Quando Carla atendeu o telefone, ela reconheceu de imediato a voz do outro lado da linha: era Silvio Almeida. O ano era 2009 e Almeida havia sido seu professor durante dois anos na graduação de Direito na Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. “Oi, tudo bem? Sabe quem está falando?”, teria perguntado ele.
Quinze anos depois, Carla reviveu aquele momento em entrevista ao Intercept Brasil. “Eu obviamente reconheci a voz, eu escutava ela todos os dias”, ela me disse.
O ex-ministro Silvio Almeida foi demitido da pasta de Direitos Humanos na sexta-feira, 6, após denúncias de assédio sexual e moral praticados dentro da pasta virem à tona.
A existência das denúncias foi confirmada pela organização Me Too, uma organização sem fins lucrativos que apoia vítimas de assédio sexual. Mas Carla relata ter sido assediada por Almeida muito antes que ele chegasse ao governo.
Carla foi aluna da São Judas Tadeu entre 2005 e 2009. Na época, Silvio Almeida lecionou a disciplina de Filosofia no curso de Direito. No último ano da graduação da estudante, Almeida foi indicado para compor a banca de avaliação de sua monografia final — foi essa a ocasião da ligação, segundo ela.
Carla afirma que Almeida lhe disse no telefone: “acho que a gente devia sair para conversar sobre o seu tema porque eu não quero que você saia prejudicada”. A então estudante desconversou e disse que não tinha tempo pois trabalhava e estudava, lembra.
O professor voltou a ligar outras vezes, segundo ela, mas não “subia o tom”. Apenas reiterava que não queria que a aluna saísse prejudicada, ela lembra. Carla afirma não saber como o professor obteve seu número de telefone.
Na época, Carla contou o ocorrido apenas para as amigas próximas. Ela não buscou a reitoria da universidade por medo e porque não tinha como apresentar provas contra o professor. “Fiquei com medo dele realmente me prejudicar na monografia”, disse ela.
Foram essas amigas que enviaram para Carla as notícias sobre as denúncias de assédio moral e sexual contra Almeida dentro do ministério dos Direitos Humanos.
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Depois que o caso se tornou público, vieram à tona outros relatos de mulheres que conviveram com Silvio Almeida em outros espaços. Uma professora foi à público para dizer que foi vítima de assédio sexual por parte de Almeida em 2019 na Escola de Governo.
Na quinta-feira, a revista Veja publicou que estudantes de Direito da São Judas Tadeu relataram a colegas episódios de assédio de Almeida.
Segundo a Veja, os relatos eram de “tentativa de troca de favores sexuais para que a avaliação das provas fosse alterada para melhor”. O Intercept questionou Carla se havia, na época dela, outros casos conhecidos. Ela disse saber de uma outra aluna que também havia dito que Almeida deixava claro que gostaria de sair com ela.
“Eu sabia que não era a única”, disse Carla. Ao ver as notícias na semana passada, ela se disse aliviada. “Agora ele mexeu com alguém que está no mesmo nível que ele, que talvez não teria tanto medo de falar alguma coisa”, disse ela.
Questionada pelo Intercept, a Universidade São Judas Tadeu disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que até o momento “não recebeu nenhuma denúncia ou relato formal de natureza semelhante aos mencionados” e que, por isso, desconhece os fatos.
A instituição acrescentou que “apesar de não haver qualquer relação jurídica com o ex-professor há cinco anos, a instituição está apurando internamente o tema” e está à disposição das autoridades.
O Intercept entrou em contato com Silvio Almeida por meio de sua assessoria de comunicação, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem.
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