Um anúncio no Google que direciona para o site da campanha de Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo, foi pago por Talita Alves Trindade Vieira, maquiadora da esposa do coach.
O anúncio é crime eleitoral: a lei brasileira proíbe que terceiros paguem por publicidade eleitoral em nome de um candidato. Também é irregular porque o Google, em tese, proíbe anúncios políticos desde abril deste ano.
Na prática, no entanto, a big tech permitiu impulsionar – isto é, pagar para que a postagem seja vista por mais pessoas – o anúncio, o que privilegia Marçal frente a todos os outros candidatos nas plataformas do Google. “O anúncio vem na frente. Ele é programado para o algoritmo entender que aquilo é mais relevante do que qualquer coisa e entregar várias vezes”, disse Marie Santini, diretora do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, ao Intercept Brasil.
O Intercept Brasil e o Aos Fatos chegaram até a maquiadora a partir das informações que constam no centro de transparência de anúncios do Google.
O número de WhatsApp disponível no perfil do Instagram de Vieira para agendamentos é o mesmo número que foi declarado no cadastro da empresa e o endereço e o email informados em sua página no Facebook também batem com as informações da Receita Federal.
No Instagram de Talita Vieira, uma maquiadora de Barueri, é possível ver sua relação com Pablo Marçal e esposa, Ana Carolina Marçal.
Vieira maquiou Ana Carolina no dia do casamento de seu irmão, em dezembro do ano passado. A maquiadora também publicou dois vídeos de uma palestra de Marçal em novembro de 2022 e janeiro deste ano.
O anúncio rodado por Talita no Google aparentemente promove a venda do Networking Pro, um dos cursos de Marçal. Só que, ao clicar nele, o usuário acessa o site da campanha do candidato do PRTB.
A publicidade foi exibida depois do início da campanha eleitoral, entre os dias 16 e 20 de agosto. É o único anúncio pago por Talita que diz respeito a Pablo Marçal – os demais promovem cursos de outras pessoas e dois anunciam seu trabalho como maquiadora.
Impulsionamento em nome de terceiros pode ser estratégia para burlar a lei
Não é a primeira vez que um terceiro impulsiona conteúdo político em nome de Marçal. Na semana passada, uma apuração do Aos Fatos identificou seis anúncios veiculados nas redes sociais da Meta pelo fisiculturista Renato Cariani, sócio de Marçal e réu por tráfico de drogas.
Encontramos outro caso, desta vez envolvendo uma pessoa de nome Geana Rosa Martins, que impulsionou três anúncios no Google que levam para o site da campanha do candidato. As peças foram veiculadas no mesmo período dos anúncios de Talita. Contudo, não conseguimos identificar qual a ligação desta pessoa com Pablo Marçal.
Uma norma de dezembro de 2019 do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, proíbe esse tipo de propaganda. “Impulsionamento só pode do próprio [candidato] ou do partido”, explicou a coordenadora geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Vania Aieta. A violação seria, a princípio, passível de multa, mas poderia virar uma ação na Justiça Eleitoral de abuso de poder de mídia a depender da quantidade de anúncios.
“Se houver algum indício de que as pessoas que estão fazendo isso recebem do candidato ou são orientadas pelo candidato, seria ainda mais grave”, disse a advogada eleitoralista Paula Bernardelli.
Falha da plataforma em cumprir sua própria regra
Vale ressaltar que os anúncios foram veiculados porque o Google falhou em aplicar suas próprias regras. Em abril deste ano, a empresa anunciou que proibiria o impulsionamento de conteúdo político para cumprir com as regras do TSE.
As novas definições já valem para as eleições municipais de outubro deste ano. Segundo Bernardelli, é preciso considerar que a estratégia de impulsionamento em nome de terceiros pode ser uma forma de driblar a proibição estabelecida pelo Google.
À reportagem, o Google reiterou que atualizou a política de conteúdo político do Google Ads para não mais permitir a veiculação de anúncios políticos no Brasil. “Quando identificamos violações às nossas políticas, agimos imediatamente”, afirmou. Pelo centro de transparência de anúncios, não é possível checar se o Google realmente agiu sobre os anúncios identificados.
Também contatamos Talita Vieira e a assessoria de imprensa da campanha de Marçal, que não se posicionaram até o fechamento desta reportagem.
Esta reportagem integra o projeto “Os Ilusionistas”, uma aliança jornalística coordenada pelo CLIP (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística) na qual repórteres e pesquisadores digitais de 15 organizações e veículos de mídia latino-americanos investigam, de forma colaborativa, a circulação de informações falsas e a manipulação de conversas públicas na mídia digital, durante este “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. No Brasil, participam do consórcio o ICL Notícias, Aos Fatos e The Intercept Brasil.
Uma investigação jornalística que busca desvendar a desinformação política no “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. Liderado pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (CLIP) em aliança com ICL Notícias, Aos Fatos y Intercept (Brasil), El Faro (El Salvador), Lab Ciudadano (Honduras), Animal Político e Mexicanos Contra la Corrupción (México), La Prensa y Foco Panamá (Panamá), IDL Reporteros y Ojo Público (Perú), Diario Libre (República Dominicana), El Observador (Uruguai), Fake News Hunters, Cocuyo Effect, ProBox, C-Informa e Medianalisis (Venezuela)
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