A sociedade britânica está quebrada. Em resposta ao assassinato de três crianças menores de nove anos em Southport, no norte do país, pelo adolescente Axel Muganwa Rudakuban, bandos racistas e supremacistas brancos causaram pavor na população muçulmana e imigrante do Reino Unido, organizando motins e tumultos em diversas cidades.
Os radicais incendiaram hotéis que abrigavam requerentes de asilo político e refugiados, e membros de minorias raciais foram agredidos nas ruas. Mais de 400 pessoas foram presas.
Os ataques racistas foram resultado de uma mentira irresponsável espalhada por políticos e líderes de opinião, de que o assassino era muçulmano e solicitante de asilo no Reino Unido. Rudakuban, porém, nasceu em Gales, filho de pais cristãos de origem ruandesa.
E claro, mesmo se esta mentira fosse verdade, os ataques racistas ainda assim seriam injustificados.
Os grupos racistas anunciaram até 100 protestos em diferentes cidades do país para o dia 7 de agosto. Em resposta, milhares de pessoas e grupos antirracistas saíram às ruas para proteger as populações vulneráveis e em demonstração de solidariedade.
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Ao grito de “escória racista fora das nossas ruas”, a sociedade britânica acordou no dia seguinte aliviada. O jornal conservador Daily Mail, por exemplo, reportou em sua capa: “Noite em que os protestos antirracistas enfrentaram os criminosos”, sem refletir sobre o papel que o jornal já desempenhou na disseminação de conspirações racistas no país.
‘Preocupação legítima’
Seria um erro para o Reino Unido achar que os contraprotestos resolveram o problema. A verdade é que o racismo e a xenofobia são talvez o maior problema estratégico que o novo governo do país deverá enfrentar.
Numa recente pesquisa do instituto YouGov, revelou-se que apenas 8% do país sente “simpatia” pelos protestos violentos, mas 58% do país simpatiza com as ideias racistas e anti-imigração quando expressadas de forma pacífica.
A ideia de que a imigração está “fora de controle” é um argumento comum não só nos círculos conservadores, como também nos centros da classe trabalhadora, tradicionalmente de esquerda. O tema é comumente chamado pela imprensa de legitimate concern, ou seja, uma “preocupação legítima” da população.
Foi essa forma de pensar, por exemplo, que levou o país ao Brexit, possivelmente a maior catástrofe estratégica autoinfligida na história do Reino Unido. O consequente aumento da imigração vinda do Sul Global em resposta à saída dos imigrantes europeus hoje inspira os motins racistas.
De fato, na tentativa de acalmar os eleitores mais extremistas do partido, os conservadores proibiram que alunos de mestrado venham ao Reino Unido com suas famílias, o que resultou em muitos estrangeiros desistirem de estudar no país, despencando a receita das universidades e levando muitas à beira da falência.
Do mesmo modo, o Reino Unido também está ficando sem trabalhadores na agroindústria, nos lares de idosos, nos hospitais etc.
Muito mais do que a capa do jornal
Para enfrentar o desafio do racismo estrutural, o Reino Unido precisará de muito mais do que capas inspiradoras no Daily Mail. A reconciliação nacional é um desafio que muitos países já tentaram enfrentar, às vezes sem êxito.
O Reino Unido não é diferente. Se o objetivo é resolver o problema, o povo britânico primeiro terá que enfrentar seu passado racista e imperialista para ponderar qual o país que quer ser no presente.
Esse processo pode tomar a forma de uma comissão da verdade ou algum outro mecanismo similar. O que não dá certo é achar que existe uma forma pacífica de propor xenofobia e islamofobia como “legitimate concerns”; estas simplesmente não são ideias legítimas ou pacíficas. A violência é inerente nelas.
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