Estudantes de Alagoas estão sendo cadastrados em plataforma de empresa condenada pela CGU. Foto: Seduc/AL.

Governo de Alagoas despeja dados de alunos e professores em plataforma de empresa condenada

Sem contrato, Secretaria de Educação oferece plataforma com material de apoio ao Enem. O pior: a empresa sequer poderia prestar serviços para o poder público.

Estudantes de Alagoas estão sendo cadastrados em plataforma de empresa condenada pela CGU. Foto: Seduc/AL.

Mais de 30 mil estudantes de Alagoas irão prestar o Enem em 2024. Para auxiliá-los, o governo estadual ofereceu uma plataforma de aprendizagem com material didático para o exame. Parece ótimo, só que não existe nenhum contrato que formalize o serviço e a relação entre o governo e a empresa. 

Pior: a empresa por trás da plataforma está – ou deveria estar – proibida de fazer negócios com o poder público.

Assim, os dados de alunos e professores das séries finais do Ensino Médio – ou seja, adolescentes – e do Ensino de Jovens Adultos estão sendo cedidos a uma empresa sem nenhum tipo de transparência ou controle público.

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O Intercept Brasil teve acesso a uma gravação de uma reunião virtual realizada pela Secretaria de Educação de Alagoas, a Seduc, com professores no dia 25 de julho. Nela, um representante da empresa Editora Verde apresentou instruções de como cadastrar alunos e docentes na plataforma Solis. 

Para que professores e alunos acessem a plataforma, o cadastro exige, pelo menos, nome completo, CPF e um email, segundo o representante da empresa afirmou na reunião.

Uma fonte ouvida pelo Intercept, que não quis revelar o nome por temer perseguição, contou que os professores estão sendo pressionados para cadastrar os alunos sem o conhecimento deles.

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“Desde o início do ano, nós prometemos uma plataforma com recursos didáticos direcionados à preparação para o Enem. Vocês estão cientes que as escolas receberam um kit de material de preparação para o Enem”, disse Danielly Verçosa, gerente especial para Exames do Ensino Médio da Seduc, durante a reunião. 

No início de julho, a Seduc também fez uma publicação em seu site anunciando o lançamento de uma plataforma de estudos, mas não mencionou qual seria. 

Empresa condenada pela CGU é que está por trás da plataforma

Apesar da presença na reunião com a Seduc, a Editora Verde não é a empresa por trás da Solis. Quem desenvolveu a plataforma, segundo dados do domínio do site e da identificação de desenvolvedor nas lojas de aplicativos, foi uma empresa chamada Inca Tecnologia.

Essa empresa, em agosto de 2023, foi condenada pela Controladoria-Geral da União a um pagamento de multa de R$1,3 milhão. 

A CGU constatou, em uma auditoria, que a Inca prestou informações falsas e fraudou uma proposta comercial apresentada ao Ministério da Saúde para fornecer insumos relacionados à pandemia da covid-19. Como resultado, além da multa, a CGU declarou a empresa inidônea para contratar ou licitar com a administração pública. 

Pela decisão, a Inca não poderia celebrar contratos com nenhum ente público, isso inclui também convênios e doações. O vínculo da empresa com o governo alagoano simplesmente não está documentado em local algum. 

“Não existe ajuste verbal na administração pública”, explica Marcos Augusto Perez, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e doutor em direito administrativo, ao Intercept.

Procuradas, a Inca Tecnologia e a Editora Verde não quiseram se manifestar.

‘Não conseguimos nem mensurar os riscos’

Na  plataforma Solis, não fica claro qual será a destinação dos dados de professores e estudantes, de que forma eles serão armazenados e para qual finalidade. 

“O risco existe por conta da falta de transparência, a gente não consegue nem mensurar quais são os riscos”, disse Bruno Bioni, diretor da ONG Data Privacy Brasil, ao Intercept. “Se isso está sendo adotado, é primordial você saber quem está na cadeia, quem está fornecendo a solução, e entender qual é o uso efetivo desses dados”, disse Bioni.  

O fato de serem crianças e adolescentes é um agravante, explicou o advogado, já que eles são enquadrados como hipervulneráveis. A Lei Geral de Proteção de Dados determina que, no caso de dados de crianças e adolescentes, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados e a forma de sua utilização, o que não ocorreu no caso da plataforma oferecida pela Seduc de Alagoas.

Na política de privacidade da plataforma, uma terceira empresa é mencionada como controladora de dados, a DevSkin Desenvolvimento de Softwares, de Barueri, em São Paulo. Também não existe qualquer rastro de contrato da Seduc com essa empresa. Contatada pelo Intercept, a Devskin esclareceu que é a empresa terceirizada responsável pelo desenvolvimento de todas as plataformas educacionais da Inca. 

Em um grupo de coordenadores ao qual o Intercept teve acesso, um docente questionou os gerentes sobre o compartilhamento de dados. “Vamos alimentar uma plataforma privada terceirizada com dados pessoais de alunos e professores. A LGPD permite isso?” Uma das gerentes respondeu apenas que todas as plataformas usadas pelo estado “seguem a LGPD”.

Depois que o Intercept questionou a Seduc sobre o uso da plataforma, docentes passaram a receber um aviso de política de privacidade e um termo de consentimento, que teriam de aceitar, ao fazer login. 

Sem rastro e sem contrato

Além da CGU, a Inca também está na mira do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul numa investigação que apura compras suspeitas de material didático pela Secretaria Municipal de Educação em 2022, durante a gestão de Sebastião Melo, do MDB gaúcho. 

O TCE-RS pediu a responsabilização da Inca, além de outras três empresas, de acordo com o site Sul21.

Nada disso impediu a Seduc de Alagoas de fazer a parceria com a empresa – e também não é a primeira vez que o órgão se envolve em práticas questionáveis de contratação pública. 

Em julho, o Intercept revelou que uma empresa israelense estava anunciando ter feito parceria com a Secretaria de Educação de Alagoas para implementar uma solução de reconhecimento facial – e também não havia contrato público. 

A advogada especialista em contratações públicas, Luciana Berardi, explicou ao Intercept que cabe primeiramente à Seduc fiscalizar esse contrato, mas que o Ministério Público do Estado de Alagoas e o Tribunal de Contas têm dever de ofício de fiscalizar o contrato se houver alguma denúncia.

Questionado pelo Intercept, o MP-AL disse que não recebeu, até o momento, denúncia ligada à Inca Tecnologia ou Editora Verde. O TCE-AL não respondeu até o fechamento da reportagem.  

A Secretaria de Educação de Alagoas também não respondeu aos questionamentos do Intercept antes da publicação deste texto. 

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