Os franceses foram às urnas no último domingo e colocaram o Reunião Nacional de Marine Le Pen na liderança das eleições legislativas.
O partido da extrema direita obteve 33,5% dos votos no primeiro turno, superando a aliança de esquerda e o bloco governista de Emmanuel Macron.
A depender do resultado do segundo turno, que ocorrerá amanhã, os extremistas poderão alcançar maioria absoluta no parlamento e conquistar o direito de indicar o primeiro ministro.
Neste cenário, a extrema direita teriam muito mais relevância no jogo político francês, o que seria “catastrófico”, como bem apontou o craque da seleção francesa Kylian Mbappé.
Logo após sair o resultado do primeiro turno, pesquisas indicavam que os herdeiros do fascismo francês confirmariam o favoritismo no segundo turno e conquistariam a maioria absoluta com tranquilidade.
Mas o clima de já ganhou foi mudando durante a semana. Partidos tradicionais formaram uma frente ampla para fazer oposição ao Reunião Nacional de Le Pen. Com isso, mais de 200 candidatos à cadeira de deputado abrissem mão de suas candidaturas no segundo turno em favor da frente republicana.
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Na França, mais de dois candidatos podem concorrer a uma vaga em cada distrito eleitoral no segundo turno. Candidatos de esquerda e de centro que estavam em segundo ou terceiro lugar nas pesquisas abandonaram suas candidaturas para evitar a divisão dos votos e enfraquecer os candidatos do partido de Le Pen.
Além disso, milhares de jovens franceses tomaram as ruas em toda a França em repúdio ao avanço da extrema direita. Novas pesquisas mostram que o partido dos reacionários provavelmente ganhará mais cadeiras que qualquer outro, mas não atingirá a maioria absoluta como indicavam pesquisas anteriores.
A nova moda entre os reaças brasileiros é arrancar Le Pen e o Reunião Nacional a fórceps da extrema direita do espectro político. Bolsonaristas e articulistas que posam de direitistas moderados passaram a reescrever a história dos extremistas liderados por Le Pen.
Para eles, o tempo passou, os fascistas franceses mudaram, caminharam em direção ao centro e hoje fazem parte da direita tradicional.
Há pelo menos 10 anos, Le Pen vem adotando uma série de estratégias para suavizar o discurso e tornar os reacionários mais palatáveis ao gosto francês.
O comentarista Demétrio Magnoli da Globo News, por exemplo, discutiu ao vivo com seu colega Guga Chacra ao tentar normalizar a extrema direita francesa. Ele ficou irritado por classificarem Le Pen e sua turma como políticos de extrema direita – algo que é óbvio para qualquer analista político minimamente sério.
Guga Chacra, ainda mais irritado com o terraplanismo político de Magnoli, rebateu: “Ela (Marine Le Pen) é extrema direita. Eu prefiro ficar com o Le Monde, The Economist, New York Times, Washington Post, com quase toda a imprensa mundial. Tenho orgulho de ser jornalista, cientista político”.
Mas Magnoli não está sozinho. Há muita gente na imprensa que compartilha dessa barbaridade analítica. Os adeptos dessa ciência política freestyle contribuem, conscientemente ou não, para o processo de repaginação da imagem do neofascismo francês liderado por Le Pen.
No país do iluminismo, os ideais fascistas encontravam dificuldade para ganhar aderência entre a população. Desse modo, há pelo menos 10 anos, Le Pen vem adotando uma série de estratégias para suavizar o discurso e tornar os reacionários mais palatáveis ao gosto francês.
A maior pedra no sapato desse processo de repaginação do partido sempre foi seu pai, Jean-Marie Le Pen, um fascista que é aberta e ostensivamente antissemita, islamofóbico, homofóbico e já foi condenado inúmeras vezes nos tribunais franceses por discursos de ódio.
Ele já afirmou publicamente que a ocupação nazista na França não foi “especialmente desumana”, que as câmaras de gás usadas pelos nazistas foram um mero “detalhe” da história, que “era preciso salvar a europa boreal e o mundo branco” e que um cantor francês de origem judaica teria que “passar pelo forno”.
É esse o nível de extremismo dessa turma. Ao ver o filme do partido sendo queimado em praça pública pelo pai, Marine Le Pen expulsou-o do partido. Mas isso não passou de um grande jogo de cena. Apesar da expulsão, Marine não condenou seu pai com a veemência necessária, para demonstrar claramente que pensa bem diferente dele.
Apenas se limitou a dizer que ele cometeu um mero “erro político” — é assim que Le Pen trata o fascismo ostentação do seu papai. O fato é que ela e o seu partido continuaram a defender os mesmos ideais fascistas de sempre. Mudaram a roupa, mas a essência fascista permanece a mesma de sempre.
A expulsão do pai, a mudança de nome do partido (antes chamado de Frente Nacional) e a escolha de Jordan Bardella como liderança do partido foram alguns dos movimentos de Marine Le Pen para dourar a pílula do neofascismo francês.
Bardella é uma espécie de Nikolas Ferreira francês: é jovem, tem muitos seguidores nas redes sociais e se tornou a cara moderninha e descolada de uma ideologia apodrecida. O sucesso da extrema direita nessas eleições se deu em grande parte pela popularidade da sua figura.
Assim como Jean-Marie Le Pen, Bardella costumeiramente faz declarações racistas e homofóbicas, mas de maneira velada. O fato é que nunca houve mudança de rotas nas linhas gerais do programa de governo do partido de Le Pen, mas Magnoli e outros terraplanistas querem nos fazer acreditar que esses nazistas se tornaram moderados.
A extrema direita é articulada internacionalmente e essa repaginação do neofascismo certamente se consolidará como nova tendência.
As principais propostas do Reunião Nacional são baseadas no nativismo, uma ideologia que visa proteger as pessoas nascidas na França e oprimir imigrantes e filhos de imigrantes que nasceram no país.
Eles defendem que filhos de estrangeiros nascidos na França não tenham mais direito à nacionalidade francesa. Ou seja, para eles, apenas filhos de pais franceses são considerados cidadãos.
Bardella prometeu erradicar do país o que ele chama de “perigosas ideologias islâmicas”, fechando mesquitas e deportando religiosos muçulmanos considerados radicais. O Magnoli pode ficar chateado, mas isso é neonazismo em estado bruto.
Repaginação do bolsonarismo
No Brasil, esse mesmo movimento de suavização do fascismo está a todo vapor. A extrema direita é articulada internacionalmente e essa repaginação do neofascismo certamente se consolidará como nova tendência.
Há uma clara intenção de se fabricar um candidato com tons moderados, que herde o espólio eleitoral de Bolsonaro, que está inelegível.
O governador Tarcísio de Freitas parece ser o candidato natural, já que, apesar de ter atuado como linha de frente do fascismo bolsonarista nos últimos anos, conseguiu consolidar a imagem de tecnocrata moderado, um bolsonarista que sabe se portar à mesa e usar os talheres.
É o candidato preferido do mercado, de boa parte da imprensa corporativa e de bolsonaristas envergonhados.
Torçamos para que a França consiga frear o avanço do neofascismo e impeça que uma figura nefasta como Bardella consiga a vaga de primeiro-ministro. Não é difícil imaginar o estrago que um Bolsonaro jovem e repaginado pode fazer à frente da segunda maior economia e a maior potência bélica e nuclear da Europa.
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