A ascensão da extrema direita no Brasil esteve umbilicalmente ligada a Jair Bolsonaro nos últimos anos. Apelidamos esse conceito de bolsonarismo.
Principal liderança de conservadores radicais, Bolsonaro conseguiu se eleger presidente do país, tornando sua trajetória política pessoal um elemento central da trajetória política brasileira.
Contudo, o conceito de bolsonarismo sempre teve duas grandes limitações. Primeiro, é um conceito maleável e de definição vaga, sendo usado no debate público para definir simultaneamente uma ideologia, um movimento e um projeto político particular – três coisas que são fundamentalmente distintas, por mais conectadas que estejam.
Segundo, é um conceito que reduz à figura de uma única pessoa (por ser construído em torno do seu nome) um fenômeno político de grande amplitude e complexidade, cujo início, o fim e o meio são compostos por muitos outros fatores relevantes.
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Enquanto Bolsonaro mantinha inquestionável hegemonia no campo da extrema direita, essas limitações podiam ser mais facilmente relevadas, tendo em vista que a ideologia, o movimento e o projeto político particular moviam-se em sincronia sob a batuta de um único político que exercia domínio sobre as três frentes.
Pablo Marçal entra na jogada
Com a projeção nacional de Pablo Marçal a partir da sua candidatura à prefeitura de São Paulo, essa realidade mudou – e, por consequência, o bolsonarismo como o conhecemos até hoje morreu. As três frentes que o compunham agora seguem caminhos separados, levando a uma ressignificação de cada uma delas e do conceito de bolsonarismo em si.
Ao despontar como liderança política batendo de frente com Bolsonaro, mas defendendo em grande parte as mesmas ideias e valores do ex-presidente, Marçal torna impossível continuar chamando de bolsonarismo a ideologia que tomou o país de assalto.
Àqueles dedicados a enfrentar a extrema direita no país, o problema está mudando de forma e de cara, mas suas três dimensões continuam aí.
É uma ideologia da qual Bolsonaro ainda pode ser o principal representante, mas que está acima dele e vai além dele, havendo nítido espaço para o crescimento de outras lideranças, capazes inclusive de derrubá-lo.
Mobilizando militantes e eleitores, até recentemente, fiéis a Bolsonaro, mas convencendo-os a apoiar um projeto político que vai contra os interesses do capitão, Marçal mostra que a base de apoio popular do ex-presidente é mais frágil do que parecia.
Há mesmo um movimento com liderança centralizada? Ou um movimento mais difuso, com coesão ideológica e um ecossistema de atores-chave dentre os quais algum pode até se destacar temporariamente, mas onde a liderança é fluida?
Ou talvez nem mesmo haja um movimento, apenas uma pulsão social habilmente explorada por diferentes extremistas, que podem ou não agir em concerto?
Deixando de ser sinônimo de uma ideologia, e tendo em xeque seu suposto movimento, Bolsonaro ainda conta com um projeto político – a única das três frentes que faz sentido continuar chamando de bolsonarismo.
Mas esse projeto nunca esteve sob tanto risco. Bolsonaro tem sido resiliente desde o fim do seu mandato, apesar de todas as adversidades, mas talvez tenha encontrado em Marçal seu arquirrival.
Se o apadrinhado Ricardo Nunes chegar ao segundo turno contra Guilherme Boulos, existe a possibilidade de Bolsonaro se manter firme como principal liderança da direita, apesar de ter que dividir esse espaço com Marçal daqui em diante. Mas se Nunes ficar atrás de Marçal, um cenário cada vez mais provável, o projeto fica desestruturado.
E o Bolsonaro?
A ascensão de Marçal não chega a ser uma surpresa para quem acompanha de perto sua trajetória e estratégia ao longo dos últimos anos. Mas isso não torna menos impressionante a forma como ele tirou do eixo o fenômeno até então conhecido como bolsonarismo.
Não é à toa que Bolsonaro e sua família estão reagindo de forma tão intensa: Marçal não é apenas mais uma ameaça ao bolsonarismo – ele é uma ameaça existencial.
Àqueles dedicados a enfrentar a extrema direita no país, o problema está mudando de forma e de cara, mas suas três dimensões continuam aí.
Daqui em diante será preciso, mais do que nunca, olhar para cada uma dessas dimensões em separado: como combater a ideologia de extrema direita no país; como enfrentar (e impedir a formação) de movimentos pautados por essa ideologia; e como derrotar projetos políticos particulares das lideranças que despontam.
Cada uma dessas frentes exige suas próprias estratégias, que precisam estar minimamente integradas por serem partes da resolução de um problema maior.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
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