Não faz nem dois anos que a terra veio abaixo na Vila Sahy, litoral norte de São Paulo, deixando 64 mortos e mais de mil desabrigados. Mas a memória recente da tragédia não está refletida nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de São Sebastião, município onde está localizada a comunidade.
Dos cinco candidatos no município, apenas dois apresentaram em seus planos de governo a proposta de elaborar um plano municipal de adaptação às mudanças climáticas: Reinaldinho, do Republicanos, e Vinicius Jardim, representante da candidatura coletiva do Partido Comunista do Brasil. Os outros três – Dr. Nil, do Solidariedade, Juan Garcia, do PSD, e Prof Gleivison, do PP, não fazem nenhuma menção à adaptação climática em suas propostas.
A situação não acontece só em São Sebastião. O Intercept Brasil analisou os planos de governo de Bertioga, Guarujá, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela, os outros cinco municípios que, assim como São Sebastião, tiveram situação de calamidade pública decretada após as fortes chuvas de fevereiro de 2023.
Em Ilhabela, por exemplo, nenhum dos cinco candidatos fala em adaptação às mudanças climáticas ou a eventos climáticos extremos em seus planos de governo. A cidade teve uma de suas mais famosas praias, a da Feiticeira, completamente destruída por uma enxurrada causada pelas fortes chuvas, em 2023.
“As candidaturas esse ano ainda não assumiram o tópico de clima como prioritário”, disse ao Intercept Henrique Frota, diretor-executivo do Instituto Pólis, organização de sociedade civil que atua pelo desenvolvimento de cidades mais justas, sustentáveis e democráticas.
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Desde fevereiro de 2023, pouca coisa mudou na Vila Sahy. Uma obra para o desassoreamento do Rio Sahy e a construção de um molhe, semelhante a um paredão, na foz dele na praia está embargada na Justiça desde abril deste ano.
De um lado, a população da Vila Sahy apoia a obra, que, segundo a prefeitura, poderia evitar novas enchentes e deslizamentos. Do outro, proprietários da Barra do Sahy são contrários à construção do molhe pelos possíveis impactos ambientais ao mangue e à fauna na foz do rio. Eles também apontam para irregularidades na contratação da empresa que realizaria a obra, feita sem licitação.
O governo do estado também construiu um conjunto habitacional na Praia da Baleia para abrigar famílias que perderam suas casas. Mas segundo Frota, do Instituto Pólis, que acompanha as comunidades afetadas de perto, o empreendimento foi instalado numa zona de mangue, onde há grandes chances de alagamento.
“Pode não ter deslizamento, mas vai ter alagamento porque é uma região onde o solo, o lençol freático é superficial”, disse ao Intercept. “Região de mangue nem deveria ter construção pela legislação ambiental”.
Mas ainda há famílias morando na Vila Sahy, em pontos do bairro que resistiram aos deslizamentos.”As pessoas enfrentam um grau de risco enorme em nome daquilo que foi o esforço da vida delas, para construir suas casas”, disse Frota. Na avaliação dele, existem outras medidas de adaptação que não a remoção, como obras de contenção e de drenagem urbana.
Ao menos dois candidatos em São Sebastião, Vinicius, do Partido Comunista do Brasil, e Reinaldinho do Republicanos, propõem a remoção e reassentamento de pessoas em áreas de risco. A candidatura do PCB também fala em obras de contenção nas áreas que puderem ser recuperadas.
Juan Garcia, do PSD, propõe retomar um programa de zonas de especial interesse social para acomodar residentes de áreas de risco. Outras duas propostas não abordam o tema em profundidade: o candidato Dr. Nil, do Solidariedade, fala apenas em construir unidades habitacionais temporárias para acolher vítimas de deslizamento ou alagamentos e Gleivison, do PP, propõe criar um departamento permanente de projetos de contenção e drenagem.
Diosmar Fillho, da Associação de Pesquisa Iyaleta, é a favor da remoção para a recuperação da restinga, da mata ciliar e das encostas. Mas ele defende que a remoção seja para todos, não só para a população de baixa renda. “Você precisa remover todos, inclusive os grandes hotéis, as casas de luxo à beira da praia em áreas de restinga”, ele explicou.
Como a adaptação climática salva vidas
Adaptação climática é um conceito importante para o presente e para o futuro em que eventos climáticos extremos – como as chuvas de fevereiro de 2023 e períodos de seca prolongados – se tornam mais frequentes e mais intensos.
“Adaptação é sobre como a gente pode adaptar os territórios para eles lidarem melhor com os efeitos das mudanças climáticas”, explicou Frota. “Então, por exemplo, ampliar a drenagem urbana. Eu adapto o território porque eu sei que vai chover mais no futuro e com mais frequência”, disse.
Uma pesquisa publicada em agosto mostrou que medidas de adaptação implementadas ao longo das últimas duas décadas preveniram 80% de mortes por calor na Europa. No ano passado, estima-se que 47 mil pessoas morreram dessa causa no continente europeu. Sem as medidas de adaptação, o número poderia ter chegado a 85 mil, segundo o Observatório do Clima.
Em Ubatuba, onde uma pessoa morreu em decorrência das fortes chuvas em fevereiro de 2023, apenas duas de 11 candidaturas trazem propostas ligadas à adaptação climática.
Cristina Prochaska, candidata pelo PSOL, propõe estabelecer uma coordenadoria de Mudanças Climáticas com diferentes secretarias. A prioridade da coordenadoria será a elaboração de um plano para as mudanças climáticas.
Gerson Florindo, o candidato do Partido dos Trabalhadores, apresentou ideia semelhante de estabelecer uma governança climática interna apoiada em mecanismos de diálogo com a sociedade civil.
Uma promessa que se repete em dezenas de planos de governo é o fortalecimento da Defesa Civil. Segundo os especialistas ouvidos pelo Intercept, a medida é importante – mas, sozinha, é insuficiente.
‘A gente precisa pegar na mão e dizer assim: você que vai assinar o termo de posse para um mandato de quatro anos em 1º de Janeiro de 2025 e é responsável por implementar o Acordo de Paris no Brasil’.
“Os municípios estão mais familiarizados com a questão da Defesa Civil e da atuação no pós-desastre, porque é da cultura das políticas públicas brasileiras atuar pouco na prevenção e mais na reação quando o episódio acontece”, disse Frota, do Pólis.
Para Diosmar Filho, do Iyaleta, não basta fortalecer a Defesa Civil sem que haja um investimento maior em outras estruturas que se conectam a ela. “Falar em Defesa Civil é quase uma palavra fácil para dizer ‘eu estou responsável com o que aconteceu’”.
Diosmar defende que a “melhor aposta” para a adaptação dos municípios aos eventos climáticos extremos está na revisão dos planos diretores municipais. Para ele, obras de adaptação na infraestrutura – drenagem, por exemplo – demandam um investimento que municípios não podem fazer. Mas é através da revisão dos planos diretores que se cria o caminho para captar recursos para viabilizar essas obras.
No entanto, das 38 candidaturas analisadas pelo Intercept, apenas 13 têm dentre as propostas a revisão do plano diretor municipal.
Diosmar lembra ainda que o Acordo de Paris prevê a participação dos estados nacionais e dos subnacionais.
“A gente precisa pegar na mão deles [eleitos] e dizer assim: você que vai assinar o termo de posse para um mandato de quatro anos em 1º de Janeiro de 2025 e é responsável por implementar o Acordo de Paris no Brasil, não é só o Presidente da República que é responsável”, disse o pesquisador.
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