Embora reconheça o papel de Alexandre de Moraes na preservação da democracia, Emílio Peluso Neder Meyer, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais, é um dos que não tem se esquivado de fazer duras críticas ao trabalho do ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em entrevista ao Intercept Brasil, Peluso afirmou que as mensagens vazadas de assessores de Alexandre de Moraes, publicadas pela Folha de S.Paulo, não revelam ilegalidades. Tampouco justificam conclusões precipitadas sobre a anulação de processos ou anistia para figuras como Jair Bolsonaro e outros envolvidos em atos golpistas.
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Peluso destaca que a crítica ao ministro deve ser fundamentada em questões mais profundas, como a excessiva centralização de competências no Supremo e a necessidade de despersonalizar a atuação judicial. O professor da UFMG também pondera sobre a comparação entre o caso das mensagens vazadas agora e a Vaza Jato, argumentando que as situações são diferentes, tanto no contexto quanto nas implicações jurídicas.
Leia a entrevista:
Intercept – Como o senhor enxerga juridicamente o teor das mensagens reveladas pela Folha de S.Paulo?
Emílio Peluso Neder Meyer – É possível destacar alguns pontos conceituais importantes. O Brasil adota um sistema acusatório no processo penal, em que é fundamental separar as funções: quem investiga e promove a ação penal não pode ser o mesmo que julga. Essa separação é crucial para garantir um processo legítimo e democrático.
Um ponto relevante, que remonta a 2008, é a interpretação do artigo 156 do Código de Processo Penal, que foi alterado e permitiu ao juiz, de forma oficiosa, colher provas dentro do processo penal. Isso gerou críticas, mas a prática foi se consolidando.
Com a recente reforma do processo penal, no contexto da implementação do juiz de garantias, essa questão foi flexibilizada, mas o Supremo, ao julgar a ADI 6305, afirmou que o sistema acusatório continua vigente, embora não tenha invalidado o artigo 156. Em outras palavras, a base legal para uma atuação oficiosa do juiz existe, algo que os ministros do STF, como Alexandre de Moraes, conhecem bem.
No caso da Justiça eleitoral, o que muda?
A Justiça Eleitoral tem uma dinâmica diferente, com poderes mais amplos do que a Justiça Penal comum. No processo eleitoral, o juiz tem uma atuação administrativa que permite respostas imediatas e diretas, especialmente para proteger o processo eleitoral diante de provas que possam resultar em responsabilização.
Se analisarmos essas nuances, somadas às resoluções que o TSE adotou para lidar com as mídias sociais, as acusações presentes nas reportagens perdem força. Talvez esses jornalistas devessem ter consultado alguns juristas de diferentes perspectivas antes de publicar, para fundamentar melhor suas conclusões.
Como o senhor vê a comparação entre a reportagem da Folha e a Vaza Jato?
Acho difícil fazer uma comparação simples entre a reportagem feita pela Folha de S.Paulo e a Vaza Jato. Ou, se a gente parar para pensar, comparar o que ocorreu nos diversos inquéritos — especialmente o das fake news, mas também o dos atos antidemocráticos e o das milícias digitais — coordenados pelo ministro Alexandre de Moraes e o que se sucedeu durante toda a Lava Jato.
As acusações que surgiram até o momento não são da mesma gravidade. A gravidade das questões levantadas está sendo explorada muito mais sob a ótica dos atores políticos em disputa do que pelo que já aconteceu no processo penal.
Na Lava Jato, já havia várias condenações e uma colaboração evidente entre os atores, como os procuradores e o juiz [Sergio Moro]. Aqui, as investigações estão sendo conduzidas pelo próprio Supremo, o que levanta dúvidas sobre a legitimidade dessa concentração de poder, mas o próprio Supremo já havia defendido essa posição antes.
A comparação começa parecida, mas, ao refletir um pouco mais, fica claro que as diferenças são consideráveis.
O senhor tem feito críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes nos últimos anos. Quais são elas?
O principal problema envolve a excessiva concentração de inquéritos nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, muitos dos quais se conectam ao inquérito das fake news e a outras investigações relacionadas, como o inquérito das milícias digitais e o dos atos antidemocráticos.
A Folha já havia feito uma reportagem mostrando a quantidade de inquéritos conduzidos pelo STF, principalmente em torno dessas investigações que derivam dos chamados “inquéritos-mãe”. Embora alguns desses inquéritos tenham sido abertos pela Procuradoria Geral da República, muitos estão vinculados à atuação de ofício do próprio Supremo.
Isso resultou em uma concentração excessiva de poder em um único ministro. O Supremo já enfrentava críticas anteriores sobre a monocratização das decisões, e essa situação só se agravou com essa concentração.
Acho que o ministro Alexandre de Moraes já estava ciente desse problema, mas talvez não tenha percebido todas as suas consequências. Ao concentrar tantos inquéritos, ele se torna alvo direto das críticas midiáticas e, ainda mais, quando essas críticas vêm de figuras poderosas com alcance internacional.
O ideal seria que essa atuação fosse mais institucional, conduzida pelo STF como um todo, e não tão personalizada em torno de um único ministro. Isso evitaria a constante associação dos processos ao nome de Alexandre de Moraes, reforçando que o Supremo e a Justiça Eleitoral estão à frente dessas investigações. Infelizmente, essa abordagem mais institucional não está ocorrendo.
O senhor aplicaria essas críticas ao teor das mensagens reveladas pela Folha?
Na Justiça Eleitoral, essa crítica é menos aplicável, pois espera-se uma atuação mais imediata e incisiva, especialmente para evitar distorções no processo eleitoral. Até o momento, não vejo elementos suficientes para afirmar que há graves problemas ou nulidades que poderiam levar, por exemplo, a um processo de impeachment contra o ministro.
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