O candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Foto: Bruno Santos/Folhapress.

Entrevista: Meta de Pablo Marçal é 'fazer dinheiro com a política eleitoral'

Antropóloga Letícia Cesarino explica como o coach se beneficia da lógica da economia da atenção – e onde ele difere de Bolsonaro.

O candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Foto: Bruno Santos/Folhapress.

Eleições 2024

Parte 5


A arquitetura das plataformas privilegia o aparecimento de figuras como Pablo Marçal. O ecossistema das redes é feito para engajar e dar mais visibilidade para conteúdos de baixa qualidade, polêmicos e teorias que alimentam a extrema direita. Essas são constatações da antropóloga Letícia Cesarino, que conversou com o Intercept Brasil sobre o papel das redes sociais nesta eleição.

Existem vieses técnicos embutidos no design dessas tecnologias, dos algoritmos, que nos ajudam a entender porque a política está caminhando para uma certa direção. “A lógica da economia da atenção leva a promoção de conteúdos de pior qualidade informacional, de pior qualidade do que seria os critérios de um debate democrático”, explica Cesarino.

A economia da atenção é um conceito que descreve como a atenção das pessoas se tornou um recurso valioso na era digital. Agora os sites, aplicativos e mídias sociais competem para captar e manter a atenção do usuário. E nesse quesito, Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, já ganhou. “Ele é um empreendedor da economia da atenção e todo mundo só fala nele”, enfatiza Cesarino. 

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Diferentemente de 2018 e 2022 – onde o bolsonarismo utilizava muitos robôs, automação, disparos em massa de fake news, tudo arquitetado pelo chamado gabinete do ódio –, agora Pablo Marçal utiliza uma comunidade de seguidores que espalham seus conteúdos. O esquema Cortes do Marçal entrou na mira da Justiça Eleitoral e as contas foram suspensas. O Intercept mostrou que Marçal chegou a premiar um perfil que publicou um vídeo com campanha negativa contra Guilherme Boulos, do Psol. 

Cesarino é professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina. Ela é autora do livro “O mundo do Avesso: a verdade política na era digital”, publicado pela editora Ubu

Letícia Cesarino: Meta de Pablo Marçal é 'fazer dinheiro com a política eleitoral'. Foto: Divulgação.
Letícia Cesarino: Meta de Pablo Marçal é ‘fazer dinheiro com a política eleitoral’. Foto: Divulgação.

Leia a entrevista na íntegra:

Intercept Brasil – Como a arquitetura das redes sociais favorece o aparecimento de figuras como Pablo Marçal?

Letícia Cesarino – Os algoritmos de recomendação que promovem a viralização de conteúdos e constroem essa espécie de arquitetura de pirâmide, que eu acho que é muito o estilo do Pablo Marçal, da comunidade que ele criou, certamente se beneficiam desse ecossistema.

O caso Marçal é interessante porque ele condensa várias dimensões que são do contemporâneo, entre elas, os vieses técnicos que as plataformas têm nas suas arquiteturas algorítmicas. Mas ele articula isso com outras dimensões que são importantes também, como a própria lógica da economia da atenção. 

Os algoritmos são parte da economia da atenção, que é um modelo de negócio, baseado na venda da atenção dos usuários para anunciantes e que acaba criando um espaço, um tipo de esfera pública de baixa qualidade de conteúdo.

Privilegia conteúdos polêmicos, é isso?

O conteúdo é menos importante do que a performance dele, dentro dos critérios da economia da atenção. Uma das coisas que já está clara a essa altura é que a própria lógica da economia da atenção leva a promoção de conteúdos de pior qualidade informacional, de pior qualidade do que seria os critérios de um debate democrático.

Por exemplo, discutir programa de governo, discutir questões complexas, discutir política pública. O tipo de comunicação que seria mais saudável para democracia, a economia da atenção, como um todo, inclusive os algoritmos, privilegia o oposto. Ou seja, o conteúdo sensacionalista, que gera revolta, que gera indignação. Mas, pode ser também um conteúdo de viés mais humorístico, que é uma dimensão que aparece na comunidade do Marçal também. Não só questão da lacração.

Isso aparecia no Bolsonaro também, certo? Pode explicar as diferenças entre Marçal e o Bolsonaro?

Isso estava no Bolsonaro também e em vários políticos da extrema direita, um certo ceticismo em relação à política. Mas no caso do Marçal, especificamente, é uma atitude mais subjetiva, mais no sentido de desistir da política democrática como uma forma de transformar as coisas.

É uma instrumentalização da política eleitoral para outros fins. O que revela é um desprezo pela política eleitoral, pela política democrática. E esse fim, no caso do Marçal, muito explicitamente, é ganhar dinheiro.

Isso é uma dimensão que já estava lá atrás no bolsonarismo, só que ela ainda estava submetida a objetivos de ordem política e ideológica, embora se possa discordar e disputar a coerência dessa ideologia, ainda havia um pano de fundo ideológico que motivava aquelas pessoas. No caso do Marçal  é pior. Parece que mesmo essa dimensão ideológica, de uma ideologia conservadora, não é que ela está ausente, mas ela está claramente submetida a esse imperativo de ganhar dinheiro e de se projetar dentro da lógica da economia de atenção.

Então, me parece que o Marçal é um passo além do Bolsonaro ainda no sentido desse englobamento da lógica da democracia, pela lógica da economia da atenção. A materialidade das plataformas é a base disso, no fim das contas, porque mesmo que tenha uma estratégia que ele construiu, o elemento humano é muito importante e não só o elemento algoritmo.

É uma conclusão lógica, tanto que na política pré-digital eleitoral esse tipo de coisa não acontecia. Embora você tivesse os candidatos caricatos e anti sistema, vários chegaram a ser eleitos, inclusive o Tiririca, mas criar uma comunidade inteira, angariar pessoas em torno disso da forma como que está acontecendo, seria impossível sem os espaços das redes sociais.


E a cada eleição notamos que uma plataforma ganha destaque. Essa é uma eleição Instagram?

É interessante notar que a cada eleição, a plataforma mais central vai mudando. Quando Jair Bolsonaro tomou posse o povo estava no Facebook e WhatsApp. Em 2022, essas ainda se mantiveram, mas na esfera pública digital, outras plataformas foram se tornando importantes também, o próprio Telegram foi uma novidade, o Instagram e o Tik Tok, as plataformas de vídeo em geral, elas ganharam nos últimos anos uma centralidade que não tinham antes. 

Isso tem a ver com várias razões, inclusive capacidade de processamento. O vídeo tá muito mais acessível para ser consumido e, aqui tem um ponto chave, está mais acessível para ser produzido. Porque hoje você tem aplicativos desses cortes que os seguidores dele fazem. 

Há cinco anos isso não era tão simples. Você tinha que fazer no computador, você tinha que pagar pelo software. Agora você tem esses aplicativos grátis, ou com pelo menos a versão gratuita já dá para você fazer cortes, fazer legendas. Então, é muito rápido, é muito mais fácil e muito mais acessível para qualquer um, não exige uma grande habilidade técnica.

Em torno do Marçal tem uma comunidade de seguidores dedicados. Em 2018 vimos a utilização de muito robôs, disparos em massa. Como você avalia isso?

Chama bastante a minha atenção o fato de no esquema dele estarem pessoas fazendo a divulgação. Em 2018, 2022 tinha muito bot, muita automatização, era robô para comentar no Twitter, por exemplo. Agora não, ao que tudo indica, são humanos. Também tem uma motivação política, mas é uma política mais cética do que no bolsonarismo ideológico, do que um conservadorismo ideológico. E a meta é fazer dinheiro com a política, fazer dinheiro com a política eleitoral. Isso está escancarado agora. 

E não é que não existisse antes, no próprio bolsonarismo tinha a questão econômica. Mas esse elemento de monetização, seja monetização direta pelas plataformas, seja monetização indireta, agora no Marçal ganha esse aspecto piramidal. E uma outra característica, é que ele distribui em praticamente todas as plataformas, a pessoa que participa do esquema pode escolher em qual plataforma quer atuar.

No Telegram, por exemplo, tem grupos com pessoas que estão no esquema mais tempo – e isso é uma característica da pirâmide: quem entrou antes ganha mais – onde ele vende a membership, a entrada do grupo por R$ 100,  algo assim. E dentro desse grupo fechado ele vai ensinar essas outras pessoas como ganhar dinheiro com os cortes do Marçal. Tem grupos com 50 mil pessoas, ou seja, só com esse membership essa pessoa já ganhou muito dinheiro.

Um outro exemplo é um influenciador de Instagram que mostrou o comprovante do pix que ele recebeu da empresa do Marçal e naquele mesmo post ele já tava vendendo um curso de como ganhar dinheiro dentro desse esquema. Então, tem esse esse aspecto de pirâmide financeira.

É diferente do esquema do bolsonarismo, porque os intermediários do bolsonarismo tinham esse papel de estar organizando a comunidade, mas eles se beneficiavam de outras formas. Claro, sempre tem um que dá curso, como o próprio Nikolas Ferreira, que sempre tem esse esquema de vender livro, curso. Mas eles, muitas vezes, ganhavam se alçando a uma plataforma política para eles mesmo serem eleitos, e isso não parece ser tanto caso aqui. Esses intermediários do Marçal têm o objetivo realmente de ganhar dinheiro. 

E aí de novo você tem esse descolamento do bolsonarismo, de estar envolvido em política eleitoral para fazer política, tentar melhorar a política. Nesse caso não me parece que seja essa a intenção, nem por parte dos seguidores da base da pirâmide, nem dos intermediários e nem do próprio Pablo Marçal. Não me parece que o objetivo dele seja ganhar a eleição necessariamente. 

Eu nem sei se ele gostaria de ser eleito, é alguém que realmente não tem plataforma política,  não tem programa de governo. Mas eu acho que existe a chance de que a candidatura seja impugnada porque ele está de forma muito explícita cruzando várias linhas regulatórias com relação a legislação eleitoral.

E agora ele começou a incomodar a família Bolsonaro.

Ele está ameaçando políticos do establishment, como o próprio [Ricardo] Nunes. Então, se interessa a classe política parar o Pablo Marçal, a chance de isso acontecer obviamente é muito maior. O pano de fundo desse caso do Marçal é essa tensão entre a política e a lógica da economia da atenção, da qual os algoritmos fazem parte.

Pablo Marçal já ganhou, mesmo ele não ganhando a eleição, tendo a candidatura impugnada?

Sim, porque ele é um empreendedor da economia da atenção e todo mundo só fala nele. 

Esse modo como ele usa essa ecologia de plataformas de uma forma mais complexa, mais extensiva que o próprio bolsonarismo é algo interessante de acompanhar. E tem essa novidade do Discord como uma plataforma de organização. O Discord é conhecido por conta do extremismo e da radicalização. Começamos a ouvir falar dele, por exemplo, no ano passado quando o Ministério da Justiça, por conta daquela onda de ataques em escolas, passou a investigar as comunidades nessa rede. Essa é uma plataforma voltada para os mais jovens. 

E o Discord em si não é usado tanto para replicar os cortes, ele é uma base de organização desse esquema, assim como o Telegram também é importante do ponto de vista da organização.

Os caminhos de distribuição do conteúdo do Marçal são vários. É claro que nos concursos ele define quais plataformas as visualizações vão ser contabilizadas. Mas não são só os concursos, têm outras formas de ganhar dinheiro promovendo a imagem do Pablo Marçal. É quase uma coisa do ‘corpo digital’ lá que eu falava do Bolsonaro, existe esse corpo digital do Pablo Marçal, onde essas pessoas de certa forma querem ser o Pablo Marçal. Ele tem esse discurso muito explícito de que qualquer um poderia ser o que ele é, essa coisa do empreendedorismo, da técnica de desbloquear a prosperidade.

E isso é um elemento que também não tinha não tinha no bolsonarismo, a questão do desbloqueio da prosperidade, de novo nessa chave mais ideológica da extrema direita, esse tema vinha mais nessa figura do inimigo. Se você tirar os políticos corruptos, você faz uma intervenção militar para limpar o Brasil. Aí o Brasil vai prosperar. Era aquele populismo mais clássico.


Agora não seria populismo, é puramente econômico mesmo e muito individualista. Não tem essa coisa do povo, do coletivo que o bolsonarismo trabalhava. E não é que não tem um coletivo, mas é esse coletivo de uma espécie de ecossistema, onde as pessoas aprendem juntas como prosperar por conta própria. É mais individualista o esquema.

E como o estado tem que atuar para responsabilizar as plataformas?

Não, a questão da regulação no Brasil não avança. Se você pensar que PL 2630 tinha o apoio do Arthur Lira, da Globo, e nem assim ele andou. E agora a gente vê algo muito parecido acontecendo com o PL 2338 sobre  Inteligência Artificial, que é um projeto do presidente do Senado [Rodrigo Pacheco] e ele também não está andando. Então, eu acho que não vai ter regulação em um curto prazo.

O que pode ser uma oportunidade que esse caso do Marçal coloca, já que ele está pisando no pé de tanta gente, é tentar estabelecer um limite mais claro entre a economia da atenção e a política eleitoral. 

O Pablo tem uns vídeos que são mais agressivos contra o Boulos, com difamação, mas não é uma campanha de discurso de ódio de fato como era ali o bolsonarismo com o conhecido gabinete do ódio. Então, ele nem recai tanto nessa linha nessa demanda de regulação de plataforma por conta dessa produção em massa de mentiras, de ódio ,de discurso conspiratório.

Seria mais um caso de estabelecer uma linha clara de até onde os incentivos e padrões de atuação da economia da atenção podem estar entrando na política eleitoral.  Seria o caso de uma regulação que delimite essa fronteira de forma muito mais clara e muito mais rigorosa. E isso eu já acho mais viável de acontecer.

Tem uma promiscuidade completa entre pessoa pública e pessoa privada. Então, o pastor que sai candidato, o delegado que sai candidato e usa o seu chapéu de delegado para ser eleito. Tem policiais militares com canais no YouTube, essas pessoas se projetam nessas plataformas e, eventualmente, saem candidatos depois.

Talvez a partir desse caso do Marçal seja possível traçar uma linha regulatória mais clara entre essas duas realidades: a política eleitoral e a lógica própria da internet.

O ideal seria avançar um pouco mais no caso desses parlamentares que são eleitos pela internet, pode ser do executivo também, mas uma vez com seus mandatos eles continuam atuando através da lógica da economia da atenção.  Mas aí talvez eu esteja sendo otimista demais. Se conseguir só traçar essa linha mais clara em termos de a forma como alguém como Pablo Marçal atua e impedir que ele seja eleito nesses termos, já vai ter sido um grande avanço.

🚨 O QUE ENFRENTAMOS AGORA 🚨

O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira. 

Os golpistas estão de cara nova, com seus ternos e sapatênis. Eles aprenderam estratégias sofisticadas de marketing digital para dominar a internet, que estão testando agora nas eleições municipais.

O objetivo final? Dominar bases de poder locais para tomar a presidência e o congresso em 2026. 

Não se deixe enganar: Bolsonaro era fichinha perto dos fascistas de sapatênis…

O Intercept não pode poupar esforços para investigar e expor os esquemas que colocam em risco nossos direitos e nossa democracia.

Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral. 

Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

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