João Filho

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Entenda que está por trás da guerra entre Pablo Marçal e os Bolsonaros

Hoje, a maior pedra no sapato da família Bolsonaro não é Lula nem o PT, mas Pablo Marçal, o coach que até ontem era um fervoroso bolsonarista.

SÃO PAULO (SP), 22/08/2024 - PABLO/MARÇAL/PRÊMIO/LEGADO/VISIONÁRIO - O candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), participou da 1° edição do prêmio Legado Visionário no Aya Earth Partners, bairro do Bela Vista, região do centro de São Paulo (SP), na noite desta quinta-feira (22). O evento tem a finalidade de premiar os melhores empresários do Brasil, com visão visionária e com grandes feitos dentro do mundo empresarial. (Foto: Gabriel Silva/Ato Press/Folhapress)

Nesta semana, uma guerra entre os filhos de Bolsonaro e Pablo Marçal criou um grande racha entre os reacionários. Essa é uma treta que vai muito além da disputa pelas eleições municipais de São Paulo deste ano.

O que está rolando é uma guerra fratricida pelo espólio político e eleitoral do bolsonarismo, visando às próximas eleições presidenciais. Hoje, a maior pedra no sapato da família Bolsonaro não é Lula nem o PT, mas Pablo Marçal, o coach que até ontem era um fervoroso bolsonarista.

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As pesquisas mostram uma subida rápida e consistente de Marçal. Ele aparece empatado tecnicamente em primeiro lugar com Boulos, do PSol, e o candidato de Bolsonaro, Ricardo Nunes, do MDB.

O coach está engolindo o eleitorado de Nunes e, ao que tudo indica, não será simples reverter essa tendência. Hoje, Marçal tem mais votos entre os eleitores  de Bolsonaro e do governador Tarcísio de Freitas do que o candidato apoiado por Bolsonaro.

Segundo o Datafolha, em apenas três semanas o coach pulou de 29% para 44% entre os eleitores de Bolsonaro, enquanto o prefeito caiu de 38% para 30%. Está se desenhando um cenário em que o candidato de Bolsonaro ficará de fora do segundo turno na capital do maior colégio eleitoral do país, algo que seria impensável há algumas semanas.

Ameaça à hegemonia dos Bolsonaros

É a primeira vez que a hegemonia de Bolsonaro dentro da direita está sendo ameaçada. Marçal tem grande potencial para assumir o berrante e passar a tocar o gado que hoje é comandado pelo ex-presidente. 

O candidato coach tem grande apelo entre uma fração do bolsonarismo que é menos apegada às questões morais e mais às relativas ao sucesso pessoal. 

Vivemos a era do coachismo, do empreendedorismo de palco e das apostas digitais. Há uma massa com celular na mão intoxicada por essas patifarias dos nossos tempos.

Bolsonaro representou bem esse grupo até agora, já que alimentar uma paranóia anticomunista é uma premissa básica de quem cultua a prosperidade individual em detrimento do coletivo.

Mas a sua imagem está mais atrelada à defesa da moral e dos bons costumes. É um ex-militar conservador, religioso, que não está conectado com o capitalismo na era digit

O coach dialoga melhor com esse público e sabe exatamente como conquistar as mentes e corações dessas pessoas. São anos em cima do palco falando frases motivacionais vazias para um público incauto.

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Ele conhece o caminho das pedras. Marçal conseguiu consolidar a imagem do cristão self made man, o homem simples de Goiás que virou um empresário milionário e que dedica a sua vida a ensinar os outros a vencer na vida como ele.  

Este racha não acontece só entre o eleitorado. Muitos políticos bolsonaristas em São Paulo já abandonaram Nunes para apoiar Marçal. Lideranças de partidos da base de Bolsonaro se recusaram a demonstrar apoio público ao candidato de Bolsonaro.

O secretário de Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, não se acanhou em trocar afagos públicos com Marçal pelas redes sociais. Nomes relevantes do bolsonarismo já não estão obedecendo às ordens do capitão. A crise é grande e só está começando.

A constatação de que Bolsonaro está perdendo influência sobre o eleitorado e sobre sua base está tirando o sono de Eduardo e Carlos Bolsonaro, que intensificaram os ataques contra Marçal nas redes sociais.

Nos diálogos que travaram publicamente, é possível identificar pelos comentários que há uma parcela significativa de bolsonaristas irritados com a família Bolsonaro por não apoiar Marçal.

Há entre eles a impressão de que Marçal é um homem com mais coragem para enfrentar o “sistema”, enquanto Bolsonaro e seus filhos seriam uns frouxos por apoiar um candidato considerado pouco bolsonarista.

Marçal pode oferecer um risco ainda maior para as instituições.

Marçal identificou essa vulnerabilidade e tem explorado isso ao passar a citar com frequência o nome de Valdemar da Costa Neto. A aliança com o homem que tem a chave do cofre do milionário PL representa o que seria para eles uma capitulação de Bolsonaro ao “sistema”.

No Twitter, por exemplo, há uma enxurrada de postagens de perfis bolsonaristas defendendo Marçal e criticando a aliança do ex-presidente com Nunes e Valdemar. Para pelo menos metade dos bolsonaristas, o candidato coach pode ser o Bolsonaro que vai dar certo. A imagem do mito desgastou e a adoração por ele já não é mais a mesma.

Pior que Bolsonaro

O fato é que Marçal pode ser pior que Bolsonaro. Ele parece ter um fervor antidemocrático bem maior que o do ex-presidente, que passou a vida inteira no parlamento como um parasita muito bem acomodado ao “sistema”.

Diferente de Bolsonaro, o candidato coach é o verdadeiro outsider da política. Não tenho dúvidas de que como político eleito, Marçal pode oferecer um risco ainda maior para as instituições. 

Ele é pior e mais radical que Bolsonaro, com forte tendência a ser um radical no nível de Nayib Bukele, o extremista de direita que preside El Salvador. Ambos são jovens, populares, bem sucedidos, com discurso anticorrupção e antenados com o mundo digital e das redes sociais.

Até a estética entre eles é parecida. É a extrema direita de boné. As atrocidades que Bukele faz contra os direitos humanos e contra as instituições democráticas são muito piores que as feitas por Bolsonaro no Brasil. Marçal é um ditador em construção e as condições materiais para ele virar o próximo líder nacional dos extremistas estão dadas. 

Haveria a possibilidade do TRE cassar a candidatura de Marçal, já que ele vem descumprindo sistematicamente as regras eleitorais. Mas pelo andar da carruagem, essa é uma possibilidade bastante remota.

É deprimente, mas não é estranho.

Marçal inventou que Guilherme Boulos é usuário de cocaína e quase nada aconteceu. Pelo contrário, na última quinta-feira, a justiça decidiu suspender duas decisões que haviam concedido ao psolista um direito de resposta nas redes sociais do candidato coach. Mas ele não está nem aí para isso, pois sabe que o tribunal é lento, as multas irrisórias e as punições brandas. A justiça tem deixado Marçal à vontade para vandalizar a campanha. 

Ganhando ou perdendo a eleição em São Paulo, o coach sairá vitorioso dela. Se for cassado pela justiça eleitoral, também. Quaisquer que sejam os desdobramentos, Marçal sairá dessa disputa com um base eleitoral relevante, projeção nacional e com um nome bem construído para as eleições presidenciais de 2026.

A inelegibilidade de Bolsonaro criou um vácuo na extrema direita e Marçal desponta como um dos favoritos para ocupá-lo. 

É deprimente constatar que um homem condenado por participar de uma quadrilha que dava golpes bancários esteja na liderança da disputa da prefeitura da maior cidade da América Latina.

Pior que isso: os articuladores da sua campanha eleitoral são investigados por ligação com o PCC. É deprimente, mas não é estranho. Como vimos nos últimos anos, a moral e os bons costumes da extrema direita no Brasil moram apenas no discurso. Na prática, eles são movidos por golpes, sejam eles os de Estado ou os bancários.

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