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Guerra no Líbano seria ‘catastrófica’. Por que Biden não faz mais para conter as provocações de Israel?

Os EUA gastam bilhões de dólares em apoio militar a Israel e ao Líbano, mas a diplomacia do Biden aumenta risco de guerra total entre seus aliados.

Forças Especiais dos EUA em treinamento.

A troca de ataques entre Israel e o Hezbollah, partido político e milícia sediado bem ao lado da fronteira entre o norte de Israel e o Líbano, vem alimentando os receios de que um conflito regional mais amplo possa irromper a qualquer hora.

O Hezbollah, um grupo xiita apoiado pelo Irã e aliado ao Hamas, está em uma guerra de baixa intensidade contra Israel desde o início do conflito em Gaza, em outubro do ano passado. Acredita-se que o Hezbollah tenha um arsenal de mais de 150 mil foguetes e mísseis, e o grupo vem enfatizando repetidamente que os ataques continuarão enquanto a guerra persistir.

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Durante o fim de semana, um ataque de foguetes, que os EUA e Israel disseram ter se originado no Líbano, matou pelo menos 12 civis nas colinas de Golã, controladas por Israel. O ministro das Relações Exteriores de Israel declarou que o ataque teria “passado de todos os limites”, e que “o momento de uma guerra total contra o Hezbollah e o Líbano” está se aproximando. O Hezbollah negou a responsabilidade pelo ataque.

Em uma ligação na segunda-feira, o secretário de Estado dos EUA, Antony J. Blinken, advertiu o presidente israelense, Isaac Herzog, sobre a ideia de responder com uma escalada da guerra contra o Hezbollah, segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller.

Mas há semanas o conflito vem se intensificando. Israel aumentou os ataques aéreos contra o grupo. Autoridades e ex-autoridades israelenses também se manifestaram publicamente sobre a possibilidade de mudar o foco de atenção, do Hamas para o mais poderoso Hezbollah.

Depois que as autoridades israelenses alertaram sobre a possibilidade de iniciar uma guerra que mandaria o Líbano “de volta à Idade da Pedra”, o governo Biden intensificou os esforços diplomáticos para acalmar as tensões e evitar um conflito que, segundo o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, poderia ter “consequências terríveis para o Oriente Médio”.

A guerra de baixa intensidade criou um barril de pólvora que pode explodir em um conflito regional envolvendo Irã, Iraque, Síria, Turquia, Iêmen, e, em maior escala do que atualmente, os Estados Unidos.

Líbano e Israel são ambos aliados dos EUA, que já despejaram bilhões de dólares de ajuda militar no Líbano, treinaram milhares de soldados, e operaram lá por muitos anos uma unidade delegada de comando, dirigida pelas forças de operações especiais americanas.

Depois de toda essa ajuda e dos bilhões de dólares em apoio, o Hezbollah permanece a força militar predominante do Líbano, e praticamente um “estado dentro do estado”, que exerce influência significativa sobre o governo do país. A guerra de Israel em Gaza só reforçou o apoio ao grupo, segundo algumas métricas.

“O apoio dos EUA ao assassinato em massa de palestinos é tão indefensável que acaba fortalecendo grupos como o Hezbollah.”

Embora a popularidade do Hezbollah esteja concentrada no sul e no leste do país, o grupo vem ganhando apoio entre os libaneses não xiitas em todo o país desde o início da guerra em Gaza, diante da sua resistência contra Israel, de acordo com uma pesquisa da rede Barômetro Árabe.

Os EUA também contribuíram para a influência do grupo, segundo Erik Sperling, da organização de defesa de direitos Just Foreign Policy, que crítica a política externa tradicional de Washington. “O apoio dos EUA ao assassinato em massa de palestinos é tão indefensável que acaba fortalecendo grupos como o Hezbollah, que conseguem capitalizar sua oposição firme, mas relativamente contida, às ações dos EUA e de Israel”, disse ele ao Intercept.

Líbano, ‘um estado falido’

No sul do Líbano, o conflito com Israel no ano passado deixou cidades e vilarejos desertos e destruídos. Foram registradas mais de 1.900 vítimas, incluindo 466 mortos, e quase 100 mil habitantes já foram deslocados, segundo a ONU.

No mês passado, a Human Rights Watch divulgou um relatório narrando o uso generalizado de fósforo branco por Israel no sul do Líbano. O uso do agente incendiário, que se inflama quando exposto ao oxigênio e pode causar horríveis ferimentos permanentes ou até morte, pode ser uma violação ao direito internacional, e, de acordo com a organização de direitos humanos, pode estar “colocando civis em grave risco e contribuindo para o deslocamento de civis”.

No entanto, por mais que o sofrimento tenha sido grave até agora, uma guerra mais ampla entre Israel e o Hezbollah seria “catastrófica” para a população do Líbano, diz Seth Binder, do Centro pela Democracia do Oriente Médio, com sede em Washington. “Uma guerra só tornaria as coisas exponencialmente piores”, disse ao Intercept. “Para a região, há o risco de nova conflagração, possivelmente a um custo enorme para a população local e para os interesses de segurança nacional dos EUA.”

O Líbano está em crise desde muito antes do início da guerra em Gaza, sufocado pela pandemia da COVID-19, pela maior população de refugados per capita no mundo, pela corrupção sistêmica, e pela explosão em 2020 de um armazém de fertilizantes no porto de Beirute, que matou mais de 200 pessoas, feriu outras 6 mil, e demoliu partes significativas da capital, causando bilhões de dólares em danos. Desde então, a economia do país entrou em colapso, e o PIB encolheu de US$55 bilhões (R$311 bilhões) em 2018 para US$31,7 bilhões (R$179 bilhões) em 2020, uma das depressões econômicas mais acentuadas da história moderna. Estima-se que cerca de 80% da população atualmente viva na pobreza.

A Comissão de Serviços Armados do Senado dos EUA recentemente resumiu a situação em um relatório: “já se considerava que o Líbano estava à beira de se tornar um estado falido antes [da guerra em Gaza], o que está impactando negativamente a estabilidade das Forças Armadas do Líbano e seus recursos para combater e bloquear as ameaças regionais, incluindo organizações terroristas violentas, como o Hezbollah”.

No início deste mês, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, ameaçou atacar novas áreas em Israel se as forças armadas israelenses não parassem de matar civis no sul do Líbano. “Os mísseis de resistência agora serão lançados contra novos assentamentos israelenses que ainda não haviam sido atacados antes”, alertou. “Se os tanques israelenses chegarem ao Líbano, eles não só terão escassez de tanques, mas nunca mais voltarão a ter tanques.”

Apoio quase incondicional a Israel

O governo Biden teria repetidamente alertado Israel contra o lançamento de uma “guerra limitada” no Líbano. “Restaurar a tranquilidade ao longo da Linha Azul continua sendo uma prioridade máxima para os Estados Unidos, e precisa ser da maior importância, tanto para o Líbano, quanto para Israel”, disse ao Intercept um porta-voz do Departamento de Estado, referindo-se à fronteira entre os países. “O conflito ao longo da Linha Azul entre Israel e o Hezbollah já durou o suficiente. É do interesse de todos resolvê-lo rápida e diplomaticamente. Continuamos a acreditar que uma solução diplomática é possível e urgente.”

Ao mesmo tempo, os EUA também tranquilizaram as lideranças israelenses quanto à manutenção do apoio militar, mesmo no caso de uma guerra total contra o Hezbollah. Desde o início do conflito em Gaza, os EUA vêm questionando o bombardeio “indiscriminado” em Israel, e pressionando seu aliado a “implementar uma série de medidas específicas, concretas e mensuráveis para lidar com os danos a civis [e] o sofrimento humanitário”. Seu apoio, porém, tem sido praticamente inabalável, embora o conflito já tenha matado mais de 39 mil palestinos, ferido mais de 89 mil, deslocado 90% da população, e reduzido a maior parte de Gaza a escombros.

“O apoio quase incondicional que os Estados Unidos vêm oferecendo a Israel nos últimos nove meses não apenas resultou em uma tragédia terrível em Gaza e estendeu a guerra, mas também permitiu que Israel continue a escalada contra o Hezbollah, aumentando ainda mais o risco de um conflito regional mais amplo”, disse Binder ao Intercept.

“Os esforços de Biden para evitar uma guerra mais ampla no Líbano são prejudicados pelas mesmas falhas de sua política diante do massacre de Israel em Gaza.”

Os EUA também alertaram as autoridades libanesas de que não podem impedir uma invasão israelense. Isso reflete a política do governo Biden em relação à guerra de Gaza: os EUA mantiveram o fluxo de armas para Israel apesar da avaliação do próprio governo de que as armas americanas teriam sido usadas por Israel em violação ao direito internacional humanitário.

“Os esforços de Biden para evitar uma guerra mais ampla no Líbano são prejudicados pelas mesmas falhas de sua política diante do massacre de Israel em Gaza. Os generais israelenses reconhecem que Israel não pode sobreviver sem o apoio militar e diplomático dos EUA, e, por isso, os EUA poderiam obrigar Israel a mudar sua política a qualquer tempo”, diz Sperling, da Just Foreign Policy. “Biden, no entanto, reluta em usar sua influência, porque não quer alienar o eleitorado pró-Israel nos EUA, que vem apreciando seu apoio continuado ao maior assassinato em massa de palestinos da história.”

Um dos maiores programas de assistência do mundo

Os EUA têm um longo e conturbado histórico no Líbano, que inclui uma intervenção dos fuzileiros navais americanos em 1958 para conter uma insurreição no país. Em 1983, durante uma guerra civil que durou 15 anos, os atentados a bomba contra a embaixada dos EUA e o quartel dos fuzileiros navais em Beirute mataram mais de 300 pessoas. Os Estados Unidos culpam o Hezbollah por ambos os ataques, e há muito tempo classificaram o grupo como organização terrorista. (Israel invadiu o Líbano durante essa mesma guerra, em 1982, e só saiu em 2000.)

Durante anos, os EUA investiram recursos nas forças armadas do Líbano para oferecer um contrapeso ao Hezbollah. Um relatório recente do Departamento de Estado se refere aos Estados Unidos como “principal parceiro de segurança do Líbano”. Desde 2006, os Estados Unidos forneceram mais de US$ 5,5 bilhões (R$ 31,8 bilhões) em assistência externa ao Líbano, incluindo US$ 3 bilhões (R$ 17 bilhões) em ajuda militar.

O governo dos EUA proporcionou mais de US$ 2 bilhões (R$ 11,3 bilhões) em aquisições pelo Líbano por meio do programa de vendas militares externas, incluindo aeronaves de ataque leve, helicópteros, e mísseis Hellfire. Em separado, os EUA forneceram ao Líbano 130 veículos terrestres blindados e táticos. Entre 2016 e 2021, os Estados Unidos também autorizaram a exportação de mais de US$ 82 milhões (R$ 464 milhões) em equipamentos militares para o Líbano, que incluem US$ 12 milhões (R$ 68 milhões) em “armas de fogo e artigos relacionados”.

“A assistência de segurança ao Líbano tem sido bastante extensa, um dos maiores programas de assistência do mundo”, diz Binder, observando que os EUA chegaram a redirecionar dezenas de milhões de dólares retidos do Egito em decorrência de preocupações com os direitos humanos no Líbano. “Apesar da assistência, no entanto, o país permanece incrivelmente instável e suas forças de segurança continuam incapazes de responder às operações domésticas ou regionais do Hezbollah.”

Além de injetar ajuda militar e armas no Líbano, os EUA também mantêm sua própria presença militar restrita no país.

Durante anos, os EUA travaram uma “guerra secreta” no Líbano contra grupos terroristas sunitas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda, segundo várias fontes: o general aposentado Joseph Votel, ex-comandante de quatro estrelas que supervisionou esse esforço; documentos que perderam o sigilo; ex-agentes de operações especiais que conheciam o programa; e analistas que investigaram o Título 10, § 127e da consolidação da legislação federal dos EUA – conhecido no jargão militar como “127-echo” – que permite que as forças de operações especiais usem unidades militares estrangeiras por delegação.

Pelo artigo 127e, os EUA armam, treinam, e fornecem informações às forças estrangeiras. Mas ao contrário dos programas tradicionais de assistência externa, que se destinam principalmente a fomentar os recursos locais, os parceiros pelo 127e são enviados para missões dirigidas pelos EUA, perseguindo inimigos dos EUA para atingir objetivos dos EUA. O programa 127e no Líbano, de codinome Lion Hunter (Caçador de Leão), apoiava uma unidade de elite conhecida como Força de Ataque G2, e esteve em operação até 2019, segundo um documento do Comando de Operações Especiais (SOCOM), que anteriormente era secreto, e foi obtido pelo Intercept por meio da Lei de Liberdade de Informação dos EUA.

O Comando Central, que supervisiona as operações militares dos EUA no Oriente Médio, não respondeu às perguntas sobre o programa e o número de soldados americanos que estiveram envolvidos, e talvez ainda estejam. Mas, em junho, em um relatório “Poderes de Guerra” enviado ao Congresso, o presidente Joe Biden observou que aproximadamente 75 militares dos Estados Unidos estão destacados no Líbano para “aprimorar os recursos contraterrorismo do governo e apoiar as operações de contraterrorismo das forças de segurança libanesas”.

Em uma declaração conjunta à Comissão de Serviços Armados do Senado, em abril, Christopher P. Maier, secretário adjunto de defesa para operações especiais e conflito de baixa intensidade, e o comandante do SOCOM, general Bryan P. Fenton, também observaram que os comandos dos EUA estão “posicionados para se prepararem para uma ampla gama de operações de contingência em Israel e no Líbano”.

Em depoimento perante a Comissão de Serviços Armados da Câmara, em março, Fenton chamou o Irã de “um agente maligno de longa data [que] aproveita seus representantes (…) para semear instabilidade no Oriente Médio”, mencionando especificamente o Hezbollah. Mas o Comando de Operações Especiais se recusou a falar sobre a própria força por delegação no Líbano. “Infelizmente, não podemos comentar (…) se os EUA continuam a trabalhar com a Força de Ataque G2”, disse ao Intercept um porta-voz do SOCOM, James Gregory.

Os EUA treinaram mais de 32 mil soldados libaneses, incluindo 6 mil que foram educados nos Estados Unidos desde 1970.

Os pedidos de comentários sobre a assistência militar dos EUA enviados ao Ministério de Relações Exteriores do Líbano não foram respondidos.

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