Biden em Convenção do Partido Democrata (Photo by Mario Tama/Getty Images)

Partido Democrata manobra para manter candidatura de Biden nos EUA

Engessado, partido segue sem espaço para dissidências internas, e pode acabar pagando por isso nas eleições.

Biden em Convenção do Partido Democrata (Photo by Mario Tama/Getty Images)

As pessoas vêm falando nos bastidores sobre o declínio cognitivo do presidente americano Joe Biden nos últimos anos. Quando o Wall Street Journal publicou uma matéria no começo de junho despertando receio sobre a saúde de Biden, membros do Partido Democrata fizeram duras críticas, rebateram os argumentos, e consideraram que se tratava de um texto para chamar a atenção.  Mas depois do desempenho do candidato no primeiro debate presidencial na noite de quinta-feira, os agentes do partido já não tiveram como esconder o problema.

Agora, enquanto os democratas lutam para mensurar os danos, a pergunta passou a ser como, ou se, a crise da candidatura de Biden será enfrentada na Convenção Nacional do Partido Democrata (DNC), em agosto.

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“Eles vinham tentando surfar até as eleições gerais com o mínimo de exposição possível ao público. E agora isso explodiu na cara deles”, diz Thomas Kennedy, ex-delegado do Comitê Democrata Nacional que renunciou em janeiro em razão do apoio de Biden à guerra de Israel em Gaza. “Os delegados sabiam, os eleitos sabiam, os doadores sabiam, obviamente a equipe sabia”, diz. “Todos sabiam.”

Os esforços para levar à DNC as preocupações em torno da saúde de Biden foram terminantemente rechaçados por anos, segundo Kennedy. Um integrante da DNC, que sugeriu que outro candidato concorresse em 2024, conta que foi atacado por outros integrantes e enfrentou uma votação para ser removido da convenção. “É esse tipo de reação que qualquer tipo de – não apenas divergência, mas qualquer menção a esse assunto – vem recebendo nos últimos dois anos”, diz Kennedy.

A campanha de Biden, por sua vez, deixou claro na sexta-feira que não tem nenhuma intenção de recuar. Diante de uma pergunta sobre o desempenho do presidente no debate, a porta-voz da campanha, Lauren Hitt, enfatizou que Biden não renunciaria à candidatura, e mencionou os US$ 14 milhões (R$ 79 milhões) arrecadados pela campanha após o debate e um comício em Raleigh, no estado da Carolina do Norte, na sexta. “Ele acabou de fazer um discurso muito forte em um comício na Carolina do Norte, para uma multidão animada”, escreveu Hitt para o Intercept dos EUA. Em comentários feitos na aeronave Força Aérea Um na tarde de sexta, o diretor de comunicação da campanha de Biden, Michael Tyler, reforçou: “Joe Biden é o indicado”.

Atuais e antigos delegados afirmaram ao Intercept que há poucas chances de que a DNC possa mudar de rumo. A convenção, segundo os delegados, deve seguir os mesmos processos meramente pró-forma que serviram de obstáculo às iniciativas de reforma, e com elas, à ala progressista do partido. A convenção já transferiu a votação da indicação presidencial para os meios eletrônicos, semanas antes da realização presencial da própria convenção, em Chicago.

‘A menos que Biden se retire, a convenção é uma coroação encenada.’

Existem mecanismos para permitir que uma convenção aberta indique outro candidato, mas o partido vem evitando essa opção como último recurso, e já seria tarde demais neste momento, segundo Nadia Ahmad, integrante da DNC na Flórida. Biden precisaria decidir se afastar por sua própria vontade, ou os delegados precisariam se organizar rapidamente para assumirem um compromisso com outro candidato. Tendo em conta que a indicação será votada antes da convenção, Ahmad diz que qualquer processo aberto de indicação precisaria acontecer online também, o que é pouco provável.

“Há sem dúvida um desejo por algo que eu chamaria de fator de combustão”, diz Ahmad. “As pessoas estão dispostas a queimar as coisas para ver se elas funcionam. É aí que se contempla a ascensão de um terceiro partido.”

Ela acrescenta que a convenção há muito tempo deixou de servir como um lugar para tomada de decisões democráticas. “O Partido Democrata está mais empenhado em tentar manter o controle do que em tentar vencer uma eleição em novembro.”

Outro integrante da DNC, que pediu para permanecer em anonimato para evitar represálias, diz que o debate apenas enfatizou o que os progressistas vêm dizendo sobre a DNC nos últimos ciclos. “A menos que Biden se retire, a convenção é uma coroação encenada.”

Kennedy observou que o tempo das convenções políticas movimentadas já ficou para trás. “Essas não são as convenções de 1968 ou de 1972, sobre as quais lemos”, diz. “São apenas eventos altamente coreografados de cima para baixo, em que não há muito espaço para manobras políticas ou para oposição, nem nada que se afaste muito do sistema tradicional. Os delegados são cuidadosamente escolhidos e selecionados de forma que façam parte do maquinário e do jogo de interesses do partido.”

Dias antes do debate, o jornal New York Times publicou uma matéria sobre como o presidente estava enfrentando “vídeos enganosos” que mostrariam seu declínio causado pela idade. Logo no começo do debate na noite de quinta-feira, a campanha de Biden já precisou enfrentar uma outra frente de batalha: como estancar a sangria da cobertura jornalística, que discutia se o desempenho do presidente atrapalharia suas chances de vitória nas eleições de novembro. Durante uma chamada de rotina com os apoiadores, após o debate, a equipe de campanha chegou a reconhecer que o debate foi difícil, segundo uma fonte que compareceu. No dia seguinte, o aparato do partido já estava de volta às mensagens de sempre.

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