Arte Giovana Abreu/ Intercept Brasil

Pablo Marçal pagou por vídeo negativo de Boulos nas redes sociais

Esquema Cortes do Marçal já está na mira da Justiça Eleitoral. Mas os possíveis crimes dos vídeos premiados por audiência podem ir além.

Arte Giovana Abreu/ Intercept Brasil

Eleições 2024

Parte 2


O coach Pablo Marçal não está apenas pagando seus apoiadores pela publicação de vídeos de sua campanha nas redes sociais. O candidato do PRTB premiou, também, pelo menos um vídeo com campanha negativa contra seu adversário, Guilherme Boulos, do Psol, mostra um levantamento do Intercept Brasil.

Especialistas em Direito Eleitoral afirmam que o teor dos vídeos remunerados pode agravar ainda mais o caso de Marçal, que já está na mira do Ministério Público Eleitoral. O MPE pediu na segunda-feira, 19, a cassação do registro do candidato por abuso de poder econômico no esquema batizado de “Cortes do Marçal”. 

Nele, o coach paga a apoiadores que divulgam seus vídeos durante a pré-campanha, com prêmios de até R$ 70 mil para os que atingirem mais visualizações. A competição inclui plataformas como Instagram, TikTok e YouTube, com uma contagem rigorosa, que vamos detalhar a seguir, para determinar os vencedores.

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Para o Ministério Público Eleitoral, o esquema permite que Marçal não preste contas sobre o dinheiro, ou seja, trata-se de financiamento não declarado de campanha – o que desequilibra a disputa eleitoral. O pedido do MPE, no entanto, considerou apenas postagens no período pré-eleitoral. Quando a campanha começou, as coisas ficaram ainda piores.  

O perfil do TikTok @ativeoscodigos foi premiado em 18 de agosto, dois dias depois do início da campanha, por ter publicado um corte no TikTok que atingiu 1 milhão e 200 mil visualizações. 

Trata-se de um vídeo em que um dos sócios de Pablo Marçal, o empresário Marcos Paulo, critica comentários de seguidores de Guilherme Boulos sobre a morte de Sílvio Santos. Com uma edição que estampa uma foto antiga de Boulos ao lado de Lula, Paulo comenta sobre uma suposta mentalidade “anti-riqueza” dos apoiadores de Boulos. 

A postagem rendeu R$ 200 ao dono do perfil como primeiro colocado do dia no campeonato de Marçal.

O advogado Fernando Neisser, coordenador acadêmico da Academia de Direito Eleitoral, assistiu ao vídeo e comentou a pedido da reportagem: “Eu não tenho dúvida nenhuma que esse é um vídeo de propaganda negativa nos termos daquilo que entende a Justiça Eleitoral sobre propaganda negativa pra essa finalidade, daquela que não pode ser impulsionada com dinheiro”, afirmou.

“A Justiça Eleitoral tem uma visão muito estreita de que só pode propaganda que fala exclusivamente bem da própria candidatura. Há uma leitura crítica de comentários ali, vinculando isso ao grupo do Boulos. Isso, é sem dúvida, negativo”, disse Neisser ao Intercept.

Em 17 de agosto, o perfil do Instagram @produtivamentecortes ficou em terceiro lugar no ranking de premiação diária, ganhando R$ 100. Naquele dia, o vídeo mais assistido de sua página chegou a 18 mil visualizações. Trata-se, novamente, de um depoimento de Marcos Paulo. Desta vez, ele faz uma previsão de que Marçal vai vencer a eleição no primeiro turno.

Outro apoiador premiado depois do início da campanha eleitoral, em 16 de agosto, foi o dono do perfil @zerozerododigital no Instagram. Ele conseguiu 27 mil visualizações em um vídeo. A página diz tratar de marketing digital e vendas, mas publica vídeos com críticas a autoridades políticas, como o presidente Lula. Ele ganhou R$ 100 no primeiro dia oficial de campanha.

Nesta segunda-feira, em um dos canais de bate-papo do Discord em que os usuários divulgamos links de seus cortes já publicados, é possível ver dezenas de materiais oficiais da campanha de Marçal circulando, inclusive com número da candidatura.

Como funciona o ‘Cortes do Marçal’

Em uma entrevista recente, o candidato do PRTB detalhou o funcionamento do esquema, referindo-se a ele como um “campeonato” que criou. “Essa explosão dos cortes fugiu do controle, e vou te explicar por quê. Eu criei um campeonato, e as pessoas estão ganhando 400 mil reais com meus vídeos. O propósito inicial era simples: quem tiver mais visualizações, ganha. E eles recebem dinheiro toda semana”, afirmou Marçal.

Ele se orgulha de ter estabelecido o que chama de uma “indústria de cortes” e incentiva seus apoiadores a “fazer dinheiro” ao postar constantemente os vídeos fornecidos por ele. “Eles recebem pelo campeonato e ainda conseguem monetizar. Eles usam minha imagem, crescem a audiência e vendem produtos”, explicou em um vídeo.

A competição promovida por Marçal tem como objetivo gerar o máximo possível de visualizações em redes como YouTube Shorts, TikTok e Instagram Reels. Em junho, quando a report

A contagem dos resultados é detalhada e considera uma série de critérios que determinam o desempenho dos vídeos e dos participantes.

De acordo com o regulamento disponível na comunidade do Discord, as visualizações diárias são contabilizadas no período entre 00h01 e 23h59 do dia anterior, exceto no Instagram, onde o intervalo vai das 2h às 20h. Somente as visualizações do dia de publicação do vídeo são consideradas, ignorando aquelas obtidas depois.

Os três vídeos mais visualizados de cada dia, em qualquer rede social, recebem prêmios. Um mesmo usuário não pode aparecer mais de uma vez no top 3 do dia. Além disso, visualizações oriundas de colaborações (collabs) ou vinculadas entre Facebook e Instagram são desconsideradas.

A competição de Marçal terá ainda uma premiação final, baseada na soma de todas as visualizações ao longo da competição. Os 20 melhores colocados recebem prêmios em dinheiro e imersões exclusivas, sendo que o primeiro lugar ganha R$ 4.000, além de acesso a cursos e imersões com Pablo Marçal. A contagem final considera todas as visualizações obtidas em vídeos válidos postados nas três redes sociais.

Além disso, há prêmios específicos para quem postar o maior número de vídeos durante o período da competição. Os 10 participantes mais ativos ganham prêmios em dinheiro, com o primeiro lugar recebendo R$ 1.500. Ao final da competição, será realizado um sorteio com 18 ganhadores, oferecendo prêmios adicionais, como acessos a imersões e cursos.

Como mostrou uma reportagem da Aos Fatos publicada em junho, na pré campanha, especialistas já apontavam violações da lei eleitoral. Segundo uma reportagem da Agência Pública, os cortes foram visualizados pelo menos 825 milhões de vezes.

Outro aspecto que mantém a máquina de Marçal de pé é a regra que determina perfis que ficarem três dias sem postar vídeos em qualquer uma das três redes sociais são removidos automaticamente da competição, embora possam se recadastrar posteriormente.

Neisser, em entrevista ao Intercept, comentou a estratégia: “Não tenho dúvida de que se trata de abuso de poder econômico e que isso pode levar à cassação da candidatura. A lei proíbe que candidatos paguem para que terceiros façam campanha eleitoral em suas próprias páginas na internet. Desde 2009, quando as campanhas na internet foram reguladas, isso é proibido”, afirmou.

O Intercept entrou em contato com a assessoria de Marçal, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

21 de agosto de 2024, 09h27
O texto foi alterado para corrigir a fala do entrevistado advogado Fernando Neisser sobre a lei eleitoral proibir que candidatos paguem para terceiros fazerem campanha eleitoral em suas próprias páginas.
A primeira versão do texto não continha a palavra paguem.

🚨 O QUE ENFRENTAMOS AGORA 🚨

O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira. 

Os golpistas estão de cara nova, com seus ternos e sapatênis. Eles aprenderam estratégias sofisticadas de marketing digital para dominar a internet, que estão testando agora nas eleições municipais.

O objetivo final? Dominar bases de poder locais para tomar a presidência e o congresso em 2026. 

Não se deixe enganar: Bolsonaro era fichinha perto dos fascistas de sapatênis…

O Intercept não pode poupar esforços para investigar e expor os esquemas que colocam em risco nossos direitos e nossa democracia.

Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral. 

Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

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