Depois de anos lutando contra a extradição do Reino Unido para os EUA por acusações relacionadas à publicação de telegramas secretos sobre a Guerra do Iraque, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, chegou a um acordo judicial com os procuradores federais americanos. Assange voltou para sua casa, na Austrália, após uma audiência na manhã de terça-feira.
O acordo acaba com o longo impasse entre Assange e a Casa Branca, que provocou tensões diplomáticas e comoção global com a hipocrisia americana no que se refere à promoção da liberdade de imprensa.
Em 2018, o Departamento de Justiça denunciou Assange em um tribunal federal em Alexandria, no estado da Virgínia, por acusações de hackeamento e acesso não autorizado a informações sigilosas. Depois de passar quase sete anos morando na embaixada do Equador em Londres, ele foi preso em 2019 para ser extraditado pelas acusações dos EUA. No mês passado, um tribunal de Londres decidiu que Assange poderia continuar a recorrer contra sua extradição.
Na segunda-feira, procuradores federais protocolaram acusações revisadas no tribunal distrital dos EUA nas Ilhas Marianas do Norte, juntamente com uma carta solicitando uma audiência na terça-feira. A carta dizia que os procuradores esperavam que Assange se declarasse culpado. O distrito remoto foi escolhido “à luz da objeção do réu contra viajar para os Estados Unidos continentais para apresentar sua confissão de culpa”, e também pela proximidade com a Austrália, pelos termos da carta.
“Agradecemos ao tribunal por acomodar os procedimentos de confissão e sentença em um único dia”, escreveram os procuradores à juíza-chefe do distrito, Ramona V. Mangloña, que marcou a audiência para as 9h da manhã na terça-feira.
Segundo relato no Twitter do jornalista Thomas Mangloña II, que acompanhou pessoalmente a audiência, a juíza teria perguntado a Assange em que se constituiria seu crime: “(…) encorajei minha fonte a publicar informações supostamente sigilosas para publicar essas informações. Considerei que a Primeira Emenda [à Constituição americana] protegia essa atividade”.
A juíza reconheceu que as ações de Assange não produziram nenhuma vítima pessoal e que ele já sofreu consequências suficientes por sua conduta, e o condenou exclusivamente ao tempo de prisão já cumprido até hoje, permitindo que saísse da sala de audiência sem nenhuma pena remanescente.
Os documentos de acusação atualizados afirmavam que Assange teria “conspirado ilegalmente com Chelsea Manning” para acessar e divulgar informações sigilosas sem acesso legítimo, entre 2009 e 2011. Em janeiro de 2017, pouco antes de deixar o cargo, o ex-presidente Barack Obama comutou a pena de Manning, após os sete anos em que ela permaneceu atrás das grades.
Em abril deste ano, o presidente americano Joe Biden declarou que estaria “considerando” retirar as acusações e o pedido de extradição contra Assange, o que vinha sendo pleiteado pelas organizações em favor da liberdade de imprensa nos EUA e no mundo inteiro.
Após a confirmação de Biden de que as negociações estavam em curso, o Intercept dos EUA inquiriu o Departamento de Estado sobre o andamento, e obteve a primeira resposta substancial do governo sobre a questão, ainda que pouco clara: “um dos crimes de que Julian Assange está sendo acusado é auxiliar Chelsea Manning a hackear os sistemas do governo”, disse em abril o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, “o que, até onde sei, nunca foi considerado uma prática jornalística legítima”.
A pressão da Austrália desempenhou um papel importante no aspecto político do processo: o governo australiano se manifestou contrário à extradição de Assange para os Estados Unidos. Parlamentares australianos viajaram para os Estados Unidos para fazer lobby com seus colegas americanos, e pressionaram a embaixadora dos EUA, Caroline Kennedy, a intervir. Em agosto do ano passado, Kennedy levantou a possibilidade de um acordo judicial como o que agora está sendo realizado.
Os defensores da liberdade de imprensa comemoraram o fim da saga de Assange, mas estão preocupados com o precedente que se estabelece.
“Um acordo judicial evita o pior cenário para a liberdade de imprensa, mas esse acordo inclui o cumprimento de cinco anos de prisão por Assange, em razão de atividades que jornalistas praticam todos os dias”, diz Jameel Jaffer, diretor-executivo do Knight First Amendment Institute na Universidade de Columbia.
‘O governo poderia facilmente ter desistido do caso, mas optou por legitimar a criminalização da conduta jornalística de rotina e encorajar futuros governos a fazer o mesmo.’
“É uma boa notícia que o Departamento de Justiça esteja colocando fim a essa embaraçosa saga”, diz Seth Stern, diretor de defesa de direitos na Fundação pela Liberdade de Imprensa. “O acordo judicial não terá o mesmo efeito de uma decisão judicial como precedente, mas ainda vai pairar sobre as cabeças dos jornalistas de segurança nacional nos próximos anos.”
“O governo poderia facilmente ter desistido do caso, mas optou por legitimar a criminalização da conduta jornalística de rotina e encorajar futuros governos a fazer o mesmo”, diz Stern. “E fizeram essa escolha sabendo que Donald Trump adoraria encontrar uma forma de colocar jornalistas na prisão.”
A esposa de Assange, Stella, adotou um tom mais triunfante após as notícias sobre o acordo judicial. “Julian está livre!!!”, ela tuitou, juntamente com um vídeo de Assange embarcando em um avião. O WikiLeaks tuitou que Assange “deixou a prisão de segurança máxima de Belmarsh na manhã de 24 de junho, após ter passado ali 1901 dias”.
A publicação pelo WikiLeaks de 250 mil telegramas não censurados do Departamento de Estado, desde o início de 2010, foi um dos mais importantes vazamentos de dados na história do governo americano. Além dos telegramas, que continuaram a ser um recurso para jornalistas, ativistas e investigadores anticorrupção do mundo inteiro, o WikiLeaks também divulgou informações comprometedoras que revelaram a conduta dos EUA na guerra ao terror, incluindo filmagens de um helicóptero militar americano que mostram o assassinato de civis e jornalistas da Reuters durante um ataque a Bagdá, no Iraque, em 2007.
Nota do editor: Esta matéria, publicada originalmente no The Intercept, foi atualizada pela tradutora para incluir informações sobre a audiência de Assange na terça-feira, 25 de junho de 2024.
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