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França: Vitória da esquerda foi uma reação ao fascismo e aos liberais

Para que a esquerda assuma e continue no poder, precisará enfrentar a questão racial, a violência policial e a xenofobia.


A manobra acertada da coalizão de esquerda Nova Frente Popular, a NFP, reverteu um dos cenários mais graves das últimas décadas e garantiu a derrota do partido fascista Reunião Nacional, o RN, de Marine Le Pen, nas eleições legislativas francesas.

O perigo representado por Jordan Bardella, líder do RN, engatilhou uma união de esforços inédita entre NFP e a coalisão liberal do presidente Emmanuel Macron, a Ensemble (no português: Juntos).

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A mobilização de sindicatos e movimentos sociais em periferias, somada ao posicionamento de figuras públicas, como o jogador de futebol da seleção francesa Kylian Mbappe, resultaram no maior engajamento eleitoral desde 1981.

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Apesar da euforia, os resultados preocupam. O projeto mais ambicioso da esquerda em anos — que inclui reformas socioeconômicas, regularização de imigrantes e o reconhecimento do Estado palestino — conta com um centro igualmente dependente da coabitação política para governar e barrar quaisquer avanços do RN.

A subalternização é determinante para um ciclo vicioso de evasão escolar, desemprego e violência policial que afeta sobretudo a diáspora africana.

Sob a bandeira anti-imigração, a extrema-direita escancarou a islamofobia e o racismo que assolam populações negras e magrebinas com discurso sobre sua “não-integração” aos valores da República Francesa, reciclados de outros chauvinistas como Sarkozy, Hollande e, especialmente, Macron.

Declarando o “separatismo islâmico” como um impasse nacional, o presidente e seus partidários, incluindo o primeiro-ministro Gabriel Attal, instrumentalizam a constitução para segregar a comunidade africana, principal origem entre muçulmanos no país.

Endurecimento da legislação imigratória e a proibição de hijabs são iniciativas apoiadas por lideranças ultraconservadoras.

Não há mais margem para falar em discriminação sem abordar a relação direta da branquitude, com seu saudosismo ao colonialismo, que condena grupos não-brancos ao amargo lugar do outro, à classe política e suas agências, como a polícia. 

Essa subalternização é determinante para um ciclo vicioso de evasão escolar, desemprego e violência policial que afeta sobretudo a diáspora africana não só na França, mas em outros países da Europa.

Para alguns, a incerteza da mudança talvez seja proporcional à esperança de dias melhores. A qualquer momento, uma denúncia suspeita e uma abordagem truculenta pode custar a vida de um jovem de origem argelina ou malinense nos subúrbios de Paris.

A vilanização da juventude negra e norte-africana serviu de combustível para apoiadores de Macron e Le Pen.

Violência policial

Foi assim que Zyed e Bouna, dois adolescentes, quando retornando às suas casas para quebrar o jejum de Ramadan, morreram eletrocutados tentando fugir de uma perseguição policial em 2005. Ou como Adama Traoré, que voltava de sua festa de aniversário de 24 anos, foi asfixiado até a morte sob custódia policial.

Em 2023, a população francesa novamente se revoltou com o assassinato do jovem Nahel Merzouk. A mídia imediatamente resguardou o policial com uma falsa narrativa de reincidência criminal e legítima defesa. 

A vilanização da juventude negra e norte-africana serviu de combustível para apoiadores de Macron e Le Pen reforçarem a histeria racista.

Com isso, parte da população se solidarizou com a família do assassino, arrecadando cerca de $1.7 milhões de euros para cobrir os eventuais custos do processo que enfrentaria.

O trabalho que a esquerda terá pela frente é árduo, e não poderá ser evitado ou postergado. A necessidade de políticas públicas que elevem as vozes africanas ao mesmo volume que seu comprometimento pela sobrevivência da mesma República que são acusadas de dividir é urgente.

Na terra da igualité, há licença para oprimir e matar desde que a metrópole prevaleça.

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