Campanha de Ricardo Nunes pagou R$ 637 mil para locadora de veículos que tem um carro só

A frota de meio milhão

Campanha de Ricardo Nunes pagou R$ 637 mil para locadora de veículos que tem um carro só

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Eleições 2024

Parte 15


A campanha do prefeito de São Paulo Ricardo Nunes, do MDB, pagou R$ 637 mil para uma locadora de veículos que possui apenas um carro e tem sede em uma casa na zona sul da cidade onde não há um veículo sequer. 

A empresa, aberta há cinco meses e que tem um único sócio, recebeu 49 pagamentos entre 21 de agosto e 23 de setembro, sendo 48 no mesmo valor de R$ 10.884, pelo aluguel de veículos, e um no valor de R$ 115.121 pela locação de 60 ônibus.

O Intercept Brasil foi até o endereço registrado, que fica na Vila Patrimonial, um bairro entre Jabaquara e Diadema. Não encontramos carros nem Carlos Alberto de Oliveira, o único sócio da BT Locadora de Veículos. 

No local, falamos com a mãe das filhas de Oliveira, que disse que ele não vive no endereço há muitos anos, mas tem uma locadora de carros e trabalha para Nunes. Ela não quis dar entrevista.

Segundo o registro da Receita Federal, a empresa foi aberta em abril deste ano, com capital social de R$ 100 mil. Oliveira, o único sócio, não tem participação societária em nenhuma outra empresa. Entre 2020 e 2021, ele chegou a receber R$ 5,2 mil de Auxílio Emergencial do governo federal.

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Falamos com Oliveira por telefone no dia 9 de setembro. Quando mencionamos a prestação de serviços que sua empresa realizou para a campanha de Nunes, ele não respondeu e disse que teria “de perguntar para os caras lá”. “Eu não posso informar nada para você sem ter o aval deles”, afirmou Oliveira. Voltamos a contatá-lo no dia 25, mas ele não atendeu.

Advogados eleitoralistas consultados pelo Intercept disseram que os fatos podem ser indicativos de irregularidades nas despesas de campanha de Nunes, que poderiam acarretar em devolução de dinheiro e até cassação.

“As questões levantadas são forte indício de irregularidades nas despesas de campanha. Certamente a Justiça Eleitoral exigirá, quando da análise da prestação de contas, que se comprove que a empresa contratada tem condições de atender aos serviços demandados”, disse ao Intercept o mestre e doutor em Direito, Fernando Neisser, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Abradep.

Neisser acrescentou que, caso a despesa tenha sido paga com recursos do fundo eleitoral, a campanha terá ainda de demonstrar a compatibilidade do preço praticado com o mercado, sob pena de eventual desaprovação de contas e determinação de restituição de valores aos cofres públicos. 

Até o dia 24 de setembro, 98% da receita da campanha de Nunes, um montante de R$ 43,7 milhões, advinha de fundo eleitoral e partidário.

No endereço informado à Receita Federal, não há carros nem o sócio.

A locadora de um veículo só

O Intercept obteve também acesso à relação de veículos no nome da empresa e de Oliveira, com base em dados do Renajud. A BT Locadora é dona de apenas um carro, fabricado em 2010. 

Já Oliveira tem 12 veículos em seu nome. Destes, 11 são antigos, com mais de 10 anos de fabricação – ou seja, incompatíveis com o padrão de locadoras de veículos, que costumam usar uma frota mais recente. 

Segundo Neisser, a lei eleitoral até permite a subcontratação, quando um fornecedor terceiriza o serviço para outro, mas a campanha teria de comprovar que o valor pago é compatível com o mercado.

‘Tudo indica que tem coisa errada’.

Para o especialista em direito eleitoral e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP, Alexandre Rollo, os fatos já são suficientes para que o Ministério Público Eleitoral abra uma investigação. “Tudo indica que tem coisa errada. Não estou dizendo que é com certeza absoluta, mas, repito, tudo indica que tem coisa errada”, disse ao Intercept.

A Justiça Eleitoral, de acordo com Rollo, olha justamente para estes elementos – endereço, abertura, capital social – nas investigações. “Você dá um endereço, o endereço não corresponde. Você acabou de criar a empresa, a empresa é recente, não tem tradição”, disse Rollo ao Intercept. 

Segundo Rollo, se a Justiça Eleitoral considerar essas despesas irregulares, ela pode determinar que a campanha devolva o dinheiro. Em paralelo, caso se comprovem irregularidades na arrecadação e gastos dos recursos de campanha, as contas podem ser rejeitadas e até mesmo o diploma pode ser cassado, se o candidato for eleito.

Mesmo preço para veículos com 14 anos de diferença

A campanha de Nunes respondeu aos questionamentos do Intercept no dia 26. Em uma nota por escrito, disse que contratou a BT Locadora para prestação de serviços de fretamento e transporte de panfleteiros e que “não há absolutamente nada que desabone a contratação”. 

Também fez referência à lista de veículos contratados disponível no DivulgaCand e citou que “o custo total do contrato abarca impostos, motoristas, combustível, alimentação, pedágios, estacionamento e manutenção”. 

De fato, há uma lista com os veículos contratados no DivulgaCand. Ela, inclusive, detalha a despesa registrada para contratar cada veículo. Mas, apesar das diferenças de marca e modelo, todos os pagamentos são praticamente no mesmo valor: R$10.884, 16 ou R$10.884,17. 

Registros que constam no DivulgaCand dos pagamentos pelo aluguel de veículos feitos pela campanha de Nunes à BT Locadora (Crédito: Reprodução)

Por exemplo, um Fiat Ducato 2014 foi alugado pelo mesmo valor que um Fiat Ducato 2000, apesar de terem 14 anos de diferença. Já um Mercedes Benz 2015 foi locado pelo mesmo valor do Fiat Ducato 2000. 

A campanha disse ainda que Oliveira, diretor-presidente da BT Locadora, “comprova estar no segmento de locação de veículos e de fretamento desde os anos 2000”. O Intercept questionou como se deu essa comprovação, visto que Oliveira não tem e nem teve participação societária em nenhuma empresa do ramo. 

A resposta foi que, “de acordo com o Carlos Alberto [Oliveira, único sócio da BT Locadora], ele foi proprietário da Beto Transportes e Locações de Veículos, entre 2019 e 2022”. 

O Intercept consultou o CPF de Oliveira na Junta Comercial do Estado de São Paulo. A pesquisa mostrou que a única empresa na qual ele tem ou teve participação é a BT Locadora. 

Também não há registros de que ele tenha sido proprietário de empresa com este nome em outros estados. A reportagem indagou a campanha de Nunes se Oliveira apresentou um CNPJ ou certidão desta empresa anterior, mas não teve resposta.

Um negócio entre amigos 

Outros dois candidatos também registraram pagamentos à BT Locadora por serviços prestados à campanha. Um deles é o vereador Adilson Amadeu, do União Brasil de SP, que concorre à reeleição.

Segundo dados do DivulgaCand, Amadeu registrou no início de setembro duas despesas, cada uma no valor de R$ 18,5 mil, com a BT Locadora. Amadeu é aliado próximo de Nunes, por quem é chamado de “amigo“. No início de agosto, o prefeito participou de um evento de campanha organizado por Amadeu. 

O candidato a vereador Luiz Alberto Ramos Silva, do MDB paulista, também fez dois pagamentos totalizando R$ 30,7 mil à BT Locadora na mesma data de Amadeu, 4 de setembro. 

O vereador Adilson Amadeu, candidato à reeleição (esq.) e Ricardo Nunes, à direita: ‘amigo’.

Silva tem 29 anos e está concorrendo pela primeira vez. Em seu Instagram, ele publicou um vídeo com Enrico Misasi, presidente do MDB na cidade de São Paulo, no qual Misasi o chama de “amigo e irmão”. Em outro post, o candidato chama Misasi de referência na política. 

Desde julho, Misasi, que é ex-deputado federal, ocupa o cargo de coordenador-executivo da campanha de Nunes, após ter deixado o comando da secretaria-executiva de Relações Institucionais da Prefeitura de São Paulo. 

Segundo Rollo, caso seja aberta uma investigação sobre as despesas com a BT Locadora, outros candidatos que tenham utilizado o mesmo fornecedor também podem ser chamados a dar explicações. 

Entramos em contato com as campanhas dos candidatos a vereador Adilson Amadeu e Luiz Alberto Ramos Silva, mas não houve resposta.

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