros de software mais destacados da empresa e responsável pelo aplicativo da fintech, havia sido exposto por uma publicação xenofóbica que havia feito nas redes sociais. Apesar da gravidade das acusações, o Nubank atuou para acobertar o caso e o manteve no cargo por quase dois anos.
Atualmente diretor de tecnologia da produtora de extrema direita Brasil Paralelo, Konrad é apontado como um dos fundadores do 55Chan, um fórum conhecido por disseminar crimes de ódio, pornografia infantil e antissemitismo, conforme revelou reportagem da Agência Pública.
Agora, documentos inéditos obtidos pelo Intercept Brasil mostram que, ao ser informado sobre as atividades de seu funcionário, o Nubank não apenas decidiu mantê-lo em seus quadros como também agiu intensamente para abafar a situação.
Na ocasião, em 2016, Scorciapino havia sido convidado para palestrar em um evento da Associação Python Brasil, a APyB.
Representando o Nubank, onde era engenheiro sênior de software, ele iria lecionar sobre uma linguagem de programação na qual era especialista. No entanto, membros da APyB denunciaram suas interações com publicações xenofóbicas.
A indignação foi causada por um tweet de Scorciapino: “A Dinamarca tem um problema de estupro. O problema do estupro é causado por diversidade. #DiversidadeÉEstupro”, dizia a legenda, em inglês, acompanhada por um gráfico que mostrava as nacionalidades de imigrantes acusados de estupro no país europeu.
Diante da repercussão no Twitter e Facebook, a APyB inicialmente afirmou apenas estar acompanhando as discussões. Posteriormente, anunciou a exclusão de Konrad do rol de palestrantes em um comunicado público. A associação disse que, antes de tomar essa decisão, dialogou com todas as partes envolvidas e teve “uma extensa conversa” com o próprio Scorciapino e seu empregador, sem mencionar o nome do Nubank.
Na nota, a APyB também criticou a exposição do caso pelos seus seguidores, pedindo desculpas publicamente ao engenheiro e à empresa por “toda esta confusão”.
A nota não era simpática ao Nubank à toa. O time de relações públicas do banco digital foi acionado para gerir a crise, e não só entrou em contato com os diretores da APyB, como revisou o comunicado sobre a exclusão de Scorciapino do evento.
Em um documento compartilhado, utilizando o e-mail corporativo, um funcionário do Nubank editou diretamente o texto. Incluiu, por exemplo, a informação de que o convite para a palestra teria sido feito a Scorciapino, e não ao banco.
Depois que o comunicado foi ao ar, o Nubank optou por manter Konrad Scorciapino no cargo por quase dois anos, até março de 2018. Durante esse período, ele continuou a desempenhar suas funções, que incluíam programação, engenharia de dados e desenvolvimento de modelos de machine learning em tempo real.
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A informação de que Scorciapino era o criador do 55Chan era facilmente encontrada na internet desde 2010. Uma publicação do site Internet para Leigos, mantido por um usuário anônimo, afirmava que Konrad era o fundador do fórum. No Twitter, posts de 2010 já associavam o nome completo de Konrad a links de “chans”. Esses fatos, porém, passaram à margem do compliance do banco.
O Intercept entrou em contato com a assessoria de imprensa do Nubank por e-mail e telefone para questionar se, além da publicação que gerou a exclusão de Konrad do evento da Python Brasil, o banco digital conhecia as atividades dele no 55Chan.
Inicialmente, o setor de relações públicas do banco digital concordou em responder às perguntas feitas pela reportagem. Mas, por duas vezes seguidas, o Nubank não enviou o comunicado dentro do prazo combinado. O espaço segue aberto para manifestações.
‘Imagina se o Nubank descobre que tem supremacista branco e escravagista no quadro de funcionários?’
Prints de conversas no 55chan, de maio de 2016, revelam a admiração dos usuários e o papel de liderança de Konrad, conhecido no fórum como “K”, mesmo depois de sua saída, que aconteceu por volta de 2010, segundo a reportagem da Pública.
O episódio envolvendo Scorciapino no evento da Python Brasil despertou uma série de discussões. À época, ele já não era mais o responsável pelo fórum, que ganhou notoriedade por abrigar conteúdo extremamente violento e ilegal. Mesmo assim, ainda era reconhecido como líder pela maior parte dos usuários.
O debate sobre o caso começa com um membro dizendo: “K como keynote speaker de conferência. É pescaria?”. Em seguida, começam a surgir comentários em defesa de Scorciapino.
“Não desrespeite o Santo K”, disse um usuário. “Mas o que tem a ver o trabalho bem feito do cara com suas posições ideológicas? Vai toma no cu esse politicamente correto do caralho. Ainda bem que moro no interior e não tem esses autistas e retardados em minha cidade”.
Os comentários em defesa de Scorciapino indicam a sua liderança do 55Chan. “Estão planejando tirar o Excelentíssimo K por conta de um tweet! Um SFW foi abrir o bico aí tá fornicando tudo. Nós devemos nos manter calado diante de tamanha ofensa ao seu legado??”, questionou um dos participantes.
‘Melhor não fazer nada. Se fizermos é capaz de aí a merda finalmente atingir o ventilador.’
A informação de que Scorciapino arcava com os custos financeiros do 55Chan também aparece em uma das mensagens: “Seria tão bonitinho intervir em favor do K. Nos cansamos de zoar ele, os amigos dele, a esposa dele e até os pais dele enquanto ele pagava as contas do servidor, agora retribuímos o favor enquanto continuamos tirando sarro por aqui”.
Até que, diante da revolta dos membros do 55Chan com a exposição de Scorciapino, começaram as ameaças de “raid”, termo usado para definir um ataque em massa. “Bora reunir os anões para ir ao Python Brasil fazer raid e perguntar coisas constrangedoras?”, perguntou um deles. “Essa é uma boa ideia”, diz uma das respostas.
Em outra resposta, que refuta a possibilidade de um ataque ao evento da Python Brasil, um usuário diz que Scorciapino é um supremacista branco e escravagista e menciona o Nubank: “Melhor não fazer nada. Se fizermos é capaz de ai a merda finalmente atingir o ventilador e algo de verdade acontecer com o K (imagine a NuBank descobrir tem supremacista branco e escravagista no quadro funcionário deles.)”.
Uma das mensagens se refere a supostas postagens feitas por Konrad com apologia à Ku Klux Klan. “O K é muito Kbaço mesmo. O cara vai me postar negócio de KKK no páçaro?”, diz o texto. “Páçaro” é o termo usado pelos membros para se referir ao Twitter (hoje, chamado de X).
Quando saiu a confirmação de que K não palestraria mais na Python Brasil, os usuários do 55Chan reagiram: “Porra, tiraram o Santo K da keynote. Que merda”, disse um deles. “As comunidades de Python, Ruby e afins estão simplesmente lotadas de viados, depósitos e grifinoristas [expressões pejorativas, homofóbicas e misóginas]. Você não vê ninguém dando piti desse jeito na comp.lang.c ou outra comunidade de linguagem mais antiga”, escreveu outro.
No fim, o fórum definiu que não atacaria os integrantes da APyB que denunciaram Scorciapino. “Se fizermos algo vai ser muito pior, pois aí vão ligá-lo ao chan e dizer que foi ele que incitou a raid por vingança. Aí sim ele seria demitido e a carreira dele iria pro brejo. O melhor que fazemos para ajudar o k é não fazer nada. Só torcer para ele não ser burro assim de novo”, resumiu um membro.
Um outro seguidor lamenta: “Ele não precisa ser burro de novo. Essa singela postagem vai persegui-lo pelo resto da vida”.
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