Flona Altamira em 2009. Foto Alex SIlveira/WWF Brasil

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Madeireiras mantêm licença para explorar unidade de conservação na Amazônia mesmo com multas milionárias

RRX Mineração e Patauá Florestal ainda mantêm relações com empresa britânica envolvida nos supostos crimes ambientais de Ricardo Salles, ex-ministro de Bolsonaro.

Flona Altamira em 2009. Foto Alex SIlveira/WWF Brasil

As empresas RRX Mineração e Patauá Florestal acumularam mais de R$ 14 milhões em multas ambientais na última década. Mesmo assim, são donas de uma concessão para explorar área pública de 380 mil hectares da Floresta Amazônica no estado do Pará. 

Com um vasto histórico de infrações ambientais, que incluem uso de informações falsas, depósito de madeira sem identificação e transporte ilegal de madeira, elas seguem entrando legalmente na floresta para extrair madeira.

As duas empresas são responsáveis pela maior parte das madeiras exportadas pela Tradelink Madeiras, investigada pela Polícia Federal no esquema de exportação de madeira ilegal que resultou na queda de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente, em 2021.

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A RRX e Patauá fazem parte da Associação Brasileira das Empresas Concessionárias Florestais, a Confloresta. A organização – ao lado da  Tradelink e da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará, a Aimex – foi apontada pela PF como responsável por pressionar o ex-ministro a afrouxar as regras para exportação de madeira nativa. 

O pedido resultou no esquema de ‘passar a boiada’. Salles, hoje deputado federal por São Paulo pelo Partido Liberal, virou réu após a Vara Federal Criminal do Pará acatar uma denúncia para investigar a venda ilegal de madeira para o exterior.

O contrato de concessão do Serviço Florestal Brasileiro com a RRX e a Patauá foi firmado em 2015, garantindo a exploração da Flona de Altamira, no oeste do Pará, por 40 anos. 

Desde então, as duas empresas acumularam multas por inclusão de informações falsas no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais, o Sisflora, por depósito de madeira sem identificação e transporte ilegal de madeira. Também foram autuadas por agirem em desacordo com a licença ambiental. 

Grupo tem certificação internacional de sustentabilidade

O Grupo Patauá é formado por cinco madeireiras: Serra Mansa, Maderais, Xanxere, Perondi e Garibaldi. Todas elas possuem certificação internacional de produto sustentável emitido pela organização Forest Stewardship Council, conhecida pela sigla FSC. A certificadora atesta a origem de produtos florestais sustentáveis. 

Ainda assim, só a Patauá e seus sócios somam juntos ao menos R$ 2 milhões em multas ambientais – desconsiderando as outras empresas dos sócios. O selo que supostamente garante a origem lícita da madeira, exigido pelo mercado internacional, serve para agregar valor ao produto exportado. O famoso greenwashing.

Ao ser questionada, o FSC se esquivou da responsabilidade e defendeu as empresas. Afirmou que os responsáveis para analisar multas e processos são as certificadoras brasileiras e, em alguns casos, também a Assurance Services International. 

“Entretanto, vale ressaltar que tais registros não significam, necessariamente, que uma empresa é automaticamente culpada. Há sempre a possibilidade de se recorrer da decisão e, eventualmente, as multas podem ser anuladas, a depender da investigação realizada pelas instituições relacionadas”, disse o FSC.

Segundo a organização, uma empresa perde o selo se houver extração ilegal ou comércio ilegal de produtos florestais. A destruição de florestas ou áreas de Alto Valor de Conservação – caso da Flona de Altamira – também seria inaceitável. “É uma das sanções mais severas”, disse a certificadora, que afirmou que a “até a presente data, não há registros de denúncias abertas ou de histórico de conflitos” com relação à Patauá e RRX. 

Porta-voz de grupo é ‘voz da Amazônia’ que também acumula multas

Rubens Zilio é o administrador da Patauá e dono da madeireira Serra Mansa. Ele aparece em um vídeo da série “Vozes da Amazônia”, da AFP, contando como se tornou um madeireiro 100% legal após o início da concessão florestal.

Só que Zilio acumula sozinho ao menos R$ 1,2 milhão em multas ambientais, desde que começou a vigorar a licitação da Flona de Altamira.

Em 2021, o empresário foi autuado pelo Ibama em R$ 500 mil e teve  parte de sua propriedade embargada – a área fica a poucos quilômetros da unidade de conservação de Altamira.

Os sócios da Patauá, Oberdan Perondi e Onésio Alves da Silva, donos das madeireiras Perondi e Garibaldi, que são vizinhas na Rodovia Transgarimpeira em Moraes Almeida, distrito de Itaituba, foram autuados em 2019 por inserirem informações falsas (créditos fictícios) no Sisflora. As empresas apresentaram uma diferença de 873 m³ entre o saldo do Sisflora e o volume real de madeira, aproximadamente 40 caminhões carregados de diferença.

A RRX Mineração, administrada pelo advogado Robson Oliveira Azeredo, também acumula infrações ambientais no Pará desde 2015. A multa mais recente, aplicada pelo Ibama, foi ano passado: R$ 12,5 milhões, por lançar resíduos de madeira a céu aberto na serraria da empresa, em Itaituba. A empresa também tem a certificação FSC.

Em fevereiro de 2021, o Ministério Público do Pará recebeu uma denúncia anônima afirmando que a RRX continuava com o transporte irregular de madeira, em Monte Alegre. Junto com a denúncia, mandaram a foto de um caminhão da empresa carregado de toras. 

Caminhão da madeireira RRX transportando toras. Foto: Reprodução
Caminhão da madeireira RRX transportando toras. Foto: Reprodução

Em junho de 2022, agentes ambientais do Pará realizaram uma fiscalização no pátio da RRX, na Floresta Estadual do Paru, e autuaram a empresa por manter 68 toras sem identificação no depósito. Isso impossibilitava o rastreamento da origem da madeira. 

A RRX também já havia sido autuada por transportar toras com informações incorretas, e, em 2015, por cortar árvores sem autorização dentro da Floresta Estadual do Paru.

Ao Intercept Brasil, a RRX afirmou que “não possui multas ambientais referentes à execução dos planos de manejos florestais na Flona de Altamira”. Também afirmou que “explora madeira de origem licenciada e fiscalizada pelos órgãos ambientais competentes, na forma da legislação vigente”

Perguntamos, então, sobre o histórico de infrações, que não envolviam apenas multas em aberto e não se restringiam à Flona de Altamira. A RRX não respondeu.

Já a Patauá afirmou que “é concessionária florestal e que toda execução econômico-financeira é publicada em portal do governo, que também divulga dados da produção, execução contratual, valores arrecadados”. A empresa aproveitou para anexar uma certidão negativa de multas do Ibama – que pode ser obtida quando as multas são quitadas. 

A empresa não comentou sobre as multas das empresas de seus sócios, responsáveis por distribuir a madeira extraída da Flona de Altamira. 

Em fevereiro deste ano, a Patauá Eco, braço responsável pelo beneficiamento de resíduos das madeireiras, ainda foi multada em R$ 550 mil por estar em desacordo com a licença de operação. 

Empresas têm ligação com exportadora favorecida por Salles

Tanto a Patauá como a RRX mantêm relação comercial com a britânica Tradelink. É ela quem faz a comercialização internacional da madeira produzida pelas duas empresas.

Comandada por Leon Robert Weich, a Tradelink tem escritório em sete países – Estados Unidos, Canadá, China, França, Portugal, Reino Unido e África do Sul – para vender madeira da Amazônia pelo mundo. Aqui no Brasil, coleciona um vasto histórico de infrações ambientais e multas.

A filial brasileira, que fica em Ananindeua, no Pará, foi condenada em 2016 a pagar quase R$ 5 milhões por fraudar o sistema de controle estadual para fazer com que madeira retirada ilegalmente da floresta parecesse regular.

Em 2020, o Intercept Brasil denunciou que a Tradelink foi beneficiada pelo então superintendente do Ibama, Walter Mendes Magalhães Júnior, com a emissão retroativa de licenças de exportação para liberar uma carga de madeira ilegal que estava retida nos Estados Unidos. 

Essa iniciativa deu início à investigação contra o ex-ministro Ricardo Salles. A Tradelink foi uma das exportadoras identificadas na Operação Handroanthus, da Polícia Federal, que resultou na apreensão de  226 mil m³ de madeira – com o valor estimado de R$ 130 milhões.

De acordo com a investigação, Salles agiu para atender interesses de um grupo de madeireiros que esteve em Brasília, após apreensões de madeira nativa exportadas ilegalmente para os Estados Unidos. 

Entre os madeireiros, estavam integrantes da Confloresta, que representa a RRX e a Patauá. E também da Aimex, da qual a Tradelink e a Madeireira Garibaldi – do grupo Patauá – fazem parte. 

Ainda como ministro, Salles usou o cargo para, ao lado do presidente do Ibama, Eduardo Bim, revogar a norma que previa que a exportação de madeira nativa dependia de autorização do órgão. 

Na famosa reunião ministerial do governo Bolsonaro de 22 de abril de 2020, Salles disse que precisava aproveitar que só se falava de covid-19 para ‘ir passando a boiada’. Essa fala foi citada na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a investigação da exportação de madeira irregular. 

Na decisão de Moraes, a Tradelink é descrita pela Polícia Federal como “uma infratora contumaz, possuindo inúmeras autuações que totalizavam mais de R$ 7,8 mi”. Em 2021, após a saída de Salles, o Ibama restabeleceu o seu papel de ser responsável por autorizar a liberação da madeira.

Um levantamento publicado pelo De Olho nos Ruralistas no ano passado mostrou que a Tradelink foi a maior exportadora de madeira por empresas autuadas pelo Ibama. Foram 1.549 toneladas. A Garibaldi, que faz parte do Grupo Patauá, ocupou o nono lugar, com 151 toneladas de madeira. 

A Floresta Nacional de Altamira fica entre nove áreas protegidas, e está situada entre os rios Xingu e Tapajós. A maior parte da madeira extraída pelas concessionárias da Flona segue sentido norte, pela BR 163, até o entroncamento com a Rodovia Transamazônica, de onde vai para Belém para ser exportada. 

Em 2023, foram exportados 82.444 m³ de madeira extraídas no estado do Pará. Essa quantidade de madeira que saiu do Brasil rendeu a quantia de pouco mais de R$ 633 mil, uma média de R$ 7.679,31 por metro cúbico.

O Pará é o maior exportador de madeira nativa do Brasil. Mas um estudo do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira mostrou que, entre agosto de 2021 e julho de 2022, 46% da exploração madeireira no Pará foi realizada sem autorização – ou seja, de forma ilegal.

No Plano de Manejo Florestal Sustentável, obrigatório para exploração em unidades de conservação, ficam definidas as árvores com potencial comercial que serão cortadas e as árvores que devem ser protegidas.

No documento são calculados os créditos florestais, ou seja, a quantidade de toras, em metros cúbicos, que poderão ser retiradas daquela área. 

Quando as árvores são derrubadas, elas passam a ser chamadas de toras e recebem uma plaquinha com as referências de identificação para o transporte. É justamente isso que deveria garantir a legalidade e a procedência da madeira.

Mas é aí que está o problema. Infratores declaram no Sisflora um volume maior de créditos florestais (metros cúbicos de madeira) do que o que consta no plano de manejo. Com o crédito que sobra, retiram madeira de áreas ilegais e lançam no sistema como se elas fizessem parte da área legal.   

“É uma fraude clássica”, diz o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, que atuou nas maiores operações contra extração ilegal de madeira na Amazônia. 

‘É uma fraude clássica’

Com a fraude, a madeira extraída ilegalmente é esquentada pelos créditos fictícios e exportada com selo de sustentabilidade. Os países interessados compram madeira nobre por um preço abaixo do valor de mercado – por isso não endurecem as regras para importação ou melhoram o controle de suas cadeias produtivas. 

O delegado questiona a razão pela qual a Europa segue comprando a madeira da Amazônia. “Não deveria comprar. As mesmas travas que põem na carne deveriam ser colocadas na madeira”, observa. 

A explicação, prossegue Saraiva, está no lucro que os compradores obtêm. A madeira brasileira entra na Europa como insumo, explica ele, portanto, o imposto pago é baixo. Se ela fosse fornecida como produto final, a taxação seria diferenciada. 

Mesmo com multas ambientais, empresas dificilmente perdem licença para explorar floresta

Para concorrer ao edital de concessão florestal, a lei determina que a empresa deve comprovar a ausência de débitos na dívida ativa relativos a infração ambiental e ausência de condenações, com trânsito em julgado, em ações penais relativas a crimes contra o meio ambiente. 

Na prática, há uma série de entraves que dificultam o julgamento e a condenação por crimes ambientais. O primeiro é a possibilidade de acordo ou compensação. “Os crimes ambientais, geralmente, permitem a adoção de providências em caráter resolutivo que não implicam em condenação”, explica Rita Maria Borges, advogada e professora de Direito Ambiental.

Vista aérea da Floresta Nacional de Altamira. Foto: WWF-Brasil/Alex Silveira
Vista aérea da Floresta Nacional de Altamira. Foto: Alex Silveira/WWF Brasil

Depois, o longo processo de desclassificação. Como a lei diz que as empresas só são desclassificadas se não existir mais a possibilidade de recurso e for uma condenação definitiva – o processo pode levar anos ou mesmo nunca acontecer, explica Borges. 

O mesmo ocorre para a rescisão dos contratos. Medidas administrativas e judiciais que acarretem a suspensão da concessão e paralisação das atividades só acontecem depois de um processo específico.

Procuramos a Polícia Federal para comentar o andamento da investigação Handroanthus, mas eles não responderam nosso contato.

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